Luiz Antonio Costa de Santana

sexta-feira, maio 25, 2007

Tributos indiretos representam custos das mercadorias e dos serviços

Texto extraído do Jus Navigandi

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9931


 

Kiyoshi Harada

Advogado em São Paulo (SP), professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo, especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP, conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos


 

Nos chamados tributos indiretos existem dois critérios de tributação conhecidos.

Na tributação por fora, o valor do tributo não integra o preço da mercadoria ou do serviço. O valor do imposto incidente sobre a mercadoria ou o serviço é separado do preço respectivo. O imposto não pertence ao comerciante ou ao prestador de serviço. Seu destaque no documento fiscal significa que o vendedor da mercadoria ou o prestador do serviço fica na condição de depositário daquele valor pertencente ao fisco. É o critério utilizado, dentre outros, pelos Estados Unidos e pelo Japão. Pode-se dizer que tal critério trará problemas relacionados com trocos, quando o preço for pago em dinheiro, mas, além de espelhar um critério transparente, ele inibe a sonegação. Quem deixa de recolher o dinheiro de que é depositário comete crime.

Na tributação por dentro, o valor do imposto é embutido no preço da mercadoria ou do serviço. A alíquota do imposto é aplicada sobre o preço reajustado pelo montante do imposto, isto é, o imposto incide sobre si próprio. Por isso, a alíquota nominal do ICMS, por exemplo, de 18% equivalerá a uma alíquota real de 21,38%. A alíquota nominal de 25%, que incide sobre o consumo de energia elétrica, equivalerá a uma alíquota real de 33,35%. Essa questão foi levada aos tribunais, mas a jurisprudência consagrou a constitucionalidade do imposto de cálculo por dentro, que não permite ao consumidor visualizar o preço da mercadoria antes da incidência do imposto, a não ser no caso de tributação do consumo de energia elétrica. Efetivamente, neste caso, a conta de energia elétrica apresenta de forma discriminada o valor da energia consumida, a alíquota de 25% e o preço final da energia consumida. Essa transparência, fez com que os consumidores batessem à porta do Judiciário, alegando majoração da alíquota de 25% para 33,35%. Nas vendas de mercadorias não há essa transparência; o valor do imposto acha-se embutido e enrustido no preço, por isso ninguém foi a juízo alegando a majoração indevida da alíquota de 18% para 21,38%. A transparência tem um preço e os governantes sabem disso!

Uma coisa é o valor do ICMS destacado na nota fiscal, para fins de registro contábil, com o objetivo de tornar efetivo o princípio da não cumulatividade do imposto; outra coisa bem diversa é o valor do ICMS que integra o valor da operação de circulação de mercadoria, vale dizer, o preço da mercadoria no qual, obviamente, estão incluídos não apenas o valor do ICMS, mas também outros encargos que compõem o custo da mercadoria (salários, aluguéis, outros tributos etc).

O critério da tributação por dentro, portanto, atenta contra o princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF.

A exemplo do ICMS, o ISS, o PIS, a COFINS e o PIS/COFINS- importação são tributos que adotam o critério de cálculo por dentro.

Esse critério pode conduzir a uma situação de extrema onerosidade e, ao mesmo tempo, de nebulosidade tributária acentuada. Lembremos da hipótese de cálculo do PIS/COFINS-Importação, que é feito por dentro. Esse cálculo incide sobre o valor aduaneiro, acrescido do valor do ICMS, que incide sobre si próprio e sobre o valor das contribuições, que também incidem sobre si próprias e, finalmente, sobre o valor do ICMS, originando um efeito circular de incidências em cascata. Um verdadeiro samba do crioulo doido!

A soma das alíquotas nominais do ICMS (18%) e do PIS/COFINS-Importação (9,25%) perfaz 27,25%, ao passo que, o seu cálculo por dentro, como determinado na legislação, eleva a alíquota real para 37,46%, representando uma diferença nominal de 10,21% de conhecimento ignorado pelo grande público.

É preciso que essa forma perversa de calcular o tributo por dentro e incluí-lo na base de cálculo de outro tributo, que obedece o mesmo regime de cálculo, seja amplamente discutida e debatida pela sociedade para que o consumidor possa ter uma noção exata do valor do tributo que onera a mercadoria ou serviço.

