Luiz Antonio Costa de Santana

sexta-feira, setembro 23, 2005

A controvérsia sobre a única resposta correta

A controvérsia sobre a única resposta correta.
A réplica de Dworkin às críticas positivistas

Flávio Quinaud Pedron
mestrando em Direito Constitucional na UFMG, monitor de Pós-Graduação nas disciplinas Teoria da Constituição e Teoria Geral do Direito Público, bolsista pelo CNPq


O presente artigo é dedicado aos professores Menelick de Carvalho Netto e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, em agradecimento pelo sempre constante estímulo à reflexão do direito.

Sumário: Considerações Iniciais; A Primeira Versão; A Segunda Versão; Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente trabalho destina-se a reconstruir a argumentação tecida por Ronald Dworkin em sua réplica aos juristas positivistas, que refutavam a sua tese de que para cada caso controverso apenas existiria apenas uma única resposta correta, não sendo possível se falar em espaço de discricionariedade no qual o magistrado fosse livre para criar uma norma e aplicá-la retroativamente ao caso concreto.

Palavras-Chaves: Decisão Judicial, Discricionariedade, Deontologia.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

No ensaio "Não existe mesmo nenhuma resposta certa em casos controversos?",publicado como o capítulo 5 da obra Uma Questão de Princípio, Dworkin revisita a discussão travada com os positivistas jurídicos no texto anterior, em torno da possibilidade de uma resposta correta para os chamados casos difíceis. Ou seja, o autor tem o objetivo de negar a tese segundo a qual, em fase de casos no qual inexiste a incidência de uma regra expressa, o magistrado estaria autorizado por meio de um poder discricionário criar um direito novo e aplicá-lo retroativamente ao caso.

Dworkin (2001:175) inicia trazendo um problema exemplar:

Tom e Tim assinaram um contrato no domingo, de modo que, em razão de uma lei que invalida os contratos sacrílegos, Tom processa Tim para fazer falar o pactuado, mas encontra um argumento contrário no sentido da invalidade do negócio jurídico.

Se for compreendido que os conceitos como contrato válido, responsabilidade civil e crime são válidos em determinadas situações, percebe-se que os juízes têm o dever, pelo menos prima face, de decidir as demandas. Esses conceitos serão nomeados por Dworkin como dispositivos e tais conceitos levam a tese da bivalência,

Isto é, que em todos os casos, ou a asserção positiva, de que o caso enquadra-se num conceito positivo, ou a asserção oposta, de que não se enquadra, deve ser verdadeira mesmo quando é controvertido qual delas é verdadeira (DWORKIN, 2001:176).

Tal ambigüidade sobre a questão de direito subjacente ao caso, contudo, não é capaz de excluir a possibilidade de uma resposta correto, como quer afirmar a tese positivista, que negam que a tese da bivalência seja válida para conceitos dispositivos importantes.

A primeira tese irá se apoiar no entendimento segundo o qual a conduta lingüística superficial dos juristas é enganosa, sugerindo a inexistência de um espaço lógico entre uma proposição que afirma um contrato como válido e outra que afirma não o ser, de modo a não admitir que ambas possam ser falsas. Mas em cada caso ambas as proposições podem sim serem falsas, que com isso esgotar um espaço lógico, pois haveria uma terceira possibilidade de proposição independente, que no caso do contrato de Tom e Tim, veria o contrato não como válido ou inválido, mas como não-coativo.

Já a segunda versão da tese que nega a possibilidade de uma resposta correta não supõe a existência de um espaço lógico entre as proposições sobre a validade ou invalidade de um contrato, por exemplo. Ela supõe que os conceitos dispositivos são imprecisos, tal e qual como um conceito como "meia-idade" (DWORKIN, 2001:178). Uma outra variante dessa segunda tese, dirá que não é a imprecisão o ponto, mas subordinam a validade da assertiva a uma questão de prova.

