Luiz Antonio Costa de Santana

terça-feira, abril 26, 2011

ABUSO DE DIREITO E COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO

Luiz Antonio Costa de Santana
Advogado, doutorando em Direito pela Universidade Nacional Lomas de Zamora, na Argentina, professor da UNEB e UNIVASF

Dispõe o art. 187 do CC que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé, ou pelos bons costumes”.

Ao contrário do CC alemão, inspirador da regra no Brasil, o art. 187 do CC não exige intenção do sujeito de prejudicar, nem que o sujeito tenha o propósito de prejudicar; basta praticar, ou seja, sem análise da figura da culpa.

O que o art. 187 do CC exige para a configuração do abuso de direito é a ultrapassagem de limites, no exercício de um direito. Os limites são impostos em observância a: a) pelo seu fim econômico ou social; b) pela boa fé (objetiva); c) pelos bons costumes. O cidadão é detentor de um direito mas excede-se.

Neste aspecto, surge a importância de delimitar outro instituto jurídico de origem alemã que começa a ser aplicado no Brasil: venire contra factum proprium.

Chaïm Perelman define o que é o venire contra factum proprium:

“28 – Venire contra factum proprium: não se pode insurgir contra as conseqüências do feito próprio. Em direito administrativo, esta regra obriga a administração pública a se conformar com as regras que ela própria instituiu: patere legem quan ipse fecisti” (Lógica Jurídica. São Paulo. 2000. p. 21.)

O ministro do Superior Tribunal de Justiça RUI ROSADO de AGUIR JUNIOR nos ensina, com maestria, o alcance de tão importe teoria: “A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois
cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em lugar ou tempo diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.” (AGUIAR JÚNIOR, RUY ROSADO DE. A Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. 1ª ed. Rio de Janeiro. Aide. 1991, p. 240.) (destaque nosso).


ABUSO DE DIREITO E COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO
Luiz Antonio Costa de Santana
Advogado, doutorando em Direito pela Universidade Nacional da Argentina, professor da UNEB e UNIVASF

Dispõe o art. 187 do CC que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa fé, ou pelos bons costumes”.
Ao contrário do CC alemão, inspirador da regra no Brasil, o art. 187 do CC não exige intenção do sujeito de prejudicar, nem que o sujeito tenha o propósito de prejudicar;
basta praticar, ou seja, sem análise da figura da culpa.
O que o art. 187 do CC exige para a configuração do abuso de direito é a ultrapassagem de limites, no exercício de um direito. Os limites são impostos em observância
a: a) pelo seu fim econômico ou social; b) pela boa fé (objetiva); c) pelos bons costumes. O cidadão é detentor de um direito mas excede-se.
Neste aspecto, surge a importância de delimitar outro instituto jurídico de origem alemã que começa a ser aplicado no Brasil: venire contra factum proprium.
Chaïm Perelman define o que é o venire contra factum proprium: “28 – Venire contra factum proprium: não se pode insurgir contra as conseqüências do feito próprio. Em
direito administrativo, esta regra obriga a administração pública a se conformar com as regras que ela própria instituiu: patere legem quan ipse fecisti” (Lógica Jurídica.
São Paulo. 2000. p. 21.)
O ministro do Superior Tribunal de Justiça RUI ROSADO de AGUIR JUNIOR nos ensina, com maestria, o alcance de tão importe teoria: “A teoria dos atos próprios, ou a
proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido
anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de
lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e
auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois
cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o
pagamento em lugar ou tempo diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição é
preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.” (AGUIAR JÚNIOR, RUY ROSADO DE. A Extinção dos
Contratos por Incumprimento do Devedor. 1ª ed. Rio de Janeiro. Aide. 1991, p. 240.) (destaque nosso).

segunda-feira, abril 25, 2011

Parafraseando Nelson Rodrigues: Blog, aqui me tens de regresso e, suplicamente te peço uma nova inscrição...

segunda-feira, abril 11, 2011

Pessoa - Marina Silva

Olhar você
e não saber
que você é a pessoa
mais linda do mundo
e eu queria alguém
lá no fundo do coração
ganhar você
e não querer
é porque eu não quero
que nada aconteça
deve ser porque eu não ando bem da cabeça
ou eu já cansei de acreditar
o meu medo é uma coisa assim
que corre por fora
entra, vai e volta sem sair
não
não tente me fazer feliz
eu sei que o amor é bom demais
mas dói demais sentir...
você
e não querer
é porque eu não quero que nada aconteça
deve ser porque
eu não ando bem da cabeça
ou eu já cansei de acreditar
ou eu já dancei...
o meu medo é uma coisa assim
que corre por fora
entra, vai e volta sem sair
não
não tente me fazer feliz
eu sei que o amor é bom demais
mas dói demais sentir...

Pessoa - Marina Lima

Olhar você
e não saber
que você é a pessoa
mais linda do mundo
e eu queria alguém
lá no fundo do coração
ganhar você
e não querer
é porque eu não quero
que nada aconteça
deve ser porque eu não ando bem da cabeça
ou eu já cansei de acreditar
o meu medo é uma coisa assim
que corre por fora
entra, vai e volta sem sair
não
não tente me fazer feliz
eu sei que o amor é bom demais
mas dói demais sentir...
você
e não querer
é porque eu não quero que nada aconteça
deve ser porque
eu não ando bem da cabeça
ou eu já cansei de acreditar
ou eu já dancei...
o meu medo é uma coisa assim
que corre por fora
entra, vai e volta sem sair
não
não tente me fazer feliz
eu sei que o amor é bom demais
mas dói demais sentir...

Pessoa - Marina Silva

Olhar você
e não saber
que você é a pessoa
mais linda do mundo
e eu queria alguém
lá no fundo do coração
ganhar você
e não querer
é porque eu não quero
que nada aconteça
deve ser porque eu não ando bem da cabeça
ou eu já cansei de acreditar
o meu medo é uma coisa assim
que corre por fora
entra, vai e volta sem sair
não
não tente me fazer feliz
eu sei que o amor é bom demais
mas dói demais sentir...
você
e não querer
é porque eu não quero que nada aconteça
deve ser porque
eu não ando bem da cabeça
ou eu já cansei de acreditar
ou eu já dancei...
o meu medo é uma coisa assim
que corre por fora
entra, vai e volta sem sair
não
não tente me fazer feliz
eu sei que o amor é bom demais
mas dói demais sentir...



sábado, abril 09, 2011

O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90.

O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90.

Súmula Vinculante nº 5 do STF e o direito fundamental à ampla defesa

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18863

Publicado em 04/2011

Marcelo Bernardes Batista

Defende-se a tese da inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, considerando que o seu enunciado viola o princípio da ampla defesa.

RESUMO

Este trabalho científico discorreu sobre a aplicação do princípio do devido processo legal no âmbito do processo administrativo disciplinar previsto na Lei Federal nº 8.112/90 e defendeu a tese da inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, considerando que o seu enunciado viola o princípio da ampla defesa. Esta pesquisa justifica-se por ser possível o cancelamento ou a revisão das Súmulas Vinculantes, nos termos do artigo 103-A da Constituição da República e, também, pela divergência jurisprudencial existente entre o STF - Supremo Tribunal Federal e o STJ - Superior Tribunal de Justiça. A Súmula Vinculante nº 5 do STF afirma que: "a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição"; O STJ já havia firmado o entendimento em sentido contrário com a Súmula nº 343. O presente estudo observou que o devido processo legal é um direito fundamental aplicável a qualquer tipo de processo e os incisos LIV e LV, do artigo 5º, da nossa Constituição, asseguram a sua aplicação aos litigantes em processo judicial ou administrativo, sem qualquer distinção. Defendeu-se que o advogado é indispensável tanto nos processos judiciais quanto nos processos administrativos disciplinares. Demonstrou-se, ainda, que não houve reiteradas decisões sobre matéria constitucional para a aprovação da Súmula Vinculante nº 5, conforme exige o artigo 103-A do Estatuto Político de 1988, mais um motivo de inconstitucionalidade. Foi esclarecido que não é suficiente garantir ao servidor processado administrativamente somente o direito de informação, de manifestação e de ver seus argumentos considerados, se não lhe é proporcionado o direito à defesa técnica por advogado, não bastando garantir-lhe apenas formalmente o direito à ampla defesa. Verificou-se, a impossibilidade de se comparar o processo administrativo disciplinar com os processos que dispensam a presença de advogado. Observou-se que os motivos que levaram o STF a editar a Súmula Vinculante nº 5 não foram jurídicos. Por fim, concluiu-se que a falta de defesa técnica por advogado, no âmbito do processo administrativo disciplinar viola o princípio do devido processo legal, o que torna inconstitucional a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave:

Processo Administrativo Disciplinar, Devido Processo Legal, Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

This paper discussed the application of the due legal suit principle within the realm of administrative disciplinary proceedings as stated in Federal Law No. 8112/90 and defended the thesis that the Supreme Court’s Binding Precedent No. 5 is unconstitutional in that it is in violation of the principle of defense. It is justified by the possible cancellation or revision of Binding Precedents, as stated in Article 103-A of the Constitution, and also by the jurisprudential divergence between the Supreme Court and the Higher Court of Justice. The Supreme Court’s Binding Decision No. 5 states that: "the absence of technical defense by a lawyer within the realm of administrative disciplinary proceedings is not in violation of the Constitution"; The Supreme Court had already signed an agreement to the contrary in the Binding Precedent No. 343. The due legal suit is a fundamental right applicable to any type of legal procedure. The subsections LIV and LV, in article 5 of our Constitution, ensure its application to litigants in judicial or administrative legal suits, indistinctively. In this paper we argue that the lawyer is indispensable in both - judicial as well as in administrative disciplinary proceedings. We demonstrate that there had not been reinforced decisions on constitutional matters for the approval of Binding Precedent No. 5, as required by Article 103-A of 1988 Political Statute – being so another reason for its unconstitutionality. We clarify that it is not sufficient to ensure that the server who is being sued administratively has the right to information, manifestation and to see their arguments considered unless they are also granted the right to technical defense by a lawyer. Granting only the formal right to full defense is not enough. We verified that it is impossible to compare the administrative disciplinary proceedings with proceedings that preclude the presence of a lawyer. It was concluded that the reasons which led the Supreme Court to issue Binding Precedent No. 5 were illegal. Finally, it was also concluded that the absence of technical defense by a lawyer within the realm of administrative disciplinary proceedings violates the principle of due legal suit, which makes the Supreme Court Binding Precendent No. 5 unconstitutional.