Com esse propósito a Comissão constituída pela FIESP, da qual participamos, para examinar e apresentar sugestões à Proposta de Reforma Tributária em discussão no Congresso Nacional, propõe o acréscimo do § 8º ao art. 150 da CF para instituir o critério de tributação por fora, nos seguintes termos:

'§ 8º O valor do tributo não poderá integrar sua própria base de cálculo'.

Essa norma é necessária porque, à falta de previsão constitucional, a jurisprudência já consagrou a constitucionalidade do imposto de cálculo por dentro.

Enquanto se mantiver esse critério de cálculo por dentro, o tributo embutido no preço da mercadoria ou do serviço continuará representando o custo, tanto quanto os valores concernentes à matéria-prima, aos salários e às demais despesas. Excluir o tributo da base de cálculo implicaria, por coerência, a exclusão das demais despesas que compõem o custo da mercadoria ou do serviço. Assim, a base de cálculo ficaria restrita ao valor do lucro, que outra coisa não é senão o valor total da mercadoria ou do serviço (preço) menos o valor das despesas (tributo, matéria-prima, salários, aluguéis, consumo de energia elétrica etc.).

Por tais razões, fica difícil entender a votação majoritária no sentido de exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS havida nos autos do RE nº 240.785, Rel. Min. Marco Aurélio. Após os votos de sete Ministros, seis pela exclusão e um pela não exclusão do ICMS, o julgamento foi suspenso.

Caso prevaleça a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS, representada pelo faturamento bruto [01], por coerência, deverá admitir a exclusão da COFINS da base de cálculo do ICMS; exclusão do ISS da base de cálculo da COFINS, e vice-versa; exclusão do ICMS e da COFINS da base de cálculo da COFINS-Importação e vice-versa. Isso sem falar da exclusão de outros valores que representem despesas embutidas no preço das mercadorias e dos serviços.

Não nos parece possível, data maxima vênia, confundir base de cálculo da COFINS, na época, faturamento bruto, representando o preço final da mercadoria ou do serviço, com dedução parcial dos custos (ICMS) que compõem esse preço, ou seja, a base de cálculo da COFINS. Se o faturamento é feito pelo preço final da mercadoria ou do serviço e se a base de cálculo for o faturamento não há que se cogitar de exclusão desta ou daquela parcela componente do preço, a não ser que haja uma lei específica de incentivo fiscal prevendo a redução da sua base de cálculo. Por isso, se não houver uma reorientação da tese, o resultado final do julgamento daquele recurso extraordinário conduzirá a um beco sem saída.


 

Notas

01 Atualmente receita bruta.


 

Informações bibliográficas:



Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

HARADA, Kiyoshi. Tributos indiretos representam custos das mercadorias e dos serviços . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1423, 25 maio 2007. Disponível em:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9931>. Acesso em: 25 maio 2007.

quarta-feira, maio 23, 2007


 

Cooperativas de prestação de serviços médicos.

Aspectos tributários relevantes

Texto extraído do Jus Navigandi

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9898

Iran José de Chaves

Advogado militante nas áreas de Direito Tributário e Comercial, especialista "lato sensu" em Direito Empresarial pela UDESC/ESAG e em Direito Tributário pela UFSC


 

A Receita Federal vem, sistematicamente, autuando as cooperativas médicas sob o argumento de estarem elas praticando atos definidos, equivocadamente, como não cooperativos, descaracterizando-as daquela condição para fazer valer a arbitrariedade na exação fiscal. O procedimento vergastado não é tão simples como pode parecer ao fisco, tal qual será explicitado ao longo deste trabalho, cuja pretensão é provocar uma reflexão jurídica e instigar um profícuo debate sobre o assunto.

Prima facie, é preciso compreender que não se fortalece o Estado enfraquecendo o direito, de modo que a Constituição Federal há de ser cumprida (arts. 5º, XVIII; 146, III, "c"; e 174, § 2º) tendo-se em vista o Estado Democrático de Direito e todo o ordenamento jurídico pátrio (Código Tributário Nacional, Leis Federais ns. 5764/71 e 9718/98) concernente à matéria articulada neste material.

Como disse Geraldo Ataliba: "Pior do que violar a Constituição, é ignorá-la".

Dessa maneira, falece razão à autoridade fiscal ao tencionar sejam-lhe pagos tributos pelas cooperativas médicas, referentes a atos tidos por não cooperativos - como se as mesmas fossem sociedades mercantis na feição peculiar desses atos - não levando em conta todas as suas particularidades as quais, por sua vez, fazem-nas incorrer em privilégios e prerrogativas, por força de norma constitucional.