Dworkin, assim colocará a questão:

Podemos formular mais formalmente a diferença entre a primeira e a segunda versão da tese de nenhuma resposta correta. Definamos (~p) como a negação lógica de (p), de modo que se (p) é falso, (~p) é verdadeiro, e se (~p) é falso, (p) é verdadeiro. Representemos a proposição de que o contrato de Tom é válido como "p" e a proposição de que seu contrato não é válido como "não-p". A tese da bivalência supõe que a questão sobre o contrato de Tom deve ter uma resposta certa, mesmo que não tenhamos certeza de qual é, porque (não-p) é idêntico a (~p) e ou (p) é verdadeiro ou (~p) é verdadeiro, pois ((p) ou (~p)) é necessariamente verdadeiro. Ambas as versões da tese de nenhuma resposta correta concordam que isso é um erro, mas discordam sobre que tipo de erro é. A primeira versão argumenta que (não-p) não é idêntico a (~p); (não-p) deveria ser representado como uma proposição (r) que não seja a negação lógica de (p). (Não pretendo, com a escolha de "r" nessa representação, sugerir que a primeira versão deve sustentar que (não-p) não está estruturado, mas apenas que não é a negação de (p)). Sem dúvida, ((p) ou (r)) não é necessariamente verdadeiro; não admite a possibilidade de (q), que não é nem (p) nem (r), mas outra coisa intermediária. A segunda versão, por outro lado, não nega que (não-p) seja idêntico a (~p); em vez disso, sustenta que em alguns casos nem (p) nem (~p) são verdadeiros, isto é, que a bivalência não é válida (DWORKIN, 2001:179).

Como conseqüência, a validade da primeira versão acabará por admitir a existência de um poder discricionário por parte dos magistrados. Por outro lado, se considerar como válida a segunda tese, mantém-se a possibilidade da discricionariedade, já não havendo disposição legal, o juiz se mostra livre para agir por conta própria. Assim, necessária se mostra a análise mais detalhada de ambas as teses.


A primeira versão.

A partir de reflexões sobre o fato de que um juiz tem o dever de decidir em um sentido específico, poder-se-ia argumentar que sobre a existência de um poder discricionário, que se mostraria mais como uma permissão para decidir em um ou em outro sentido. Assim, no caso do contrato de Tom e de Tim, o juiz pode afirmar que o contrato não é valido nem inválido, mas sim que ele não é coativo, ficando a cargo de ele resolver, utilizando-se de suas convicções, sobre a aplicação ou não do contrato. De fato é isso que vem sendo sustentado por aqueles que defendem a primeira tese.

Como Dworkin (2001:181) observa, trata-se de uma afirmação semântica sobre o significado de conceitos jurídicos. Mas na prática lingüística, os juristas parecem realmente tratas conceitos como válido e inválido ou responsável e não-responsável como negações recíprocas. Assim, corre-se o risco de se esbarrar ao defender a primeira tese em um argumento falacioso, já que não decorre do fato de que o conceito de dever ter três valores e, logo, que os conceitos usados para definir ocasiões de dever devam ter igualmente os três valores.

Se partirmos do exemplo do tênis a situação adquire uma nova luz. Sabe-se que os árbitros têm o dever de marcar falta a todo saque que sai inteiramente da quadra; e o dever de não marcar essa falta se ele não sai. Assim, há um espaço entre proposições que afirmem que um árbitro tem o dever de marcar a falta, mas isso está longe de admitir a existência de um espaço entre as proposições de que o saque caiu inteiramente dentro ou fora da quadra. Dito de outro modo:

Os conceitos dispositivos são usados para descrever as ocasiões do dever oficial, mas não decorre daí que esses conceitos devam eles próprios, ter a mesma estrutura que o conceito de dever (DWORKIN, 2001:182).

Um defensor da primeira tese, então, pode apresentar a seguinte objeção:

Dirá, corretamente, que o conceito de contrato válido não descreve simplesmente as circunstâncias factuais sob as quais os juízes têm certo dever. Podemos facilmente imaginar as regras do tênis sendo mudadas, de modo que, por exemplo, o juiz tenha o dever de marcar falta se a bola cair na linha da quadra. Mas não podemos imaginar uma mudança nas regras do Direito, de modo que os juízes não tenham mais nem sequer o dever prima facie de aplicar um contrato válido; em todo caso, se tal mudança ocorresse, certamente diríamos que o próprio conceito de contrato teria mudado radicalmente (DWORKIN, 2001:182).