Keywords:

Administrative Disciplinary Procedure, Due Legal Suit, Supreme Court Binding Precedent No. 5, Unconstitutionality.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1. Do Direito Fundamental a um devido Processo Administrativo Disciplinar legal. 1.1.- Devido processo legal em sentido material. 1.2.- Devido processo legal em sentido formal. CAPÍTULO 2. Direito Fundamental à Amplitude de Defesa. CAPÍTULO 3. Requisitos Constitucionais para a Aprovação de Súmulas Vinculantes. CAPÍTULO 4. A aprovação da Súmula Vinculante nº 5. CAPÍTULO 5. Inexistência de Reiteradas Decisões para a Aprovação da Súmula Vinculante nº 5.CAPÍTULO 6. Julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.054/DF. CAPÍTULO 7. Análise Crítica dos Principais Argumentos Favoráveis à Aprovação da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal. CAPÍTULO 8. Prováveis Motivos que Levaram o Supremo Tribunal Federal a Editar Súmula Vinculante Possibilitando a Dispensa de Defesa Técnica por Advogado no Processo Administrativo Disciplinar . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Como se sabe, o estudo do Direito Processual deve ser feito à luz do Neoconstitucionalismo ou pós-positivismo que parte da premissa de que a Constituição e, também, os princípios fundamentais têm força normativa.

Observa-se que a nossa Constituição não faz distinção entre processo judicial e administrativo e assegura aos litigantes e aos acusados em geral, tanto nos processos judiciais como nos administrativos, a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais têm sua gênese no princípio do devido processo legal ou due process of law.

Estando constitucionalmente equiparados os processos judiciais e os administrativos, os princípios constitucionais a serem aplicados são os mesmos para ambos.

Assim, todos os princípios do devido processo legal ou due process of law aplicam-se indistintamente ao processo judicial e ao processo administrativo disciplinar, não podendo o intérprete distinguir onde o texto constitucional não distinguiu.

A partir dessa perspectiva, esta pesquisa tem por objetivo elucidar sobre a constitucionalidade ou não do enunciado da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal que diz, expressamente, que "a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."

O problema consiste em saber se:

- A falta de defesa técnica por advogado viola o princípio da ampla defesa?

- A Súmula Vinculante nº 5 do STF é inconstitucional?

Com o escopo de responder às perguntas supracitadas elaborou-se a seguinte hipótese:

Garantindo a Constituição da República de 1988 que não se priva ninguém da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, ainda, que todos os litigantes em processo judicial ou administrativo e os acusados em geral têm assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, a falta de defesa técnica por advogado, no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar, viola o princípio da ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal, o que torna inconstitucional a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Não obstante o poder vinculante da Súmula nº 5 do Supremo Tribunal Federal, essa pesquisa se justifica por ser possível o cancelamento desta súmula e, também, devido à falta de consenso entre doutrina e jurisprudência. O tema é polêmico e a controvérsia emblemática envolvendo essa questão está nas súmulas que se contradizem, editadas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

Não obstante o caráter obrigatório da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, a qual, repita-se, pode ser revista ou cancelada nos termos do artigo 103-A da Constituição da República, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça, anteriormente, já havia editado a Súmula nº 343, cujo enunciado choca-se, frontalmente, com o entendimento sumulado de forma vinculante pela Corte Máxima da Justiça Brasileira.

No que concerne à metodologia empregada neste trabalho científico, procurou-se utilizar a análise bibliográfica da escassa doutrina referente ao assunto, o confronto entre a Constituição e a Lei Federal nº 8.112/90 e, também, entre julgados e súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.


1 - DO DIREITO FUNDAMENTAL A UM DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR LEGAL

No intuito de averiguar se o devido processo legal é comum a todos os processos e, principalmente, se tem aplicação, também, no processo administrativo disciplinar, foco dessa pesquisa, imprescindível conhecer este princípio, mostrando o que é, e quais os principais princípios dele decorrentes.

O devido processo legal é uma cláusula geral, um enunciado normativo aberto do qual se pode extrair infinitas normas. Fredie Didier Jr. [01] lecionando sobre o princípio do devido processo legal diz que:

Trata-se do postulado fundamental do processo. Segundo Nelson Nery Jr., trata-se do princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam. É a norma-mãe. Origina-se da expressão inglesa due process of law. A primeira previsão do princípio ocorreu com a Magna Carta de João Sem Terra, de 1215.

Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade. Inclusive na formação de leis. Processo é palavra gênero que engloba: legislativo, judicial, administrativo e negocial. Atualmente, é pacífica a aplicação do devido processo legal nas relações jurídicas particulares.

Como se vê, processo, aqui, é qualquer modo de produção do Direito, podendo ser processo legislativo, administrativo e jurisdicional.

A palavra legal não significa legal no sentido de lei, mas, sim, de Direito. Alguns autores referem-se ao devido processo constitucional, não há diferença. Legal tem o sentido amplo, é – repita-se – o devido processo de acordo com o Direito.

Importante, também, esclarecer que o devido processo legal possui dimensão material e formal.

1.1 - DEVIDO PROCESSO LEGAL EM SENTIDO MATERIAL

O conteúdo do Direito não pode ser qualquer conteúdo, sendo necessário controlá-lo. As leis e as decisões devem ser formal e materialmente devidas, não podem ser abusivas, desequilibradas e irrazoáveis. Nem o legislador e nem o juiz podem tudo.

Em resumo, pode-se afirmar que o devido processo legal substancial é o limite ao conteúdo do poder.

Tratando do devido processo legal substancial Fredie Didier Jr. [02] explica que:

As decisões jurídicas hão de ser, ainda, substancialmente devidas. Não basta a sua regularidade formal; é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta. Daí, fala-se em princípio do devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo, também. É desta garantia que surgem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aqui tratados como manifestação de um mesmo fenômeno.

O devido processo legal substancial nada mais é do que o princípio da proporcionalidade que visa a limitar o conteúdo do poder. Nem todo conteúdo pode ser direito. O Direito tem que ter um papel justo, razoável.

1.2 - DEVIDO PROCESSO LEGAL EM SENTIDO FORMAL

Na sua dimensão formal, o devido processo legal é o conjunto das garantias processuais fundamentais. Para exemplificar, cite-se alguns princípios processuais constitucionais como: o direito de acesso à justiça, ao contraditório, ao juiz natural, à ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes, a proibição de produção de prova ilícita etc.

O devido processo legal formal não tem conteúdo determinado é indefinido, não tem fim, é a história que preenche os seus fins, o seu conteúdo.

Valendo-se, ainda, dos ensinamentos de Fredie Didier Jr. [03]:

Segundo a doutrina, o devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito a ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio. Os demais princípios processuais são, na verdade, decorrência daquele.

(...)

Como se vê, o devido processo legal é um direito fundamental de conteúdo complexo. Trata-se de uma cláusula geral e, portanto, aberta, que a experiência histórica cuida de preencher. Nesse sentido, tanto se pode referir ao direito fundamental ao processo devido como um direito fundamental dotado de um conteúdo complexo, como também é possível referir-se a cada uma das exigências aninhadas nesse conteúdo complexo como constituindo um direito fundamental. (...) A vantagem em se identificar cada uma dessas exigências e denominá-las individualmente é a de facilitar a sua operacionalização pelo intérprete, isto é, auxiliá-lo na solução de questões relacionadas com a concretização de tais valores.

Assim, pode-se, diante do exposto até agora, afirmar que o devido processo legal, due process of law, é, sem dúvida, aplicável no âmbito de qualquer tipo de processo, quer seja legislativo, administrativo ou jurisdicional.

Diante dessa constatação, consequentemente, a plenitude de defesa (princípio da ampla defesa), decorrente do princípio do devido processo legal, caracteriza um direito fundamental que deve, obrigatoriamente, ser observado, também, em todo e qualquer tipo de processo, inclusive nas relações jurídicas particulares, sendo certa a sua aplicação no processo administrativo disciplinar que, certamente, pode vir a privar o servidor de seus bens.


2 - DIREITO FUNDAMENTAL À AMPLITUDE DE DEFESA

A ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, realiza-se por meio do contraditório. A Constituição da República Federativa do Brasil [04] diz, expressamente, que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Cassio Scarpinella Bueno [05] discorrendo sobre o direito fundamental à ampla defesa ensina que:

Vale destacar, a este propósito, que os 'recursos a ela inerentes', a que se refere o art. 5º, LV, da Constituição Federal, devem ser entendidos como a criação de mecanismos, de formas, de técnicas processuais, para que a ampla defesa seja exercitada a contento. Não se trata de "recursos" em sentido técnico, em sentido processual, como mecanismos de revisão ou de controle de decisões judiciais, mas, bem diferentemente, de 'recursos' no sentido de meios, de técnicas, para o exercício de algum direito, aqui, a ampla defesa. Estes 'recursos' são os mais variados. A previsão do sistema de assistência jurídica integral e gratuita, como se lê do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, e a existência de uma Defensoria Pública, como impõe o art. 134 da Constituição Federal, são bons exemplos da criação, pela própria Constituição Federal, de meios suficientes para o exercício da ampla defesa em cada caso concreto.

(...)

O tema, que guarda inegável entrelaçamento com o 'princípio do contraditório' na forma exposta pelo número anterior, quer evidenciar, apenas e tão-somente, que, em um modelo de Estado como o brasileiro, não é suficiente a previsão formal de uma garantia processual. É mister a criação de condições mínimas e suficientes para seu escorreito exercício. Assim, não basta se defender mas também faz-se necessário criar condições de se exercer adequadamente esta defesa.

No que tange também ao caráter meramente formal das garantias enunciadas pela Constituição, convém destacar que a ampla defesa não pode ser entendida como mera garantidora de formas abstratas e vazias de qualquer significado para o atingimento da finalidade da jurisdição.

Não há dúvida de que os princípios constitucionais do processo devem incidir nos casos concretos e o próprio Cassio Scarpinella Bueno [06], propõe uma leitura constitucionalizada ou leitura conforme à Constituição de todos os dispositivos legais.

Todas as normas legais que de certa forma restrinjam a ampla defesa, devem ser lidas conforme a Constituição, possibilitando a máxima efetividade ao direito fundamental à ampla defesa.

Referindo-se aos servidores públicos estáveis, o Estatuto Político de 1988 ainda preceitua que:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa.

O Supremo Tribunal Federal assegurando a ampla defesa aos servidores públicos editou a seguinte súmula:

Súmula nº 20: É necessário processo administrativo com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos [07], conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, promulgada pelo Decreto do Presidente da República nº 678, de 06 de novembro de 1992, tratando das garantias judiciais, diz, expressamente, no artigo 8º que:

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, as seguintes garantias mínimas:

(…)

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

O item 1 não deixa dúvida, toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e não apenas na apuração de acusação penal, mas, também, para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

O item 2 refere-se às pessoas acusadas de delito e diz que lhes são asseguradas como garantia mínima o direito irrenunciável de ser assistido por um defensor, caso o acusado não se defenda ele próprio ou, ainda, no caso de não nomear defensor dentro do prazo legal.