Destaca-se, portanto, que, nesse improdutivo terreno de alegações fiscais infundadas – desmerecedoras de qualquer relevância jurídica - o que se observa é a ignorância expressa da genuína e autêntica natureza jurídica dessas entidades, cuja modificação da definição jurídica protegida pela Carta Política é incontestável.

A doutrina especializada não discrepa da lei e da jurisprudência, sendo unânime ao afirmar – corroborada pelas previsões constitucionais e infraconstitucionais [01] - a necessidade de se impor à Receita Federal a observância do tratamento diferenciado dispensado às sociedades cooperativas em face da essência não mercantil de suas operações com seus associados e afins, traduzidos estes nos serviços periféricos à relação cooperativista indispensáveis ao exercício da atividade médica (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.),
para alcance da finalidade social cooperativa de prestação de serviços aos médicos cooperados [02].

Tendo em vista a necessidade das previsões constitucionais serem particularizadas pela legislação ordinária, nela é encontrada a definição de Cooperativas.

Regra a lei de regência (Lei n. 5764/71):

"Art. 3º - Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro". (gn)

"Art. 4º - As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características". (gn)

Várias são as peculiaridades levantadas pelo dispositivo retro mencionado, contudo, para este trabalho, o enfoque persistirá no aspecto do inciso VII:

"VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral". (gn)

Insta observar - nesse ponto residindo grande parte da discussão sobre o tratamento tributário incidente nas cooperativas - que essa feição das sobras é constantemente confundida com lucro – objeto do equívoco perpetrado pela Receita Federal - o que não autoriza, contudo, a assemelheação de ambos os institutos.

Em que pese as expressões serem parecidas e induzirem à aplicação paradigma, as cooperativas, ao visarem à continuidade de sua existência, inserem, no custo de seus serviços, uma margem de segurança, a qual, pode ser, ao final de seu período de apuração, um resultado positivo ou negativo. O positivo refere-se à sobra. O negativo, ao prejuízo.

Entretanto, é preciso ressaltar, ao anverso da ocorrência com o lucro nas sociedades mercantis criadas justamente visando ao acréscimo patrimonial dos proprietários, não ser a sobra o objetivo da cooperativa, mas uma conseqüência necessária do intrincado ato de levantar um valor no qual se resgate os custos operacionais da entidade, como: luz, água, seguros, acidentes, etc, e cuja inserção em cada produto (cooperativas de consumos) ou serviço (cooperativas de prestação de serviços, como soe ser o caso das cooperativas médicas objeto deste estudo) é difícil.

Portanto, as sobras não dizem respeito ao lucro, tendo-se em vista direcionarem-se aos cooperados, na medida de seus trabalhos. Permite a legislação própria, que as cooperativas façam uma previsão de suas despesas de operacionalização, ajustando sua contabilidade e retornando aos cooperados os prejuízos ou as diferenças na mesma proporção dos negócios com elas mantidos [03].

Pois bem.

É de sabença que a Constituição Federal prevê, em seu art. 153, III, que a União institua imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Por sua vez, o Código Tributário Nacional, como lei complementar – para os termos do art. 146, III, "a", da CF – estabelece:

"Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

"Art. 44 – A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis".

Ora, renda é produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, sendo esse resultado (produto) positivo considerado lucro.

Assim, tendo-se em vista as entidades cooperativas serem, pela previsão da lei de regência, sociedades sem fins lucrativos - uma vez criadas, única e exclusivamente, para fins sociais - e considerando a base de cálculo do imposto de renda levar em conta a obtenção de lucro, logo elas não estão sujeitas ao recolhimento desse imposto incidente sobre renda, bem como de seus reflexos, traduzidos estes nas tributações pertinentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, COFINS e PIS [04].

Com relação à COFINS e ao PIS, questão relevante reside na observância contumaz - independentemente de se considerar como faturamento ou receita bruta a base de cálculo dessas contribuições (arts. 2º e 3º, da Lei n. 9718/98) - do fato das cooperativas - em virtude mesmo das características pertinentes - não possuírem receita bruta, e tampouco faturamento, no sentido técnico da palavra e no sentido técnico utilizado pelo constituinte, a permitir a incidência de tributos, como os ora mencionados.

Especificamente a justificar a não incidência tributária na forma da COFINS, tem-se o parágrafo único do art. 79 da Lei n. 5764/71 dispondo que o ato cooperativo não implica operação de
mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria, de forma a não motivar a produção de receita ou de faturamento para a cooperativa.