Do ponto de vista de uma teoria semântica, o argumento seria impecável, mais carece de validade para uma teoria do direito, já que devem sim existir diferenças de significado entre uma proposição que afirma um contrato como válido e outra que afirma que os magistrados têm o dever de impor promessas constitutivas desses contratos, pois é normal que se considera que o primeiro ponto oferece um argumento favorável ao segundo, e não uma mera repetição. Logo, a teoria semântica, que meramente traduz enunciados sobre contratos em enunciados sobre deveres públicos, obscurece, portanto, o papel importante e distintivo dos conceitos dispositivos na argumentação jurídica. Esses conceitos propiciam um tipo especial de ponte entre certos tipos de eventos e as afirmações conclusivas sobre direitos e deveres válidos, quando provado que esses eventos ocorreram. Ambos designam premissas pra afirmações conclusivas e insistem em que, se as premissas que designam não ocorrerem, é válida a afirmação conclusiva oposta, não apenas a negação da primeira. A necessidade de conceitos que tenham essa função na argumentação jurídica surge porque os conceitos de direito e dever em que se inserem as afirmações conclusivas são estruturados, isto é, porque há um espaço entre as afirmações conclusivas opostas. Sua função é negar que o espaço assim oferecido passa ser explorado pela rejeição das duas afirmações opostas. Os conceitos dispositivos só podem preencher essa função porque a primeira versão da tese de nenhuma resposta correta é falsa; se houvesse espaço entre as proposições de que um contrato é e não é válido, esse conceito não poderia preencher o espaço oferecido pelos conceitos de direito e dever (DWORKIN, 2001:184).

É por isso que a analogia correta se dá não pela relação entre conceitos jurídicos e eventos factuais de um jogo, mas entre esses conceitos e conceitos dispositivos que cumprem a mesma função no jogo. Destarte, um saque dentro ou fora da quadra pode ser considerado como sendo um conceito dispositivo no tênis e, com isso, esse conceito se liga ao dever oficial dos árbitros de maneira que preenche o espaço deixado em aberto pela estruturas das afirmações de um dever.

Outro argumento em favor da primeira tese é o seguinte: ao se afirmar que "o contrato de tom é válido", estar-se-ia abreviando um enunciado mais longo no sentido de que "a lei prevê que o contrato de Tom é válido". Assim também em sentido contrário. Mas ambos os enunciados podem ser falsos, já que a lei pode ser omissa, deixando de prever nada em sentido algum. Desse modo, os dois enunciados mais breves seriam igualmente falsos. Só que o que significa essa proposição? Seria redundante dizer "juridicamente, o contrato de tom é válido", mas de maneira alguma refletem a falsidade do fato que alega que "lei prevê que o contrato de Tom é válido" e sua respectiva negação.

Logo, Dworkin (2001:185-186) lembra que tal argumento transforma em pressuposto que justamente ele deveria provar. Tal argumento personifica o sentido de "lei", ao considerar que uma pessoa possa prever (p), (~p) ou nenhuma das duas. Só a lei não é uma pessoa!

Uma proposta de teoria semântica mais ambiciosa, então, poderia sustentar que quando se afirma que "a lei prevê que o contrato de Tom é válido", estar-se-ia dizendo que "as autoridades competentes aprovaram alguma regra segundo a qual contratos como os de tom devem ser cumpridos". Mas essa correlação não é evidente por si mesma. Do mesmo modo a assertiva "o contrato de Tom não é válido" não significa que alguma autoridade possa ter aprovado uma regra determinando que tais contratos, como os de Tom, fossem inválidos. Isso porque a afirmação de invalidade do contrato de tom, justamente, nega a assertiva "o contrato de Tom é válido". Mais uma vez, tal argumentação transforma o que se busca demonstrar em um pressuposto, caindo em uma petição de princípios.

Outro argumento, muito influente, então, seria o que Dworkin (2001: 187) denomina de argumento realista:

Ele pode dizer que minha análise da função dos conceitos dispositivos deve estar errada porque, se estivesse certa, a prática jurídica seria grosseiramente irrealista no seguinte sentido: se examinarmos as condições efetivas que a lei prevê para afirmar a validade de contratos, percebemos que, na verdade, às vezes não há nenhuma resposta certa para a questão de se esses requisitos são satisfeitos em um caso particular. Como não pode haver nenhuma resposta certa para a questão de se um acordo é sacrílego ou não, por exemplo, não pode haver nenhuma resposta correta para a questão de se o contrato de Tom é válido ou inválido, que os juristas pensem que há uma resposta correta, quer não. Esse tipo de imprecisão ocorre com tal freqüência que seria irrealista e, na verdade, impertinente os juristas insistirem em que, não obstante, não existe nenhum espaço lógico entre o conceito de um contrato válido e o de um contrato inválido. Isto é, a freqüência de tais casos oferece um forte motivo para ajustar a semântica jurídica de modo a abrangê-los, e deveríamos esperar, portanto, que os juristas já tivessem feito esse ajuste. Eles podem não ter desenvolvido efetivamente nomes específicos para cada uma das terceiras categorias e desejem ocultá-las do público em geral – mas, não obstante, têm de reconhecer tais casos como distintos.