Note-se que em se tratando de delito o direito a defesa técnica é irrenunciável pelo acusado. Observa-se que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos assegura esse direito a todo e qualquer acusado de delito e não apenas aos considerados hipossuficientes. Trata-se de direito indisponível do acusado, haja vista que poderá ser condenado a perda de sua liberdade, direito fundamental indisponível.

Segundo artigo publicado por Washington Barbosa [08], recentemente os Ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio e Joaquim Barbosa concederam liminares nas Reclamações nº 9164 e 8825, respectivamente, para garantir a defesa técnica a reeducandos que responderam, sem a presença de advogado, a processo administrativo disciplinar, para apuração de falta grave, sob o procedimento estabelecido na Lei de Execução Penal.

Por que não se estender essa garantia, também, aos servidores que estão sendo processados pela Administração Pública, diante da possibilidade de aplicação de sanção? Afinal, o servidor processado, também, é acusado e o inciso LV, do artigo 5º, da Carta Magna garante o contraditório e a ampla defesa aos acusados em geral.

José dos Santos Carvalho Filho [09] explica que:

É importante lembrar que o princípio da ampla defesa não deve ser interpretado restritivamente, quando se trata de processos com litígios e com acusados. Além do mais, deve considerar-se que a tutela jurídica do direito à defesa é dever do Estado, qualquer que seja a função que esteja desempenhando.

Registre-se que a eventual aplicação de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade; destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada, são penas muito graves que atingem a dignidade da pessoa humana, que em muitos casos, não terá como prover as suas necessidades básicas e, também, às necessidades de sua família, ficando o servidor privado de seus bens.

Há que se ressaltar, ainda, que em muitos casos a infração disciplinar configura crime e os autos do processo administrativo disciplinar, obrigatoriamente, devem ser remetidos ao Ministério Público para instauração de ação penal contra o servidor, conforme preceitua o artigo 171, da Lei Federal nº 8.112/90.

Daí, a importância de se proporcionar todas as garantias oriundas do devido processo legal ao servidor que está sendo processado administrativamente, sendo imprescindível a defesa técnica por advogado para que se tenha equilíbrio, paridade de armas, na relação processual entre Administração Pública e o servidor que está sendo processado.

Vale lembrar, mais uma vez, que a Constituição da República não fez distinção no que se refere à observância da ampla defesa e do contraditório para os acusados, tanto na esfera judicial quanto na administrativa e o devido processo legal é de observância compulsória nos processos administrativos, legislativos e judiciais.

Aliás, parte da doutrina, também, tem esse entendimento, conforme lição de Léo da Silva Alves [10]:

A Constituição Federal de 1988 equiparou os processos administrativos aos processos judiciais, como se observa na clara redação do art. 5º, LV. Por conseguinte, não há diferença entre funcionário e réu. As mesmas garantias que tem o réu no processo penal, tem o funcionário no processo disciplinar.

Portanto, o servidor que responde a processo administrativo disciplinar e o réu no processo penal têm as mesmas garantias constitucionais. Regis Fernandes Oliveira [11] tem o mesmo entendimento:

Os princípios constitucionais previstos nos diversos incisos do art. 5º da CF não são de aplicação restrita. Não se aplicam apenas ao réu no processo-crime. Como garantia constitucional, seu conteúdo é o mais amplo possível. Logo, assegura-se a amplitude da defesa, que convive com meios sumários de apuração das infrações. Observe-se que a garantia administrativa não é tão ampla quanto a jurisdicional.

Edson Jacinto da Silva [12] em sua obra Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar, leciona que:

Quando falamos em direito a ampla defesa, é claro, que surge uma indagação: a quem cabe fazer a defesa, o acusado pessoalmente, ou a um Advogado constituído ou nomeado?

Entendemos, que o direito de ampla defesa não deve ser exercido por pessoa leiga, porque a violação desse direito certamente constituirá nulidade insanável, que consequentemente irá determinar a restauração de todos os atos processuais, desde onde a defesa deveria ter atuado, e não atuou.

A Lei 8.112/90 deve ser lida sob o enfoque constitucional. Há que se fazer uma leitura conforme a Constituição dessa lei, conforme já mencionado alhures.

Deve-se interpretar a lei conforme a Constituição e não a Constituição conforme a lei, como ensina Paulo Bonavides [13], sobre o método de interpretação conforme a Constituição.

Convém, todavia, que o intérprete não se afaste daquele princípio estabelecido pelo Tribunal Constitucional da Áustria de que 'a uma lei, em caso de dúvida, nunca se lhe dê uma interpretação que possa fazê-la parecer inconstitucional'. Corre-se não raro com o emprego desse método o risco de transformar a interpretação da lei conforme a Constituição numa interpretação da Constituição conforme a lei ('eine gesetzeskonforme Auslegung der Verfassung'), distorção que se deve conjurar.

A Lei Federal nº 8.112/90 traz o seguinte procedimento para o processo administrativo disciplinar:

Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.

(...)

Art. 155. Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

Art.156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

§ 1º O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.

(...)

Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

§ 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles.

§ 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.

(...)

Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.

§ 1º O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.

§ 2º Havendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum e de 20 (vinte) dias.

§ 3º O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis.

§ 4º No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de (2) duas testemunhas.

A leitura dos artigos acima da Lei Federal nº 8.112/90 revela um tecnicismo só compreensível por quem tem bons conhecimentos jurídicos. Não pode um servidor ou mesmo o seu procurador, desprovido de tais conhecimentos, promover uma defesa ampla, técnica, conforme preceitua o artigo 153 supracitado e o inciso LV, do artigo 5º, da nossa Constituição.

Uma defesa técnica eficiente só pode ser apresentada por advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Este é o profissional que detém, até prova em contrário, o conhecimento técnico imprescindível para a defesa do servidor processado administrativamente pela Administração Pública.

Assim como no processo penal, no processo administrativo disciplinar há, também, que se apresentar defesa técnica por advogado, considerando que as garantias tanto do réu como do servidor são as mesmas diante da Constituição da República Federativa do Brasil.

A defesa técnica ampla exige conhecimentos e experiência de quem a promove em nome do servidor processado. Registre-se que além da defesa de mérito há a defesa processual onde o servidor processado tem o direito de permanecer calado, de não produzir provas contra si mesmo, de protestar pela ordem, de pedir reformulação de perguntas pelo presidente da Comissão, de contraditar testemunhas, de reperguntar, de pedir perícias, alegar a suspeição dos membros da Comissão Processante etc.

Como poderá um servidor, seu procurador ou mesmo um defensor dativo que não seja advogado, que não tenha o conhecimento jurídico, alegar todas essas matérias de defesa durante uma audiência?

Mesmo aqueles que entendem que é possível a autodefesa no processo administrativo disciplinar demonstram preocupação com a qualidade da defesa a ser apresentada no caso de indiciado revel, sugerindo que no caso de nomeação de defensor dativo, se dê preferência a funcionário habilitado em Direito. Observe o que diz Ernomar Octaviano e Átila J. Gonzáles [14]:

A defesa do indiciado tanto poderá ser feita por ele próprio como por procurador legalmente constituído. A falta de defesa do acusado implicará a nulidade do processo administrativo. Tanto que, se, no caso de revelia do indiciado, esgotar-se o prazo de defesa, sem que ele se manifeste, incumbirá à presidência da comissão designar, ex officio, funcionário para a produção da defesa, em nome do servidor revel, correndo, para tanto, novo prazo.

A referida designação recairá, sempre que possível, em funcionário habilitado em Direito. A propósito, o servidor designado não poderá, sem motivo justo, eximir-se da incumbência que lhe foi atribuída, sob pena de responsabilidade funcional.

Aceitar defesa técnica por quem não é advogado é fomentar o exercício ilegal da advocacia, o que contraria o texto constitucional, considerando que:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

A nossa Constituição, ainda, diz que:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

A Lei 8.906/94 que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB diz, expressamente, que:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Toda pessoa processada judicial ou administrativamente tem direito ao devido processo legal conforme já mencionado. A ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes só é possível por meio de uma defesa técnica elaborada por advogado.

Quem apresenta defesa em processo administrativo ou processo administrativo disciplinar, sem ser advogado, ou sem ser representado por esse profissional, na verdade, não apresenta defesa técnica, nos termos exigidos pelo devido processo legal constitucional.

Desse modo, a autodefesa exercida por quem não é advogado, e, também, a defesa apresentada por procurador ou defensor dativo sem inscrição na OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, não caracteriza a defesa técnica exigida pelo princípio da ampla defesa.

O representante que exerce atos privativos de advogado sem inscrição na OAB age de forma ilegal, pois está, sem dúvida, prestando consultoria, assessoria e direção jurídica para o contribuinte ou ao servidor processado administrativamente por infrações disciplinares.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que é indispensável a defesa técnica por advogado nos processos administrativos disciplinares e sumulou, após vários julgados, esse entendimento, nos seguintes termos:

Súmula nº 343. É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Um dos precedentes que retratam bem os fundamentos da exigência de defesa técnica por advogado nos processos administrativos disciplinares, cujos debates deram origem ao enunciado supracitado, foi o julgamento do Mandado de Segurança nº 10.837 – DF, ocorrido em 28 de junho de 2006, no qual a Ministra Laurita Vaz proferiu o seguinte voto vencedor:

LUIZ CARLOS PACHECO DE LIMA impetrou mandado de segurança contra ato do MINISTRO DE ESTADO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, consubstanciado na alegação de inobservância do devido processo legal e da ampla defesa, aos fundamentos de que:

(i) "Não houve, data venia, o exercício do contraditório e da ampla defesa,

pois o advogado somente ingressou nos autos após o encerramento da instrução, contrariando assim direitos constitucionais indisponíveis do impetrante" (fl. 06);

(ii) "O acusado não constituiu advogado, não reinquiriu testemunhas, não

apresentou a mais tênue defesa dos seus direitos. Não foi, principalmente, submetido a perícia médica para aferir o seu estado emocional no dia dos fatos, sua capacidade de discernimento da realidade e determinação diante desta" (fl. 11);

(iii) "sequer a regra da razoabilidade foi seguida pela autoridade julgadora, que preferiu aplicar a pena capital do estatuto do funcionário público, qual seja a cassação da aposentadoria, ao invés de outra menos radical, como a própria lei indica, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto" (fl. 11);

O Ministério Público Federal manifestou-se no sentido da denegação da segurança (fls. 294/298).