De igual sorte, seja qual for a perspectiva de análise - sob a ótica da Lei n. 9.718/98 ou da Lei n. 5.764/71, a conclusão será a mesma: as sociedades cooperativas, relativamente aos atos cooperativos, não estão sujeitas à incidência do PIS, cuidando-se de uma NÃO-INCIDÊNCIA PURA E SIMPLES e não de uma norma de isenção.

Ora, considerando, assim, não haver negócio mercantil, como podem os resultados auferidos com a prática de atos cooperados serem forçosamente considerados pela Receita Federal como base de cálculo da CSLL, do PIS e da COFINS? A resposta segue na direção única da imprestabilidade dessa conduta, face à inexistência de base imponível para essas exações, justamente porque o direito tributário e bem assim o direito comercial privado impõem, para que se tenha receita bruta, a existência inafastável de atos de comércio, fato inocorrente na espécie.

Não obstante os aspectos supra, a celeuma posta a lume refere-se ao fato de ter o fisco insistentemente se conduzido no sentido da arbitrária descaracterização dessas entidades, para, amparando-se em atos tidos por não cooperativos, fazer incidir sobre elas a indevida tributação de IRPF, CSLL, COFINS e PIS. Nada mais absurdo.

De acordo com a previsão do art. 79, da Lei n. 5764/71, atos cooperativos seriam aqueles estabelecidos entre cooperados e cooperativa, cooperativa e cooperados, e aquelas entre si, sempre visando aos objetivos sociais da entidade, estampados pela prestação de serviços aos cooperados, na forma de captação de clientes para os mesmos, sendo indubitável ser esta a finalidade dos atos cooperativos balizadora da hipótese da não incidência tributária [05].

Desse modo, se a cooperativa pratica atos, sem visar ao lucro e na busca de seu objetivo social, independentemente de estar-se diante de uma relação efetivada entre cooperativa e cooperados ou entre estas e terceiros, a toda evidência estar-se-á diante de um ato tipicamente cooperativo abrigado de qualquer pretensão fiscal, especialmente no tocante ao Imposto de Renda e seus reflexos [06].

Na cooperativa médica o cooperado é o profissional de medicina – lembre-se: como pessoa física (e os hospitais, a exemplo, como pessoas jurídicas), já sofre a tributação de uma prestação de serviço remunerada [07] - ao qual em tese, é prestado o serviço – finalidade – feito, no campo da realidade, ao paciente – objeto social, de modo que serviços de laboratórios, hospitais, e clínicas, ínsitos que estão no ato cooperativo, não podem dele ser apartados para incidência tributária, sob pena da ocorrência do aspecto da bitributação [08].

Assim, não se referem essas relações a atos não cooperativos - como quer, erroneamente, fazer crer a Receita Federal - já que, muito embora a relação se estabeleça entre a cooperativa médica e o terceiro credenciado estranho à relação cooperativista (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), é sabida a atuação dela em nome dos cooperados
(como soe ser, por exemplo, o caso do pagamento dos custos de sua estrutura administrativa, com recursos dos cooperados e em nome destes, e não dela como pessoa jurídica), como se a relação se desse entre esses e aqueles, atuando o fisco hodiernamente ao contrário disto na condução da bitributação.

Assim, a Receita Federal ao pretender tributar as cooperativas médicas nos absurdos moldes como tem feito, faz com que, neste sistema, a incidência se dê tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, ao contrário do próprio sistema comercial e lucrativo!

Como visto, a questão não tem sido bem resolvida pelo fisco persistente na autuação dessas entidades sob o fundamento de que, resultante dessas transações, ter-se-ia um ato, na verdade, não cooperativo, por consubstanciar-se em atividade "estranha" à finalidade da cooperativa. Um arrematado despropósito.

Ora, em uma cooperativa de prestação de serviços – que angaria clientes e disponibiliza atividades para os cooperados, sendo este, como dito, seu fim social – todos os atos praticados por ela para a conquista desse fim são atos cooperativos, aí incluídos os resultantes de suas relações com terceiros – por exemplo, o ato de uma cooperativa médica encaminhar o cliente para um hospital onde um médico cooperado atenda (objeto cooperativista = prestação de serviços médicos, hospitalares, clínicos, etc., aos usuários particulares ou empresas) [09], já que, em verdade, constituem eles a própria essência da atividade das cooperativas assim organizadas (a oferta de clientes, sem a pretensão de lucro).