Esse argumento, não é uma defesa independente da primeira tese, pois pressupõe a demonstração da segunda versão da tese sobre a impossibilidade de uma resposta correta. De modo que ele pode ser ignorado, caso também se fracasse a defesa da segunda tese.


A SEGUNDA VERSÃO.

Três são os argumentos que dão sustentação a essa segunda versão da tese sobre a impossibilidade de existência de uma resposta correta para os assim chamados casos difíceis:

A primeira supõe que a inevitável imprecisão ou textura aberta da linguagem jurídica às vezes torna impossível dizer que uma proposição de Direito particular é verdadeira ou falsa. A segunda supõe que as proposições de Direito, como a proposição de que o contrato de Tom é válido, têm uma estrutura oculta, explicitada pelo positivismo jurídico, que explica como pode ser verdadeiro que nem o contrato de Tom seja válido nem que seu contrato não seja válido. A terceira fixa-se no fato de que, às vezes, como em nosso exemplo, uma proposição de Direito é contestada de tal maneira que nenhum outro lado tem qualquer chance de provar que o outro está errado; esse argumento supõe que as proposições de Direito inerentemente controvertidas não podem ser nem verdadeiras nem falsas (DWORKIN, 2001:188).

O argumento da imprecisão.

Parece ser bem difundida a idéia de que a imprecisão da linguagem representaria argumento suficiente para justifica a impossibilidade de uma resposta correta. Contudo, Dworkin busca mostrar que essa popularidade se assenta sob uma incapacidade de distinguir entre o fato e as conseqüências da imprecisão na linguagem jurídica (DWORKIN, 2001:188).

Tomando por base a imprecisão da palavra "sacrílego" como critério para definir se o contrato de Tom é ou não válido, confunde-se o caso de se usar um conceito que admite concepções distintas, com o fato do legislador fazer uso de um termo que seria impreciso. Mas tal ponto, não é considerado por Dworkin (2001:189) como relevante o suficiente, de modo que supõe que a palavra seja imprecisa e que a lei é, por isso mesmo, imprecisa também.

Mas o argumento sobre a imprecisão tem um erro adicional. Ele já que toma como pressuposto o fato de que há um efeito para o direito uma lei ser aprovada trazendo palavras em seu texto que contenha um significado impressivo, de modo que, conseqüentemente produz para mesma lei certa indeterminação.

Mas essa suposição está claramente errada, pois os critérios de um jurista para estabelecer o impacto de uma lei sobre o Direito podem incluir cânones de interpretação ou explicação legal que determinam que força se deve considerar que uma palavra imprecisa tem numa ocasião particular, ou, pelo menos, fazer sua força depender de questões adicionais, que, em princípio, têm uma resposta certa. Esses critérios podem referir-se a questões de intenção ou a outros fatores psicológicos. Os juristas são livres, por exemplo, para argumentar que a extensão de "sacrílego, nessa ocasião de uso, deve ser restrita a casos que pelo menos uma maioria dos que votaram a favor da lei tinham em mente, ou que teriam desejado aceitar se lhes tivessem sido proposto. Mas os critérios não podem basear-se em fatos psicológicos (DWORKIN, 2001:189).

Neste caso, duas posições são demonstradas de modo que: 1) podemos ler essa pergunta como a busca pela interpretação que compreendesse o melhor conjunto de argumentos de princípios e de políticas que justificassem a lei quando foi votada, como faz Dworkin; ou 2) adotando uma atitude conservadora, interpretar como uma mudança no status quo ante restrita ao âmbito justificado pelo âmago indisputável da linguagem empregada pelos legisladores.

Contudo, mesmo tomando por base a interpretação mais conservadora, tem-se que ela não garante a indeterminação das proposições jurídicas. Segue-se então, mais um argumento a favor da segunda tese:

(A) Se a proposição de que um contrato particular é sacrílego não é verdadeira, então o Direito deve tratá-la como falsa, de modo que todas as proposições de Direito que seriam verdadeiras se ela fosse falsa são verdadeiras. Pode-se retrucar que, assim como pode ser indeterminado se um contrato é sacrílego, também pode ser indeterminado se a proposição de que é sacrílego é verdadeira. Afinal, alguém que busque aplicar (A) na prática pode descobrir que está genuinamente confuso quanto a determinar se (A) exige que ele trate um contrato particularmente como sacrílego ou como não sacrílego. Suponha que todos os contratos estejam ordenamos num espectro que vai dos claramente sacrílegos aos claramente não sacrílegos. Haverá um grupo, numa das extremidades, para o qual a proposição "Este contrato é sacrílego"será verdadeira, e outro grupo, perto do meio, para o qual a proposição não será nem verdadeira nem falsa (DWORKIN, 2001:190).