O ilustre Relator, Ministro PAULO GALOTTI, proferiu voto pela denegação da ordem.

Pedi vista dos autos para melhor examiná-los.

Infere-se dos autos que o Impetrante foi processado e penalizado disciplinarmente com a cassação de sua aposentadoria, por haver, quando ainda em atividade, apoderado-se de numerário público não-utilizável, consistente em cédulas destinadas à destruição por fragmentação, não logrando êxito na empreitada por circunstâncias alheias à sua vontade, conduta que restou tipificada nos arts. 116, inciso IX, 117, inciso IX e 132, inciso IV, todos da Lei n.º 8.112/90.

Relativamente à tese de ofensa à ampla defesa e ao devido processo legal, cabe trazer à colação o seguinte trecho extraído das informações prestadas pela Autoridade Impetrada, in verbis:

"A defesa no processo administrativo foi amplamente franqueada ao impetrante – foi ele intimado do depoimento de todas as testemunhas ouvidas desde o início das apurações até a ultimação do processo – como se vê às fls. 12 e 73 do proc. 0401273367. Se não contratou advogado para acompanhá-lo no curso do processo, é porque certamente não se interessou. E se não contraditou as testemunhas, argüindo a suspeição do José Carlos (um dos depoentes) – que agora se apresenta, na avaliação da impetração, como inimigo fidagal do impetrante – nem reinquiriu as demais testemunhas, exigindo acareação, foi porque não julgou necessário, uma vez que acompanhou os depoimentos.

[...]

Quanto à perícia psicológica suscitada também pelo impetrante, cumpre trazer à colação a análise da comissão processante sobre esse ponto:

38. ...cabia ao acusado trazer aos autos subsídios que comprovassem estar sob cuidados médicos, como já se disse na análise do item 1 da defesa;

caberia ao acusado comprovar que não estava bem de saúde., de que se encontrava sob o acompanhamento de psiquiatra, psicólogo ou profissional similar médico da área de saúde mental. Viria a esta comissão, inclusive, acompanhado por pessoa de sua confiança.

39. Caberia em sua defesa escrita, por fim, trazer tal atestado médico ou declaração de insanidade mental ou diagnóstico de enfermidade mental que lhe reduzisse o discernimento.

40. Como já dito, o acusado assistiu a vários depoimentos, requereu peças constantes dos autos e agora, com fins procrastinatórios, requer perícia que ateste o seu estado mental no dia dos fatos apurados neste procedimento, que deixa de ser deferida por falta de subsídios motivadores e elementos fáticos para a sua realização.' (Pt. 04001276667 - fls. 117/118);'

[...]" (fl. 102)

Assiste razão ao Impetrante.

Conquanto lhe tenha sido oportunizado o acompanhamento de todo o processo pessoalmente ou por seu procurador legalmente constituído também durante a fase instrutória, tendo sido devidamente notificado para tanto (fl. 119), e inclusive comparecido a algumas oitivas de testemunhas, o Impetrante somente constituiu defensor após finda a instrução, já na fase da defesa final.

Cabe esclarecer que, no decorrer do inquérito administrativo, o servidor que figura como acusado tem o direito de acompanhar o processo, produzir contraprovas, reinquirir testemunhas, consoante estabelecem os arts. 156 e 159, § 2.º, da Lei n.º 8.112/90, em cumprimento ao mandamento constitucional inserto no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal.

Desse modo, apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. Vale dizer, caso tivesse o Impetrante constituído advogado desde o início do processo, não se poderia cogitar de ofensa ao contraditório, na hipótese de nem o defensor nem o acusado optarem por não comparecer às audiências de instrução. Isso porque, embora os bens jurídicos envolvidos em ambos os casos sejam de valor relevante ("emprego" e "liberdade"), somente este último constitui direito indisponível, daí a obrigatoriedade da presença efetiva do defensor desde o início do apuratório em todos os atos do processo, sob pena de nulidade.

Entretanto, impende esclarecer que a constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetivaconstituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental.

Dessa forma, por imperativo constitucional, à luz dos precedentes desta Corte de Justiça, com a qual não se compatibiliza a auto-defesa, em se cuidando de acusado sem habilitação científica em Direito, não há como deixar de reconhecer a nulidade ora pleiteada.

Nesse sentido, os seguintes precedentes, um dos quais de minha relatoria:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE DEFESA POR ADVOGADO E DEFENSOR DATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA

I - 'A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas litigantes, mas também os acusados em geral' (Precedentes).

II - Independentemente de defesa pessoal, é indispensável a nomeação de defensor dativo, em respeito à ampla defesa.

III - Ordem concedida." (MS 10565/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. FELIX

FISCHER, DJ de 13/03/2006.)

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO. PRECEDENTES DESTA CORTE. ORDEM CONCEDIDA.

[...]

3. Na hipótese, durante a instrução do Processo Administrativo Disciplinar, o Impetrante não contou com a presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, circunstância, que, a luz dos precedentes desta Corte de Justiça, elementar à garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral. Precedente desta Corte.

4. Ordem concedida para que o Ministro de Estado da Saúde se abstenha de emitir portaria demissória do ora Impetrante em razão dos fatos apurados no Processo Administrativo Disciplinar n.º 25265.007811/2002-21, em decorrência de sua nulidade, sem prejuízo de instauração de novo procedimento, com observância das formalidades legais." (MS 9201/DF, 3.ª

Seção, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 18/10/2004.)

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO.

1. A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral.

2. Ordem concedida." (MS 7078/DF, 3.ª Seção, Rel. Min.

HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 09/12/2003.)

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DE PENALIDADE. ART. 125, § 4º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE ADVOGADO OU DEFENSOR DATIVO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

II - O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência uniforme no sentido de que os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, igualmente incidentes na esfera administrativa, têm por escopo propiciar ao servidor oportunidade de oferecer resistência aos fatos que lhe são imputados, sendo obrigatória a presença de advogado constituído ou defensor dativo. Precedentes.

III - Não havendo a observância dos ditames previstos resta configurado o desrespeito aos princípios do devido processo legal, não havendo como subsistir a punição aplicada.

IV - A declaração da nulidade de parte do procedimento não obsta que a Administração Pública, após o novo término do processo administrativo disciplinar, aplique a penalidade adequada à eventual infração cometida.

V - Recurso conhecido e parcialmente provido para reformar o acórdão a quo, declarando-se a nulidade do processo administrativo, com a conseqüente anulação do ato que impôs a pena ao militar." (RMS 20148/PE, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 27/03/2006.)

Restando caracterizada a violação da garantia constitucional da ampla defesa, mister se faz a declaração da nulidade parcial do Processo Administrativo Disciplinar sub examine.

Em vista da nulidade ora proclamada, a impetração, no mais, mostra-se prejudicada.

Ante o exposto, divirjo do Relator para CONCEDER a segurança, declarando a nulidade do processo administrativo desde o início da fase instrutória, e, por conseqüência, da penalidade aplicada.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Não obstante, a Terceira Seção, em 27 de agosto de 2008, decidiu anular este julgamento por falta de intimação do Procurador do Banco Central do Brasil, determinando o retorno dos autos ao relator originário para reinclusão em pauta, com prévia intimação pessoal daquele.

Ocorreu novo julgamento do Mandado de Segurança nº 10.837 – DF, no dia 11 de março de 2009, já sob a égide da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal. Com a Súmula Vinculante nº 5 os Ministros foram obrigados a denegar a ordem em mandado de segurança.

Com a Súmula Vinculante, fica evidente que o magistrado não pode votar de acordo com as suas convicções, deve seguir o que a súmula determina. Interessante demonstrar, nesse julgamento do dia 11 de março de 2009, o que disse o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho em seu voto.

1. Senhora Ministra Presidente, observo que a Súmula 5, do STF, que vem sendo invocada com grande frequência, diz que a falta de defesa técnica por Advogado não nulifica o procedimento administrativo; penso que está dito que a defesa técnica é necessária, o que não é necessário é o Advogado.

2. Admito que certas matérias são até desenvolvidas com mais profundidade e eficiência por outro profissional que não por um Advogado. A defesa técnica por Advogado é dispensável agora contrariamente, a nossa Súmula dizia.

Então, o Advogado não é necessário, mas a defesa técnica é, por quem tem a qualidade, habilidade, conhecimento e capacidade, digamos assim, de promover a tal defesa técnica ou, então, vamos admitir que possa se aplicar uma sanção sem defesa técnica alguma, o que não é o caso.

3. Penso que a Súmula não diz isso, não diz que se possa sancionar alguém seja com que pena for sem a defesa adequada. O que está dito pela Súmula 5, a meu ver, é que não se exige que seja Advogado, o defensor, mas se exige que haja uma defesa eficiente. Não é assim no processo penal? No processo penal é assim, exatamente assim. Ainda que o réu tenha Advogado, mas se não promover defesa, se tem por nulo o processo ou pelo menos por anulável, quando a defesa não é eficaz, não é eficiente, enfim quando a defesa é nenhuma, mesmo que haja Advogado constituído.

4. Por outro lado, observei da leitura do relatório do eminente Relator que houve a alegação de insanidade do servidor aposentado que veio a ser punido e este aspecto de insanidade não foi sindicado, e não foi porque não tinha Advogado, foi a falta de Advogado que provocou a omissão da pesquisa da insanidade, quiçá da inimputabilidade da pessoa por esta conduta, seja na esfera criminal, seja na esfera administrativa.

5. Então, esse aspecto da insanidade, com ou sem Advogado, não foi sindicado, não foi pesquisado pela douta Comissão que deveria tê-lo feito.

Por que ele não trouxe um atestado? O atestado do médico particular não convence a Comissão nem é aceitável pela Comissão. Teria que se fazer uma perícia no servidor para saber se ele tinha ou não tinha a deficiência mental que foi alegada.

Curvo-me, como diz a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, ao teor da Súmula vinculante 5, mas a compreendo como disse. A defesa técnica é sempre necessária e no caso voto pela concessão da ordem em mandado de segurança para que se submeta o paciente ao exame de saúde, no caso exame de sanidade mental, para se apurar, porventura, que esse servidor sancionado tem deficiência mental, com ou sem Advogado, não é o caso.

6. Pois é, foi indeferida a perícia.

7. Por que a Comissão indefere uma perícia? Por que não tem Advogado? Claro que não, penso que se há uma alegação, uma indicação de que há uma insanidade mental, acredito que a Comissão deve paralisar o processo e mandar fazer, até de ofício, a pesquisa para ver se essa alegação tem ou não tem fundamento. Não estou dizendo que tem fundamento, Excelência, evidentemente, mas que deveria se pesquisar isso para assegurar a amplitude da defesa, mesmo sem Advogado.