É de sabença a necessidade dos médicos em possuírem aparatos traduzidos na utilização de serviços, recursos laboratoriais, clínicos, hospitalares, entre outros, indispensáveis, por sua vez, na modalidade de serviços acessórios, complementares ou mesmo auxiliares, para o pleno desenvolvimento de seu ofício.

Referidos recursos são contratados pelas cooperativas médicas para o alcance do objeto social próprio dessas entidades – prestação de serviços médicos a usuários particulares e empresariais - em cumprimento à sua finalidade essencial.

Desta forma, é evidente ser, a relação com esses terceiros, inerente ao ato cooperativo, entendido este como resultado da relação contratual instituída entre a cooperativa médica e os serviços auxiliares da prestação da atividade médica, integrante do conceito disposto no art. 79 da lei regente, o qual não gera, de per se, a hipótese de incidência dos tributos em comento.

É em razão dessa particularidade – ao contrário do aduzido pelo fisco - e da própria lei de regência, que o ato cooperativo médico (principal) – traduzido no atendimento aos pacientes - pressupõe relação com terceiros – consubstanciados estes em atos cooperativos instrumentais ao fim colimado pelo ato principal - de modo a não o descartar como tal sua característica acessória.

A verdade, portanto, é uma só: atos cooperativos não são somente os configurados entre os cooperados e as cooperativas; entre as cooperativas e os cooperados e entre aquelas entre si, de modo a dizer o contrário, é o mesmo que estabelecer para as cooperativas médicas atendimentos somente a outros médicos cooperados. Nada mais ilógico, descabido, longe de qualquer senso comum.

Muito embora pareça evidente a situação mencionada, é pouco crível tencione o fisco sua observância, em razão dos mesmos motivos ensejadores deste estudo e da vontade incomensurável que possui em onerar a sociedade com a arrecadação tributária cada vez mais avassaladora, fazendo tabula rasa dos preceitos constitucionais expressos na vigente Carta Política.

Por outro lado, quanto à oferta de planos de saúde, incorrendo a cooperativa médica na busca da sua finalidade principal – prestação de serviços aos médicos cooperados através da captação de clientes – sem objetivar lucros, igualmente estará executando ato tipicamente cooperativo e repelente da exação fiscal.

Ora, é sabido que para a operacionalização de seus trabalhos, as cooperativas médicas manipulam, no mais das vezes, planos de saúde visando, prefacialmente, à oferta de trabalho aos médicos associados, pelo fato do atendimento aos clientes desses planos ser feito por eles próprios.

Não é por outra razão que, nas cooperativas médicas, os planos de saúde impõem a utilização, pelo cliente, exclusivamente de médicos cooperativados, sendo, portanto, tipicamente, um ato cooperativo em prol dos associados.

À nitidez, portanto, como já ventilado, sendo a utilização de serviços hospitalares decorrência natural dos serviços médicos – quando não-condição essencial de sua prestação – lembrando-se serem os cooperados quem escolhem os hospitais onde atenderão seus pacientes - ostentam os planos de saúde, justamente por esse aspecto, perfil fundamentalmente diverso de atividades de caráter lucrativo, prestadas por outras organizações que as exploram comercialmente.

Ao contrário do entendimento da Receita Federal, os planos de saúde são exclusivamente voltados para os cooperados, estes beneficiários do ato cooperativo consistente em obter clientes, sendo a utilização da rede hospitalar, elemento, muitas vezes, indispensável ao exercício da atividade pelos médicos cooperados, com cobertura obrigatória por parte da cooperativa.

É um ato, portanto, instrumental, decorrencial e necessário à prática do ato médico com característica de ato cooperativo, em face de sua oferta ser inerente à captação de clientela para os cooperados, não mais que isso [10].

Ao arremate, cumpre ressaltar o aspecto processual relevante, consubstanciado na forma como a Receita Federal tem desconsiderado, na própria Autuação Fiscal, a característica cooperativista dos atos emergentes das relações firmadas pelas cooperativas médicas, para impor seu entendimento "pessoal" e aplicar a exação fiscal.

Não é dado ao fisco, visando, única e exclusivamente, à imposição fiscal, descaracterizar a natureza jurídica das entidades cooperativas utilizando-se do próprio documento de autuação - até porque seu objeto é legalmente definido pelo art. 142, do CTN - sem, para tanto, instaurar o devido processo legal administrativo.