A partir desse raciocínio, percebe-se que, entre as extremidades, aparece um grupo formado por contratos no qual não fica claro se é verdadeira ou nem verdadeira nem falsa a proposição. No máximo, percebe-se que (A) consegue reduzir a indeterminação, mas nunca eliminá-la.

Tal objeção, ainda se mostra incapaz de refutar a tese dworkiana. Para aclarar a sua posição, Dworkin (2001:191) lança mão do seguinte exemplo: suponhamos que uma pessoa, seguidora da segunda tese sobre a inexistência de uma resposta correta, argumente que se um termo é impreciso, então existirão sentenças que contenham esse termo e que sejam verdadeiras e outras que sejam falsas, podendo, ainda, haver sentenças que não são nem verdadeiras nem falsas. Aqui uma diferença do que foi visto na primeira tese, pois nessa tanto uma sentença que utilize o termo impreciso para afirmá-lo ou negá-lo acabará por ser falsa.

Se articulado que a indeterminação terá fim com uso de um princípio legal que exija da sentença "x é ø" – onde ø é o termo impreciso -, se não for verdadeiras, seja tratada como falsa, acaba por abrir margem para que essa argumentação seja refutada. Mas, com isso, tal refutação cairá em um circulo vicioso:

Ora, o presente objetor (R) refuta que, embora isso possa reduzir a indeterminação, não pode eliminá-la; R sobre em um nível de linguagem para afirmar que, se "ø" é impreciso, então haverá casos em que "x é ø’ é verdadeiro" não será verdadeiro nem falso. Se tento fazer frente a R modificando o princípio legal que recomendei para determinar que se "x é ø’ é verdadeiro" não é verdadeiro, então, deve ser tratado como falso, não consegui nada. R subir mais um nível de linguagem e eu ficarei em sua perseguição para sempre (DWORKIN, 2001:191).

Mas olhar atentamente, pode-se ver que R tem aparentemente apenas três valores de verdade – ou a assertiva é verdadeira, falsa ou nenhuma das duas. Contudo, a conclusão de que a assertiva é nem verdadeira nem falsa, acaba por equivaler a afirma que ela é falsa:

Se "x é ø" é verdadeiro, então "x é ø’ é verdadeiro" é verdadeiro; mas se "x é ø"é falso ou nem verdadeiro nem falso, então "x é ø’ é verdadeiro"é falso. Em nenhum dos trás casos possíveis "‘x é ø’ é verdadeiro" não é nem verdadeiro nem falso. Assim, R parece ser vítima da própria formulação que V faz de seu argumento (DWORKIN, 2001:191).

Logo, refuta-se a tese que veio sendo discutida até o presente momento, podendo ser afirmada uma possibilidade de se buscar uma resposta correta em casos difíceis.

Voltando, então, ao problema do contrato de Tom, voltamos a colocar a questão sobre se o contrato é válido, tendo ele o direito ao cumprimento, ou não é válido, não podendo obrigar a ser cumprido. Logo, o que está em discussão é validade do contrato, não a imprecisão do termo "sacrilégio" (DWORKIN, 2001:193-194).

O argumento do positivismo.

O positivismo jurídico, a pesar de se apresentar de várias configurações, quer como na teoria de Austin – na qual a lei é fruto de um ato de autoridade (soberano) com poder político efetivo – quer em sua versão mais bem desenvolvida em Hart – no qual o direito é produto de reconhecimento social que cria as regras (podendo ser divididas em regras primárias e secundárias) – a idéia de que a lei existe em virtude de uma decisão humana permanece inalterada.

Podemos, portanto, enunciar a estrutura do positivismo, como tipo de teoria jurídica, desta maneira: se "p"representa uma proposição de direito, e "L(p)"expressa o fato de que alguém ou algum grupo atuou de maneira que torna (p) verdadeiro, então o positivismo sustenta que (p) não pode ser verdadeiro a menos que L(p) seja verdadeiro (DWORKIN, 2001:194).

Contudo, é apenas aparente o fato de que o positivismo estaria dando suporte a segunda tese, pois nenhuma das formas do positivismo realmente sustenta tal tese. Partindo dessa afirmação, Dworkin (2001:195) procurará demonstrar que tais teses se distinguem pelos diferentes valores atribuídos a "L" – ou seja, ao fato do poder soberano ter emitido uma determinada ordem -, bem como as diferentes relações entre (p) e L(p) – isto é, entre a proposição de direito e o fato de alguém ou grupo agir de uma maneira a tornar a proposição verdadeira.