8. E assim, Sra. Ministra Presidente, pedindo vênia a V. Exa. e aos votos que já foram manifestados, que voto; reconheço, não podia deixar de reconhecer, a força vinculante da Súmula 5, faço dela a leitura que acabei de anunciar e, no caso, por haver uma alegação de insanidade que não foi pesquisada pela Comissão, voto pela anulação para que se faça essa pesquisa da sanidade do servidor que foi sancionado, concedendo a ordem de segurança.

Veja que o Ministro diz, expressamente, curvar-se diante da Súmula Vinculante, diz que não podia deixar de reconhecer a força vinculante da Súmula nº 5 do STF, porém, fez dela leitura que achou mais condizente com a nossa Constituição.

Observa-se que, na opinião do Ministro, houve omissão por parte da Comissão em sindicar a sanidade mental do servidor que respondeu ao processo administrativo disciplinar. Diz que a insanidade do servidor processado não foi sindicada porque não tinha advogado. Segundo o Ministro, foi a falta de Advogado que provocou a omissão da pesquisa da insanidade, quiçá da inimputabilidade do servidor.

Como já dito alhures, não há como apresentar defesa técnica sem advogado. Há muitas matérias de defesa fora do alcance dos leigos, sendo imprescindível a presença do advogado desde a instauração do processo administrativo disciplinar.

Dizer que é possível a defesa técnica sem advogado é um contrassenso. Todavia, essa é a leitura possível do enunciado da súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Como o próprio Ministro disse, não se pode condenar alguém sem uma defesa técnica eficiente, a defesa técnica é sempre necessária. Porém, esta defesa, nos termos da nossa Constituição, deve ser feita, necessariamente, por advogado.

A Ministra Maria Thereza de Assis Moura votou nos seguintes termos:

Sra. Ministra Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro Relator, denegando a ordem em mandado de segurança, porém faço uma ressalva no que diz respeito à questão da defesa técnica.

Nós, aqui no Superior Tribunal de Justiça, firmamos a compreensão, e que estava posto na Súmula nº 343, no sentido de que a presença do advogado é obrigatória em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Porém, diante do teor da Súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal, no sentido trazido aqui hoje pelo Sr. Ministro Relator, de que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição Federal, só me resta fazer a ressalva do meu ponto de vista e, aqui, acrescentando que entendo, embora este seja o teor da Súmula, que a defesa técnica é feita por advogado, e o teor da Súmula parece-me que só pode ser no sentido de que não se faz necessária essa defesa técnica, exercida por bacharel de Direito inscrito na OAB.

Então, entendendo nesse sentido a Súmula, faço ressalva do meu ponto de vista, mas me vejo obrigada a acompanhar o que decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Observa-se no voto, com ressalva, da Ministra Maria Thereza de Assis Moura o seu desconforto ao denegar a ordem em mandado de segurança. Veja que a Ministra, obrigada a curvar-se diante do enunciado da Súmula Vinculante nº 5 do STF, fez questão de fazer ressalva do seu ponto de vista, no que se refere à defesa técnica, dizendo que: "só me resta fazer a ressalva do meu ponto de vista e, aqui, acrescentando que entendo, embora este seja o teor da Súmula, que a defesa técnica é feita por advogado."

O voto vencedor do Ministro Paulo Gallotti (Relator), que denegou a ordem em mandado de segurança, baseou-se prioritariamente no enunciado da Súmula Vinculante nº 5. Disse o Ministro que: "Tenho, porém, que a questão hoje está superada com a edição do enunciado nº 5 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal."

Curvando-se diante do enunciado da Súmula Vinculante nº 5, como não poderia deixar de ser, os demais Ministros seguiram o voto do Relator e denegaram a ordem no mandado de segurança nº 10.837-DF.


3 - REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PARA A APROVAÇÃO DE SÚMULAS VINCULANTES

A Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto das súmulas vinculantes. A Constituição da República, promulgada em 1988, passou a vigorar acrescida do seguinte dispositivo:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Assim, como se vê, o Supremo Tribunal Federal pode aprovar súmulas vinculantes de ofício ou por provocação, necessitando da decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional.

A partir da publicação na imprensa oficial, as súmulas terão efeito vinculante para o Poder Judiciário e para a Administração direta e indireta nas esferas federal, distrital, estadual e municipal.


4 - A APROVAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 5

A súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal foi aprovada no dia 07 de maio de 2008 com o seguinte enunciado:

A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

A decisão de aprovação dessa súmula vinculante foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 434.059/DF, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pela União, contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu ser obrigatória a presença de advogado em processo administrativo disciplinar (PAD), conforme súmula nº 343 STJ.

A decisão de editar a nova súmula vinculante, aceita pelo relator do RE, ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, e pelos demais ministros, foi tomada em função de sugestões dos ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso sobre sua conveniência, diante da existência desta súmula nº 343 do STJ.

O Plenário baseou-se em três precedentes em que o STF assentou que a presença de advogado de defesa é dispensável. Trata-se do Agravo Regimental (AR) no RE 244027/SP, que teve como relatora a ministra Ellen Gracie; do AR em Agravo de Instrumento (AI) 207197/PR, relatado pelo ministro Octávio Gallotti (aposentado), e do Mandado de Segurança (MS) 24961/DF, relatado pelo ministro Carlos Velloso (aposentado).


5 - INEXISTÊNCIA DE REITERADAS DECISÕES PARA A APROVAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 5

No julgamento do RE - Recurso Extraordinário nº 434059-3/DF, no qual aprovou-se o enunciado da súmula vinculante nº 5, houve discussão dos Ministros sobre a existência de reiteradas decisões para aprovação dessa súmula. Confira-se, in verbis:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, devo ser coerente com o que veiculei inicialmente.

Vossa Excelência alude ao Verbete nº 5. Pela numeração, então, tem-se um verbete vinculante. Reafirmo, não posso desconhecer o que se contém na Constituição Federal, que submete a todos, inclusive ao Supremo, principalmente a ele como guarda da própria Constituição. A premissa para chegar o Supremo, no âmbito da competência que lhe está reservada pela Carta, à edição de um verbete vinculante, praticamente normativo, é que existam, conforme está em bom vernáculo, como está em bom português, reiterados pronunciamentos do próprio Supremo. E não há reiterados pronunciamentos sobre a matéria. Dir-se-á: a situação é excepcional. E afirmo: não vivenciamos um regime de exceção.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Há precedentes.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Não, sobre esse tema específico, penso que não há. Se houver, eu cedo.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE E RELATOR) – Há precedentes.

O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO – Há pelo menos dois.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, a menos que me revelem precedentes específicos a versarem a desnecessidade de defesa técnica no processo administrativo, a menos que me revelem inclusive os números, pronunciar-me-ei de forma contrária à edição de verbete vinculante.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Há o MS 24.961/DF, o RE 244.277/RS, em agravo regimental.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas especificamente quanto ao processo administrativo?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE E RELATOR) – Sim, quanto ao processo administrativo. Eu citei o RE – agravo regimental – nº 244.027 e citei o Mandado de Segurança nº 24.961

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Se há pronunciamentos, cessa a divergência. São específicos? Versam situação concreta relativa a processo administrativo e defesa técnica?

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE E RELATOR) – Sim, do Ministro Octávio Galloti, da Ministra Ellen e do Ministro Carlos Velloso.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Muito bem, a única ponderação que fiz foi no sentido de se observar a autorização constitucional. E se, no caso, a exigência constitucional está atendida, concordo plenamente. Devemos marchar, devemos racionalizar os trabalhos com a edição de verbete vinculante.

Como se passa a demonstrar, a afirmação do Ministro Marco Aurélio era procedente. Não havia no Supremo Tribunal Federal reiteradas decisões dizendo que era dispensável a defesa técnica por advogado, especificamente, nos processos administrativos disciplinares.

Os precedentes que serviram de base para a aprovação da súmula vinculante nº 5 não são necessariamente processos administrativos disciplinares. O Mandado de Segurança nº 24.961/DF trata de tomada de contas, não constituindo processo administrativo disciplinar; o agravo de instrumento nº 207.197/PR refere-se a contencioso administrativo fiscal. Apenas o agravo regimental nº 244.027/SP trata de punição a policial militar (desligamento do curso de formação de oficiais).

Considerando que a súmula vinculante nº 5 refere-se, especificamente, a processo administrativo disciplinar e, ainda, considerando que o artigo 103-A da Constituição exige reiteradas decisões sobre matéria constitucional, o que pressupõe várias decisões no mesmo sentido em processos administrativos disciplinares, conclui-se que o Supremo Tribunal Federal infringiu o artigo 103-A da Lei Maior e precipitou-se ao aprovar a súmula vinculante nº 5, haja vista que não houve decisões reiteradas no sentido de que é dispensável a defesa técnica por advogado nos processos administrativos disciplinares.


6 - JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 434.059/DF

O julgamento desse recurso extraordinário deu origem ao enunciado da súmula vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

O Ministro Gilmar Mendes (Relator) sustentou no seu voto que:

Ora, se devidamente garantido o direito (I) à informação, (II) à manifestação e (III) à consideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa foi exercida em sua plenitude, inexistindo ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Por si só, a ausência de advogado constituído ou de defensor dativo com habilitação não importa nulidade de processo administrativo disciplinar, como já decidiu este STF:

'EMENTA: Agravo regimental a que se nega provimento, porquanto não trouxe o agravante argumentos suficientes a infirmar os precedentes citados na decisão impugnada, no sentido de que, uma vez dada a oportunidade ao agravante de se defender, inclusive de oferecer pedido de reconsideração, descabe falar em ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório no fato de se considerar dispensável, no processo administrativo, a presença de advogado, cuja atuação, no âmbito judicial, é obrigatória.' (RE-Agr. 244.07, 1ª T., Rel. Ellen Gacie, DJ 28.06.2002)

(…)

Ressalte-se que mesmo em determinados processos judiciais – como no habeas corpus, na revisão criminal, em causas da Justiça Trabalhista e dos Juizados Especiais – esta Corte assentou a possibilidade de dispensa da presença de advogado. A propósito, destaquem-se ADI nº 3.168/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 02.08.2007; ADI nº 1.127/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Ricardo Lewandowski, DJ 26.05.2006 e ADI nº 1.539/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 05.12.2003. Este último precedente possui a seguinte ementa:

'DO ADVOGADO. POSSIBILIDADE. 1. Juizado Especial. Lei 9099/95, artigo 9º. Faculdade conferida à parte para demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, sem assistência de advogado. Ofensa à Constituição Federal. Inexistência. Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à justiça. Precedentes. 2. Lei 9099/95. Fixação da competência dos juizados especiais civis tendo como parâmetro o valor dado à causa. Razoabilidade da lei, que possibilita o acesso do cidadão ao judiciário de forma simples, rápida e efetiva, sem maiores despesas e entraves burocráticos. Ação julgada improcedente.' (ADI nº 1.539/UF, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 05.12.2003)

Nesses pronunciamentos, o Tribunal reafirmou que a disposição do art. 133 da CF não é absoluta, tendo em vista que a própria Carta Maior confere o direito de postular em juízo a outras pessoas.