Uma vertente, então, como a do positivismo semântico afirmará que se (p) é igual a L(p), estar-se-ia afirmando uma equivalência nas assertivas: "o contrato de Tom é válido" e "o poder soberano ordenou que contratos como o de Tom sejam cumpridos". O que justamente não é o que diz a segunda tese em exame. Para fazer justa a essa tese,

positivismo semântico, portanto, tem de negar que "O contrato de tom não é válido" seja a negação de "O contrato de Tom é válido"; só tem direito de negar isso, é claro, se já tiver sido demonstrado que o comportamento lingüístico superficial dos juristas é enganosos no sentido que a primeira versão da tese afirma (DWORKIN, 2001:196).

Outra forma de positivismo como o positivismo de equivalência funcional de verdade reconhece que a primeira versão da tese como falsa e, portanto, oferece um argumento contra, não a favor da segunda versão. Isso porque afirma se a proposição de direito equivale à vontade do soberano, então decorreria com naturalidade que a negação da proposição equivalesse a negação da manifestação de vontade desse mesmo soberano. Se esse último caso fosse verdadeiro, a proposição não seria nem verdadeira nem falsa. Contudo tal conclusão é fruto de uma leitura negligente, pois a afirmação da vontade do soberano equivale à condição de verdade da proposição, bem como, sua afirmação em sentido contrário pode ser interpretada como condição de falsidade. Contudo, decorre também que a não manifestação do soberano é equivalente a sua manifestação em sentido negativo. Em outras palavras, dizer que os legisladores ordenam que o contrato de tom não seja aplicado equivale a dizer que os legisladores não mandaram que o contrato de Tom seja aplicado (DWORKIN, 2001:197).

Um novo argumento de acrescido, então, pois para que o positivismo seja eficaz em sua tese, ele deve encontrar alguma forma que entenda como especial a ligação entre proposições, de modo que uma proposição de direito seja verdadeira se,e apenas se, uma proposição sobre atos legislativos também o for, mas não seja falsa quando essa segunda proposição for.

Como reforço a essa argumentação, um positivista poderia fazer uso de uma analogia como a elaborada por Dworkin (2001:199): pode-se supor que um grupo de estudiosos em Dickens pretenda considerar a personagem David Copperfield como alguém real. Deste modo pode-se concluir que:

1.Qualquer proposição sobre David deve ser afirmada como "verdadeira"se Dickens a disse, ou se disse alguma outra coisa que teria sido incoerente caso Dickens a negasse;

2.Qualquer proposição pode ser negada como "falsa"se Dickens a negou, ou se disse outra coisa que teria sido incoerente caso Dickens a dissesse.

Visível, então, que a primeira tese que nega a impossibilidade de uma resposta correta para casos difíceis não se aplica aqui. Isso é fácil de entender, pois, por exemplo, se David esteve na Salem Houve, então se torna falsa a afirmação que ele não esteve e vice-versa. Inexiste a possibilidade de afirmar ambas as proposições como igualmente falsas.

Logo, somente pode ser pensada essa argumentação para a segunda tese, já que esta pressupõe inúmeras outras proposições não ditas pelo autor, como por exemplo se David teve ou não um caso com Steerforth, uma vez que Dickens, em momento algum de sua obra o afirma ou o nega, logo tanto a afirmação ou a negação de tal proposição não se mostram incompatíveis com o que foi dito sobre a personagem.

Assim, os participantes não podem afirmar nem negar a proposição, não porque carecem de informação suficiente, mas porque têm informação suficiente para ter certeza de que, pelas suas regras, a proposição não é verdadeira nem falsa (DWORKIN, 2001:200).

Nesta forma de argumentação positivista, tem-se de fato a afirmação de uma ligação especial entre proposições de direito e proposições sobre atos legislativos, bem como a afirmação da segunda tese, já que demonstra como uma dada proposição pode não ser compreendida como verdadeira ou falsa. Isso não em razão de uma imprecisão ou da textura aberta da linguagem, mas devido ao fato de que as regras básicas têm essa conseqüência. Mas com tal argumentação, escapa-se do universo do positivismo ortodoxo, que afirma a ligação conceitual entre direito e os atos particulares constituintes de uma lei.

Ele deve contentar-se em dizer (como acontece) que os cidadãos e funcionários de uma determinada jurisdição seguem regras básicas sobre a afirmação e a negação de proposições jurídicas de tal modo que nenhuma proposição pode ser afirmada, a menos que um poder soberano tenha feito o comando adequado, ou negada, a menos que um pode soberano tenha feto o comando contrário, e que, por essa razão, há proposições de Direito que não podem ser afirmadas nem negadas. Todavia, sua afirmação não é a de que devem existir, em qualquer sistema jurídico, questões de Direito que por esse motivo não têm nenhuma resposta certa, mas apenas, de que, por esse motivo, tais questões existem (DWORKIN, 2001:201).

Com isso, abre-se a possibilidade que se não há respostas corretas nesse sistema específico, possa haver respostas certas em outros sistemas, ainda que nenhum comando legislativo tenha ocorrido.

Retomando a analogia com o exercício literário, reduziriam em três momentos as proposições que não podem nem verdadeiras nem falsas. Primeiramente, com o uso de proposições adicionais sobre David que pudessem ser afirmadas como verdadeiras (ou mesmo negadas por serem falsas) se fosse realmente provável (ou então improvável) a partir de uma suposta pessoa real com as qualidades próximas as de David.

Num outro momento, menos questões sem respostas restariam, somente questões que ninguém desejaria fazer de tão aborrecidas. Para tanto, as proposições adicionais sobre David, que deveriam oscilar entre o verdadeiro ou o falso, estariam ajustadas com relação às proposições já aceitas, servindo a explicar mais satisfatoriamente porque David era o que era. Transpondo tal idéia para o direito, os participantes poderiam afirmar ou negar proposições que se ajustam seja melhor seja pior a uma teoria política que melhor justifica as proposições de Direito já estabelecidas (DWORKIN, 2001:203).

O argumento da controvérsia.

Fica ainda por ser demonstrado um argumento que para Dworkin é o mais influente para a tese da inexistência de uma resposta correta e que será denominado de tese da demonstrabilidade.

Essa tese afirma que, se não se pode demonstrar que uma posposição é verdadeira, depôs que todos os fatos concretos eu possam ser relevantes para sua veracidade sejam conhecidos ou estipulados, então ela não pode ser verdadeira. Com "fatos concretos" quero designar fatos físicos e fatos relativos ao comportamento (incluindo os pensamentos e atitudes) das pessoas. Com "demonstrar"quero dizer fundamentar com argumentos de tal tipo que qualquer pessoa que compreenda a linguagem em que foi formulada a proposição deva assentir à sua veracidade ou ser condenada por irracionalidade (DWORKIN, 2001:204).

Se tal tese é válida, então existem mesmo questões que não podem receber uma resposta correta, porque não podem ser verdadeiras nem as proposições que afirmem algum conceito dispositivo como válido, nem as proposições que o afirmem como inválido. Contudo, pode-se observar que tal tese se pauta por afirmar uma forma estrita de empirismo, pois condiciona a verdade da proposição a algum fato que a faça verdadeira, de modo que se não existir nenhum fato no mundo, a não ser fatos concretos, a presente tese decorre de uma concepção metafísica.

Somente seria possível acreditar racionalmente que uma proposição é verdadeira, mesmo que sua veracidade não seja demonstrada depois de conhecidos ou estipulados todos os fatos concretos, se houvesse alguma outra coisa no mundo em virtude da qual ela pudesse ser verdadeira. Mas se não há mais nada, não se pode acreditar racionalmente que ela é verdadeira; a impossibilidade dos fatos concretos em fazê-la verdadeira teriam esgotado qualquer esperança de fazê-la verdadeira (DWORKIN, 2001:205).

O reconhecimento, portanto, de existência de outros fatores além dos fatos concretos que possam tornar verdadeiras as proposições jurídicas leva a derrubada da tese da demonstrabilidade. Um exemplo disso são os fatos morais. Estes podem afirmar a escravidão como injusta independentemente do que as pessoas pensem ou da existência de uma convenção sobre o tema.

No campo da literatura, equivaleria afirmar um conceito de coerência narrativa que tornam a proposição de David teve uma relação sexual com Steerforth como uma explicação mais satisfatória para o que a personagem pensou ou fez frente a proposição de que ele não teve. Assim, não se trata de um fato concreto, já que ninguém é capaz de ter em mente a história que Dickens tinha em mente, nem o caráter que ele atribuiria a David. Também não basta fornecer argumentos de probabilidade comuns, pautados nas histórias de pessoas reais, mesmo que estes fossem suficientes para convencer qualquer pessoa racional a aceitar ou rejeitar uma dada hipótese.