(…)

Portanto, ao divergir deste entendimento, violou o STJ os arts. 5º, LV, e 133 da Constituição Federal.

Assim, conheço e dou provimento aos recursos extraordinários para indeferir a segurança. Sem honorários (Súmula 512 – STF).

Os outros Ministros acompanharam o voto do Relator e seus argumentos serão analisados no tópico seguinte.


7 - ANÁLISE CRÍTICA DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À APROVAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 5 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Esses argumentos são os fundamentos insertos nos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que participaram do julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, no dia 07 de maio de 2008. Esse julgamento deu origem ao enunciado da súmula vinculante nº 5.

Pelos estudos realizados até agora, pode-se concluir que garantir ao servidor processado administrativamente o direito de informação, de manifestação e de ver seus argumentos considerados, como constou no voto do Ministro Gilmar Mendes, sem que esteja sendo defendido tecnicamente por advogado, é garantir apenas formalmente o direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Não há, desse modo, plenitude de defesa, mas, tão somente, garantia formal de um direito fundamental assegurado na Constituição. Há, in casu, flagrante violação do devido processo legal em sentido formal.

Realmente, em determinados processos judiciais como no habeas corpus, na revisão criminal, nas causas da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais, dispensa-se a presença de advogado. Com o jus postulandi garante-se o acesso ao Poder Judiciário, mas não, necessariamente, à efetiva justiça.

Não obstante, a comparação entre processo administrativo disciplinar e processos judiciais que dispensam a presença de advogado, não é recomendável.

Há uma peculiaridade no processo administrativo disciplinar não verificada no habeas corpus, na revisão criminal, nas causas da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais. A diferença é que no processo administrativo disciplinar a autoridade que o instaura é a mesma que o julgará.

A Administração Pública não tem a imparcialidade do Poder Judiciário para julgar o processo, considerando que ela própria instaura e indica os membros que comporão a comissão sindicante ou processante. A Administração, ainda, investiga, instrui e, finalmente, julga o servidor processado, sendo imprescindível a presença de advogado desde o início do procedimento para que não ocorram eventuais abusos e violações aos direitos do servidor, garantindo-se, efetivamente, a ampla defesa preconizada pelo inciso LV, do artigo 5º, da Carta Magna.

O Ministro Ricardo Lewandowski chegou a sustentar em seu voto que a doutrina e a jurisprudência entendem que a defesa técnica integra efetivamente o devido processo legal, no entanto, diz que: "trata-se de uma faculdade que deve ser colocada à disposição do acusado, daquele que responde a processo judicial ou administrativo."

Há que se ponderar, que num país como o Brasil, com tanta desigualdade social, não são todos os servidores que podem exercer essa faculdade de se defender efetivamente num processo administrativo disciplinar. Para o servidor pobre não há faculdade; por faltar-lhe recursos, simplesmente, não pode exercer o seu direito fundamental à ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.

O Ministro Carlos Britto disse que a presença obrigatória do advogado se faz no processo judicial, porque a Seção III do Capítulo IV, sobre as Funções Essenciais à Justiça deixa claro que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo que Justiça no Capítulo IV, significa função jurisdicional.

Esse esforço hermenêutico para dispensar a defesa técnica no processo administrativo disciplinar restringe, sobremaneira, o direito fundamental à ampla defesa insculpido nos incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Carta Magna, que não faz distinção entre processos judiciais, legislativos e administrativos.

Continua o Ministro Carlos Britto:

O Ministro Ricardo Lewandowski, também na linha do voto de Vossa Excelência, comentou para mim, com proficiência, o conteúdo do devido processo legal que se lê no inciso LV do art. 5º, que não incorpora nos processos administrativos a defesa técnica, a obrigatoriedade da defesa técnica por advogado.

A tese contrária implicaria mais do que a ampla defesa, e sim uma amplíssima defesa, ou seja, uma defesa transbordante.

Perfeito. Então, no caso, o Estatuto dos Servidores Públicos se houve bem quando possibilitou, sem dúvida, a defesa de motu próprio ou autodefesa alternativamente com a nomeação de procurador.

Eu me preocupo também com uma consequência prática da decisão em sentido contrário à nossa. É que todas as vezes que em processo administrativo o servidor processado não optasse pela nomeação de procurador, a administração pública seria obrigada a remeter o caso para a defensoria pública e esta se veria, sem dúvida, numa situação de assoberbamento, digamos assim porque não só defenderia os necessitados, que é o seu dever precípuo, a sua função específica, como também defenderia todos os servidores públicos processados que não optassem pela nomeação de procurador nos autos.

Com todo respeito, não é isso que diz o inciso LV do artigo 5º da Carta Magna. Também, não há no ordenamento jurídico nacional, referência a excesso de defesa, amplíssima defesa ou defesa transbordante. O que existe é defesa insuficiente e isto ocorre quando não se garante defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar.

A defesa, como preceitua a Constituição, deve ser ampla com os meios e recursos a ela inerentes, quer seja no processo judicial ou no administrativo. Há que se garantir a máxima efetividade possível aos direitos fundamentais, privilegiando os princípiospro homine e, também, o princípio da proibição do retrocesso social.

Também, a falta de estrutura do Estado em prestar assistência jurídica aos necessitados não pode ser alegada como justificativa para negar o direito fundamental à ampla defesa aos acusados em geral e aos servidores que respondem a processos administrativos disciplinares. A Constituição é clara a esse respeito quando preceitua no inciso LXXIV, do artigo 5º que: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos."

O Ministro Cezar Peluso fez constar no seu voto o seguinte:

O que a Constituição, no inciso LV, assegura é o contraditório, que se traduz na garantia da possibilidade de uma intervenção eficaz e tempestiva, sobretudo, hoje, explicada a título de colaboração na formação do ato-total da decisão. Isto é, quem se vê na condição de acusado, na condição de réu ou em condição análoga, é convidado a participar do processo para colaborar com o processo, que é de formação da decisão. Daí, a justificação consequente da garantia da coisa julgada, que pode ser oposta exatamente à pessoa instada, ou, pelo menos, chamada a participar de uma decisão que se revestirá dessa imutabilidade e autoridade próprias da res iudicata.

Ora, a oportunidade, como tal, é concedida no processo administrativo. E, não apenas no processo administrativo, mas em todos os processos, e é admitida a título de ônus, não a título de obrigação. Portanto, é comportamento único e necessário para a obtenção de certa vantagem. O interessado o exercerá ou não, segundo suas conveniências pessoais. Por isso, nunca, jamais se cogitou da nulidade eventual de processo civil em que o réu seja revel, de revelia absoluta. Ele é citado, não comparece, porque não lhe convém comparecer, porque não quer, mas nem por isso o processo é nulo por suposta ofensa ao princípio do contraditório.

Ora, esta possibilidade ou esta oportunidade de intervenção só não existe em concreto no procedimento administrativo – conforme também revelou a Ministra Cármem Lúcia – em duas hipóteses: naquela em que o servidor se encontre em lugar incerto e, portanto, não tenha ciência senão ficta do processo – e, por que se trata de ficção, é preciso que, de algum modo, essa possibilidade se atualize mediante a nomeação de um defensor ou de destinação do processo à Defensoria Pública -, ou no caso em que o servidor não tenha condições de contratar patrono para defendê-lo. Neste caso, ele pode invocar outra garantia constitucional, que é aquela pela qual o estado se obriga a prestar assistência jurídica integral e gratuita – integral no sentido de que apanha também a esfera administrativa.

A única exceção a essa distinção, que pressupõe exatamente a diferença entre oportunidade de defesa como o contraditório e defesa técnica, que é outra coisa, é o processo criminal, porque nele – também o eminente advogado-geral da União já demonstrou – está em jogo um direito indisponível, que seria objeto de teórica renúncia, se não fosse assegurada ao réu defesa técnica efetiva.

Os argumentos do Ministro Cezar Peluso demonstram que realmente não há diferenças entre os processos judiciais e administrativos que justifiquem a exigência de defesa técnica por advogado só naqueles. O voto do Ministro, considerando os fundamentos utilizados, poderia ter sido noutro sentido, qual seja, a obrigatoriedade de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar.

O Ministro está correto quando equipara os processos judiciais aos administrativos, pois é exatamente isso que faz o inciso LV, do artigo 5º, do nosso Estatuto Político. A única ressalva a ser feita, data venia, é que esse dispositivo Constitucional assegura, além do contraditório, também, a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes. Ao assegurar a ampla defesa, que se realiza por meio do contraditório, está a Constituição assegurando também a defesa técnica que, conforme já mencionado alhures, só pode ser levada a efeito por advogado.

Quando o servidor é "convidado" a participar do processo administrativo disciplinar, como ensina o eminente Ministro, ele, efetivamente, não é obrigado a se defender, assim como ocorre no processo civil. Não obstante, caso não apresente defesa, a autoridade instauradora do processo administrativo disciplinar deverá designar defensor dativo para apresentar defesa ao servidor revel.

A respeito do tema, a Lei Federal nº 8.112/90 diz, expressamente, que:

Art. 164. Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal.

§ 1º A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa.

§ 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

O § 2º supracitado, não garante uma defesa qualificada, haja vista que não assegura a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, nos termos exigidos pela Constituição. É possível v.g. que um gari seja defendido por outro gari, que um veterinário seja defendido por outro. Esses profissionais, sem dúvida, não possuem conhecimentos técnicos jurídicos que viabilizem uma defesa ampla, qualificada.

Considerando essas possibilidades de defesa, pro forma, o § 2º, do artigo 164, da Lei Federal nº 8.112/90 precisa ser interpretado conforme a Constituição, como sugerido alhures.

Assim, só é possível o exercício do contraditório tempestivo e eficaz como menciona o Ministro Peluso, por quem possua conhecimentos técnicos jurídicos ou não os tendo, contrate profissional habilitado que os tenha.

O próprio Ministro Cezar Peluso admite em seu voto que o servidor pode invocar a garantia constitucional da assistência jurídica integral e gratuita e afirma, ainda, para não deixar dúvida, que essa assistência apanha também a esfera administrativa.

Eis, os principais argumentos lançados quando do julgamento do recurso extraordinário 434.059/DF que culminou na edição do enunciado da súmula vinculante nº 5, que tem a seguinte redação: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."

Como se vê, a própria súmula vinculante nº 5 exige que haja defesa técnica no processo administrativo disciplinar.

Porém, a defesa técnica, nos termos da Súmula Vinculante nº 5, não precisa ser feita por advogado, o que é, data venia, um contrassenso e faz com que os argumentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, lançados no recurso extraordinário nº 434.059/DF, sejam contraditórios, levando-se em conta o que preceituam os incisos LIV e LV, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil.


8 - PROVÁVEIS MOTIVOS QUE LEVARAM O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A EDITAR SÚMULA VINCULANTE POSSIBILITANDO A DISPENSA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Analisando os debates que precederam à aprovação do enunciado da súmula vinculante nº 5, evidencia-se alguns aspectos que fogem da seara jurídica. Observe o que diz o Relator do Recurso Extraordinário nº 434.059-3, Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

- Senhores Ministros, também eu tinha tido sentimentos de que era uma matéria que reclamava súmula, exatamente por que a Súmula nº 343, do STJ, diz: 'É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar'. Por isso o Advogado-Geral da união ressaltou, muito bem, que há um temor de anulação de processo, tendo em vista a repercussão que esse julgamento pudesse ter sobre os demais casos.

O Supremo Tribunal Federal noticiou em seu site [15] um dos argumentos utilizados pela Advocacia Geral da União na defesa apresentada, na ocasião, pelo Advogado Geral da União, atualmente Ministro do STF, José Antônio Dias Toffoli, quando do julgamento, no dia 07 de maio de 2008, do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF. A notícia, referente à defesa apresentada, foi a seguinte:

Ao defender a posição da União na sessão plenária de hoje, o advogado-Geral, José Antônio Dias Toffoli, advertiu para o risco de, a se consolidar o entendimento do STJ, servidores demitidos a bem do serviço público, nos Três Poderes, 'voltarem a seus cargos com poupança, premiados por sua torpeza'. Isto porque, para todos eles, o processo administrativo disciplinar é regido pelo artigo 156 da Lei 8.112 (Estatuto do Funcionalismo Público). E a decisão do STJ daria ensejo a demandas semelhantes, em que os servidores, além de sua reintegração ao cargo, poderiam reclamar salários atrasados de todo o período em que dele estiveram ausentes.

Toffoli informou, neste contexto, que o chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, informou-lhe que, de janeiro de 2003 até hoje, 1.670 servidores da União foram demitidos a bem do serviço público.

Como se vê na fala do Relator, Ministro Gilmar Mendes, a defesa apresentada pela Advocacia Geral da União, no Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, foi por ele acatada. O temor da União em ter que reintegrar um grande número de servidores, sendo 1.670 demitidos, pelo que tudo indica, sem defesa técnica, no período de janeiro de 2003 até o dia 07 de maio de 2008, teve forte influência na formação do convencimento do Ministro Relator, que foi acompanhado no seu voto pelos demais Ministros. Outra preocupação que também apareceu durante os debates e que certamente teve influência na aprovação do enunciado da súmula vinculante nº 5, foi a necessidade de invalidar a súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça de forma expressa, com o objetivo de que o STJ não continuasse a decidir de acordo com a sua súmula e, ainda, evitar a multiplicação de recursos que chegariam ao Supremo Tribunal Federal.

A preocupação com a multiplicação de recursos que seriam dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, caso prevalecesse o enunciado da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça, consta, expressamente, na fala dos Ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie. Esses argumentos não são jurídicos. Realmente, a reintegração de inúmeros servidores federais que foram demitidos, sem defesa técnica, causaria sérios transtornos à União que seria acionada judicialmente a pagar-lhes todos os rendimentos que deixaram de receber desde a data da demissão.

Não obstante, nada impediria a União de instaurar novos processos administrativos disciplinares contra esses servidores garantindo-lhes a ampla defesa. Também, o aumento de recursos extraordinários causaria muitos transtornos ao Supremo Tribunal Federal, já tão sobrecarregado de processos.

Todavia, esses transtornos e inconvenientes não podem ser utilizados como fundamento para restrição de direito individual fundamental. Na ponderação dos princípios envolvidos, deveria prevalecer o direito fundamental a um devido processo legal com todas as garantias decorrentes. Importante lembrar que o direito a um devido processo legal é garantia individual fundamental, constituindo-se em cláusula pétrea, não podendo ser abolida, nos termos do inciso IV, do § 4º, do artigo 60, da Carta Magna.


CONCLUSÃO

Portanto, considerando que o inciso LV, do artigo 5º, da Carta Magna equiparou os processos judiciais e os administrativos, o princípio do devido processo legal, ou devido processo constitucional, tem aplicação em ambos, sem qualquer distinção.

Hodiernamente, é pacífica, também, a aplicação do princípio do devido processo legal nas relações jurídicas entre particulares, o que a doutrina chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

O princípio do devido processo legal possui dimensão material e formal, sendo que a primeira tem por objetivo limitar o conteúdo do poder, correspondendo ao princípio da proporcionalidade; no sentido formal, nada mais é do que o conjunto das garantias processuais fundamentais, merecendo destaque, nesta pesquisa, a garantia individual fundamental à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

A ampla defesa realiza-se pelo contraditório e com este não se confunde.

O devido processo legal em sentido formal exige que se garanta, efetivamente, todas as garantias processuais fundamentais aos acusados em geral, incluindo-se, aí, o servidor público processado administrativamente por infração disciplinar.

Sendo a ampla defesa uma garantia fundamental, não basta garanti-la apenas formalmente. É necessário, num Estado Democrático de Direito, que se crie condições para que o acusado defenda-se de forma ampla, com todos os meios e recursos permitidos pelo ordenamento jurídico, o que só é possível com uma defesa técnica por advogado.

Esses são os principais argumentos favoráveis à aplicação do princípio do devido processo legal indistintamente, sem qualquer mitigação, aos processos administrativos disciplinares.

A discussão sobre a obrigatoriedade de advogado para promover defesa técnica no âmbito do processo administrativo disciplinar é polêmica, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

Recentemente, os debates ficaram, ainda, mais acirrados com a edição do enunciado da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal que invalidou entendimento contrário expresso na Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça.

A Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal diz que: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."

A Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça tem o seguinte enunciado: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar."

Não obstante as súmulas vinculantes serem de aplicação obrigatória pelo Poder Judiciário e pela Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, os enunciados podem ser revistos e até mesmo cancelados, nos termos do artigo 103-A da Carta Magna, o que justifica essa pesquisa.

Demonstrou-se que um dos requisitos para que o Supremo Tribunal Federal edite súmulas com efeito vinculante é a necessidade de haver reiteradas decisões sobre matéria constitucional, o que não foi observado pela Suprema Corte quando da edição do enunciado vinculante nº 5, haja vista que dos três precedentes considerados, apenas um pode ser considerado como processo administrativo disciplinar.

Abordou-se, neste trabalho científico, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF que sintetiza os principais argumentos favoráveis à apresentação de defesa técnica em processo administrativo disciplinar, porém com a dispensa de advogado.

O enunciado da Súmula Vinculante nº 5 teve origem neste julgamento, ocorrido no dia 07 de maio de 2008.

O Ministro Gilmar Mendes foi o relator deste Recurso Extraordinário nº 434.059/DF e no seu voto, acompanhado pelos demais Ministros, às f. 743, ele disse que: "o direito à defesa e ao contraditório tem plena aplicação não apenas em relação aos processos judiciais, mas, também, em relação aos procedimentos administrativos de forma geral."

Não obstante, para o Ministro Relator, para que haja o exercício da ampla defesa em sua plenitude, basta que se garanta o direito à informação, à manifestação e que sejam considerados os argumentos manifestados. Para ele, a ausência de advogado por si só, não importa nulidade de processo administrativo disciplinar.

O Ministro Ricardo Lewandowski argumentou que: "a defesa técnica integra efetivamente o devido processo legal, no entanto, trata-se de uma faculdade que deve ser colocada à disposição do acusado, daquele que responde a processo judicial ou administrativo."

Também, o Ministro Carlos Britto usou desse argumento e disse, ainda, que: "a presença obrigatória de advogado se faz no processo judicial, porque a Seção III do Capítulo IV, sobre as funções Essenciais à Justiça deixa claro que o advogado é indispensável à administração da justiça."

O Ministro Carlos Britto sustenta no seu voto que Justiça no Capítulo IV da Constituição, significa função jurisdicional. Segundo o Ministro Carlos Britto, no processo administrativo "a defesa técnica por advogado implicaria mais do que a ampla defesa, e sim uma amplíssima defesa, ou seja, uma defesa transbordante."

Outro argumento utilizado pelo Ministro Carlos Britto seria o assoberbamento das Defensorias Públicas que além de defender os necessitados, teria, também, que defender todos os servidores públicos processados que não optassem pela nomeação de procurador nos autos.

Os demais Ministros acompanharam nos seus votos os argumentos supracitados, tendo, ainda, às f. 762, do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, referências à necessidade de se invalidar a Súmula Vinculante nº 343 para que o Superior Tribunal de Justiça não continuasse a decidir conforme o enunciado dessa súmula, evitando-se o aumento de recursos ao Supremo Tribunal Federal. Houve também o temor de uma possível reintegração de inúmeros servidores federais que foram demitidos sem defesa técnica por advogado.

Analisando, de forma imparcial, os fundamentos lançados no Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, confrontando o julgado do Superior Tribunal de Justiça (Mandado de Segurança nº 10.837/DF) e do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 434.059/DF) e, ainda, fazendo leitura da Lei Federal nº 8.112/90, conforme a Constituição, chegou-se a uma análise crítica dos principais argumentos favoráveis à aprovação da Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, garantir, ao servidor processado administrativamente, o direito de informação, de manifestação e de ver os seus argumentos considerados, sem que esteja sendo defendido tecnicamente por advogado, é garantir apenas formalmente o direito à ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, o que viola o devido processo legal em sentido formal.

A comparação entre processo administrativo disciplinar e processos judiciais, em que se dispensa a presença de advogado, como ocorre no habeas corpus, na revisão criminal, nas causas da Justiça do Trabalho e dos Juizados Especiais, não é recomendável, considerando que há uma peculiaridade no procedimento administrativo disciplinar que o difere daqueles processos judiciais.

É que a Administração Pública não tem a imparcialidade do Poder Judiciário, pois a Autoridade Administrativa é quem nomeia os membros da Comissão Sindicante ou Processante.