Suponhamos que o exercício prossiga com o relativo sucesso. Os participantes muitas vezes e, mesmo quando discordam, compreendem suficientemente bem os argumentos de ambos os lados para classificar cada conjunto, por exemplo, numa ordem aproximada de plausibilidade. Suponha agora que um filósofo empirista examina os procedimentos do grupo e diz que não existem fatos de coerência narrativa ou que, de qualquer modo, não existem tais fatos quando homens razoáveis podem discordar quanto ao que eles são. Acrescenta que ninguém, portanto, pode ter razão para pensar, em resposta aos termos do exercício, que o argumento de que David teve um caso com Steerforth é mais forte que o argumento de que ele não teve. Porque deveriam ser persuadidos pelo que ele diz? [...] Os participantes realmente têm razões para preferir uma proposição à outra, ou pelo menos acham que têm, e, mesmo quando discordam, cada um deles pensa que pode distinguir casos em que seus oponentes têm razões genuínas a seu lado de casos em que eles não têm. Se todos cometerem um erro, e nenhuma razão existe, é difícil entender porque pensam que podem fazê-lo e como seu exercício chegou a ter tal êxito (DWORKIN, 2001:207).

O sucesso então de tal exercício comprova que existem fatos, tal como os fatos de coerência narrativa, sobre os quais os participantes debatem. Mas tal filósofo empirista ainda pode lançar um novo argumento. Pode demonstrar que o fato de um participante sustentar uma opinião particular se deve mais em razão de sua personalidade, preferência e história pessoal, do que em razão de um fato objetivo ao qual esteja reagindo (DWORKIN, 2001:208). Mas como tal tese pode ser demonstrada? Recair-se-ia ao absurdo de imaginar uma máquina capaz de fazer previsões sobre a opinião de um participante a partir de informações empíricas, como por exemplo, a química sanguínea do participante.

Fazendo o caminho de volta ao direito, tem-se que uma proposição jurídica é verdadeira se fornece a melhor justificação para o conjunto de proposições jurídicas tidas como estabelecidas. Desse modo fornece um melhor argumento a favor dessa proposição que a tese contrária, que toma como inválido, por exemplo, o contrato de Tom. Mas a proposição é falsa se fornecer um argumento melhor a favor dessa proposição contrária. Assim, o raciocínio jurídico também fará uso de um conceito próximo ao de coerência normativa, porém mais complexo.

Argumento que há duas dimensões ao longo das quais se deve julgar se uma teoria fornece a melhor justificação dos dados jurídicos disponíveis: o dimensão da adequação e a dimensão da moralidade política. A dimensão da adequação supõe que uma teoria política é por tanto uma justificativa melhor que outra, se, grosso modo, alguém que a sustentasse pudesse, a serviço dela, aplicar mais daquilo que está estabelecido do que alguém que sustentasse a outra. Duas teorias diferentes podem fornecer justificativas igualmente boas, segundo essa dimensão, em sistemas jurídicos imaturos, com poucas regras estabelecidas, ou em sistemas jurídicos que tratam apenas de um âmbito limitado da conduta de seus participantes. Mas, em um sistema moderno, desenvolvido e complexo, a probabilidade antecedente desse tipo de empate é muito pequena. [...] Será raro que muitos juristas concordem que nenhuma [teoria] fornece uma adequação melhor que a outra (DWORKIN, 2001:213).

Já a segunda dimensão, chamada de dimensão da moralidade política, para do pressuposto que

se duas justificativas oferecem uma adequação igualmente aos dados jurídicos, uma delas, não obstante, oferece uma justificativa melhor que a outra se for superior enquanto teoria política ou moral; isto é, se apreende melhor os direitos que as pessoas realmente têm. A disponibilidade dessa segunda dimensão torna ainda mais improvável que algum caso específico não tenha nenhuma resposta correta. Mas a força da segunda dimensão [...] será objeto de disputa, porque juristas que sustentam tipos diferentes de teoria moral irão avaliá-las de maneira diferente (DWORKIN, 2001:213-214).

A refutação, então, da tese de que existe uma resposta correta para casos difíceis deve vir de um argumento filosófico, de modo a contestar que em um sistema jurídico complexo e abrangente é improvável que duas teses divirjam a ponto de exigir respostas diferentes. Além disso, deve fornecer argumentos que justifiquem certo ceticismo moral, para além do qual se mostre impossível, com base na moralidade política, preferir uma das teorias. Dworkin (2001:216), então, se mostra aberto a este novo nível do debate, uma vez que coloca que tais objeções ainda não foram formuladas por aqueles que negam a possibilidade de uma resposta correta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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