Essa mesma Autoridade instaura, instrui o processo e julga o servidor processado. Assim, a presença de um advogado desde o início do processo é de fundamental importância para que se coíba eventuais abusos e violações aos direitos do servidor, garantindo-lhe de forma efetiva o direito a um devido processo legal e, por conseguinte, a ampla defesa, garantias fundamentais previstas, respectivamente, nos incisos LIV e LV, da Constituição da República.

Considerando a nova sistemática processual constitucional, inclusive com a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, o servidor no processo administrativo disciplinar tem as mesmas garantias que o réu no processo penal. Uma leitura conforme a Constituição da Lei Federal nº 8.112/90 não admite ser a defesa técnica por advogado uma faculdade do servidor, considerando que a todos os acusados é assegurada a garantia de ampla defesa. Não se pode olvidar que o servidor poderá ser gravemente punido com pena de suspensão, demissão e cassação de aposentadoria o que afeta a sua dignidade enquanto ser humano e pode privá-lo de seus bens sem a garantia do devido processo legal.

Portanto, a defesa técnica no processo administrativo disciplinar é irrenunciável, assim como ocorre no processo penal.

O advogado é sim indispensável à administração da justiça conforme preceitua o artigo 133 da Carta Magna. O direito fundamental à ampla defesa, num Estado Democrático de Direito, só pode ser exercido com uma defesa técnica. A defesa técnica, por sua vez, é elaborada por advogado, conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça.

A defesa deve ser a mais ampla possível, deve-se utilizar todos os meios e recursos a ela inerentes, conforme a vontade do Poder Constituinte Originário.

Assim, não há que se falar em amplíssima defesa ou defesa transbordante, não existe no sistema jurídico pátrio o excesso de defesa; o que o ordenamento jurídico repulsa é a defesa insuficiente, há que se garantir a máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

A falta de estrutura do Estado para prestar assistência jurídica por meio de suas Defensorias Públicas aos necessitados e aos servidores públicos pobres processados administrativamente, não pode servir de fundamento para que se restrinja o direito constitucional à ampla defesa.

O Ministro Cezar Peluso disse no seu voto que o servidor que não tenha condições de contratar advogado: "pode invocar outra garantia constitucional, que é aquela pela qual o estado se obriga a prestar assistência jurídica integral e gratuita – integral no sentido de que apanha também a esfera administrativa."

Caso o servidor seja indiciado revel e não queira apresentar defesa técnica, mesmo podendo pagar advogado, a autoridade instauradora do processo designará um defensor dativo para defendê-lo.

Não obstante, não podendo a defesa ser pro forma, o defensor dativo, necessariamente, deverá ser advogado a fim de se garantir a ampla defesa técnica, sendo esta a leitura conforme a Constituição do § 2º, do artigo 164, da Lei Federal nº 8.112/90.

A própria Súmula Vinculante nº 5 exige que haja defesa técnica no processo administrativo disciplinar, porém, nos termos dessa súmula, a defesa técnica não precisa ser elaborada por advogado, o que é um contrassenso.

Para a aprovação da Súmula Vinculante nº 5, observou-se, ainda, que foram acatados alguns fundamentos que fogem da seara jurídica. Um deles foi a necessidade de invalidar a Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça para evitar o aumento de recursos ao Supremo Tribunal Federal; evitar a anulação de processos administrativos disciplinares e, por conseguinte, a reintegração de inúmeros servidores que foram demitidos sem defesa técnica por advogado e, ainda, a sobrecarga de trabalho que teriam as Defensorias Públicas.

Na época, o Advogado-Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, defendendo a União, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 434.059/DF, advertiu sobre o risco de: "a se consolidar o entendimento do STJ, servidores demitidos a bem do serviço público, nos Três Poderes, voltarem a seus cargos com poupança, premiados por sua torpeza."

A União informou na sua defesa que de janeiro de 2003 até o dia 07 de maio de 2008, 1.670 servidores foram demitidos.

Esses argumentos não poderiam ser utilizados para restringir direitos individuais fundamentais. Ponderando os princípios envolvidos, deveria prevalecer o direito fundamental a um devido processo legal, com todas as garantias decorrentes.

Após análise imparcial das teses divergentes, sempre sob a luz do neoconstitucionalismo, confirma-se a hipótese deste trabalho científico.

Destarte, conclui-se que a Constituição da República de 1988 ao garantir que não se priva ninguém da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, ainda, que todos os litigantes em processo judicial ou administrativo, bem como os acusados em geral, têm assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, a falta de defesa técnica por advogado, no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar, viola o princípio da ampla defesa e, por conseguinte, o devido processo legal, o que torna inconstitucional a Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal.


REFERÊNCIAS

ALVES, Léo da Silva. Sindicância e Processo Disciplinar em 50 Súmulas. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2005.

BARBOSA, Washington. Liminares do STF garantem a preso assistência de advogado em sindicância para apurar falta grave. Disponível em: http://washingtonbarbosa.com/2009/11/30/liminares-do-stf-garantem-a-preso-assistencia-de-advogado-em-sindicancia-para-apurar-falta-grave/. Acesso em: 02.10.2010.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 14.10.2010.

BRASIL. Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 14.10.2010.

BRASIL. Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 14.10.2010.

BRASIL. Lei n. 8112/90, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112compilado.htm>. Acesso em 03.10.2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 10.837 – DF. Administrativo. Servidor Público Civil. Processo Administrativo Disciplinar. L.C.P.L. versus Ministro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil. Relator: Min. Paulo Gallotti. Brasília, DF, 11 de março de 2009. DJ: 17/04/2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 10.837 – DF. Administrativo. Servidor Público Civil. Processo Administrativo Disciplinar. L.C.P.L. versus Ministro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil. Relator: Min. Paulo Gallotti. Brasília, DF, 28 de junho de 2006. DJ: 13.11.2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo Administrativo Disciplinar. Cerceamento de Defesa. Princípios do contraditório e ampla defesa. Ausência de defesa técnica por advogado. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. Recursos Extraordinários conhecidos e providos. Recurso Extraordinário n. 434.059/DF. INSS versus M.D.F.L. Relator: Min. Gilmar Mendes. Brasília, DF, 07 de maio de 2008.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, 1. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

CUBAS, Maria Eduarda Zaina, ANDRADE, Luiz Gustavo. A Súmula Vinculante nº 5 e Seus Reflexos no Processo Administrativo Disciplinar. Disponível em: http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/418198/noticia=A+SUMULA+VINCULANTE+NO+5+E+SEUS+REFLEXOS+NO+PROCESSO+ADMINISTRATIVO+DISCIPLINAR. Acesso em: 09.08.2010.

DANTAS, Bartira Pereira. Processo Legal Devido no Âmbito Disciplinar. (Des)necessidade de Defesa Técnica? Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12190. Acesso em: 07.09.2010.

FILHO, João Trindade Cavalcante. Presença Facultativa de Advogado no Processo Disciplinar. As idas e vindas da jurisprudência e a Súmula Vinculante nº 5. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11275. Acesso em: 05.07.2010.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004.

HAVEROHT, Patrícia Fuck. A Ausência de Advogado no Processo Administrativo Gera Nulidades? Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/20129/19693. Acesso em: 10.08.2010.

JR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil, volume 1. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2008.

NETO, João Celso. A Súmula Vinculante nº 5 e as Reações que Provocou. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11374. Acesso em: 25.09.2010.

NETTO, Sérgio de Oliveira. Questões Controvertidas Referentes à Aplicação da Súmula STJ nº 343 nos Processos Administrativos Disciplinares. Disponível em:http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/20065/19629. Acesso em: 05.07.2010.

Notícias STF. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 5: STF decide que não é obrigatória defesa elaborada por advogado em processo administrativo disciplinar. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=88437. Acesso em: 03.10.2010.

OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLES, Átila J. Sindicância e Processo Administrativo. 9ª ed. rev. ampl. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1999.

OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de, NUNES, Dierle José Coelho. A Inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12588. Acesso em: 04.09.2010.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. 2º ed. rev., atual. e ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

OLIVEIRA, Rosilda Francisco Mendes. A Defesa no Processo Administrativo Disciplinar. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/vdisk5/data/1%20-%20ROSILDA%20DEFINITIVO.pdf. Acesso em: 03.09.2010.

PELLEGRINI, Luiz Fernando Gama. Súmula Vinculante nº 5 do STF e Súmula nº 343 do STJ. Considerações. Disponível em:http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/6972/Sumula_Vinculante_N_5_do_STF_e_Sumula_N_343_do_STJ_Consideracoes. Acesso em: 12.07.2010.

ROZZA, Cláudio. Processo Administrativo Disciplinar e Comissão Processante escolhida por Encomenda. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12437. Acesso em: 10.07.2010.

SILVA, Edson Jacinto da. Sindicância e Processo Administrativo Disciplinar. 1ª ed. Leme-SP: LED – Editora de Direito Ltda., 1999.


Notas

  1. JR., Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil, volume 1, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9ª edição rev.e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 30.
  2. JR., Fredie Didier, op. cit. p.34.
  3. JR., Fredie Didier, op. cit. p.39.
  4. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 14 out. 2010.
  5. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil, 1. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. pp. 113 -114.
  6. BUENO, Cassio Scarpinella. op.cit. p. 114.
  7. BRASIL. Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 14 out. 2010.
  8. BARBOSA, Washington. Liminares do STF garantem a preso assistência de advogado em sindicância para apurar falta grave. Disponível em: http://washingtonbarbosa.com/2009/11/30/liminares-do-stf-garantem-a-preso-assistencia-de advogado-em-sindicancia-para-apurar-falta-grave/. Acesso em: 02.10.2010.
  9. FILHO, José os Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 813.
  10. ALVES, Léo da Silva. Sindicância e Processo Disciplinar em 50 Súmulas. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 32.
  11. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas. 2º ed. rev., atual. e ampl.-São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 129.
  12. SILVA, Edson Jacinto da. Sindicândia e Processo Administrativo Disciplinar. 1ª ed. Leme-SP: LED – Editora de Direito Ltda, 1999, p. 70.
  13. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004, p. 520.
  14. OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLES, Átila J. Sindicância e Processo Administrativo. 9ª ed. rev. ampl. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1999, p. 152.
  15. Notícias STF. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 5: STF decide que não é obrigatória defesa elaborada por advogado em processo administrativo disciplinar. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=88437. Acesso em: 03.10.2010.

Sobre o autor

  • Marcelo Bernardes Batista

    Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Coordenador do Núcleo de Sindicância e PAD da Prefeitura Municipal de Uberlândia - MG.

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

BATISTA, Marcelo Bernardes. O direito ao devido processo legal no processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90. Súmula Vinculante nº 5 do STF e o direito fundamental à ampla defesa. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2837, 8 abr. 2011. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2011.