É sabido, por força constitucional (art. 5º, LV), fazer-se necessário, mesmo administrativamente, oportunizar ao interessado a pratica do seu direito de defesa. A oferta do contraditório às cooperativas se nos afigura de rigor, com a instauração de um processo administrativo prévio e cognitivo que respeite e incorra nos princípios norteadores do devido processo legal, justamente para oportunizar-lhes o direito de opor resistência à exação fiscal e evitar a descaracterização arbitrária de atos por elas praticados, que nada têm de "estranhos à sua finalidade", sob pena da imprestabilidade da autuação conduzida nesse diapasão.

Em nenhuma hipótese se justificaria um simples despacho da autoridade administrativa para se desconsiderar a pessoa jurídica, como se esta medida fosse comum ou então sob a desculpa de preservar a ordem e interesses públicos. Ao analisar e autuar a pessoa jurídica nesses moldes, por muito certo a conclusão seria desprovida de certeza, comprometendo o próprio livre convencimento.

Não se pode olvidar estabelecerem as cooperativas, notadamente as prestadoras de serviços médicos, variadas relações jurídicas ao longo de sua existência, de modo a não haver nada mais justo e legal do que a oportunidade de ampla defesa e contraditório, assegurando-lhes o devido processo legal e administrativo, cuja procedimento encontra ressonância direta e frontal em preceito constitucional, afastando qualquer ato tendente a desviar da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito.

Não se concebe, assim, à luz de todo o exposto, que, decida-se primeiro destruir a entidade – compelindo-a ao recolhimento de tributo sabidamente indevido – para depois ver se era necessário fazê-lo – o que quase nunca o é. Verdadeiro contra-senso, como primeiro demolir uma casa, para depois verificar se suas estruturas eram fortes, se o encanamento estava em boas condições... [11]

Esta análise, portanto, teve o fito de suscitar questionamento processual – ao contrário do aspecto material amplamente articulado neste estudo – referente ao procedimento que o fisco tem, diga-se costumeira e absurdamente, aplicado no sentido da desconsideração das entidades cooperativistas, utilizando-se, para tanto, da pura e simples Autuação Fiscal.

Revelado está, desse modo, não ser permitido ao fisco desconsiderar arbitrariamente atos constitutivos de uma pessoa jurídica como imprestáveis, nem lhe atribuir status diverso do emergente de seus atos estatutários, para fins simplesmente de imposição fiscal, sem que para isso observe, acate e promova o devido processo administrativo, de modo que, pressupor ou decretar, ao seu alvitre, a perda da condição de cooperativa só traduz a invalidade na qual incorrerá o procedimento inadequadamente utilizado para o fim visado.

Concluí-se, assim, não haver nada mais desregrado do que referida conduta, tendo em vista toda a manifestação constitucional (art. 5º, LV) no sentido da necessidade de instauração de um devido processo administrativo que promova, com todas as suas diretrizes, a oportunidade de defesa do ente cooperativista, notadamente quanto à determinação legal do conteúdo que deve conter uma autuação, por força do estabelecido no art. 142, do CTN.


 

Conclusão:

O presente trabalho tratou da questão sob a ótica constitucional e sob a perspectiva da legislação infraconstitucional regente do cooperativismo.

Pelo exposto, não se concebe que, revelando-se as cooperativas médicas como entidades sem fins lucrativos e por prestarem serviços exclusivamente na captação de clientes e no suporte administrativo aos médicos-cooperados, sejam compelidas ao recolhimento de Imposto de Renda e seus reflexos.

Quando o fisco desconsidera as feições essenciais das cooperativas médicas, traduzidas nas prerrogativas que a legislação lhes confere de ter tratamento diferenciado face às outras espécies societárias, acaba por colocar por terra a própria razão de sua existência, eis que tais associações terão como única conseqüência a duplicação das incidências tributárias (bitributação) - paga-se tributo na cooperativa e também na pessoa física do cooperado, tudo em face de uma mesma realidade, qual seja, a prática de atos cooperativos.

Atuando assim estará a União propiciando o falecimento de um instituto jurídico protegido pela Magna Carta por impô-lo à incidência de impostos periféricos à sua própria essência, e, no mais das vezes, tanto maior do que a das empresas perseguidoras de lucro. Nada mais irreal ao verdadeiro sentido de existir das cooperativas, para efeitos desse articulado, as prestadoras de serviços médicos, cujo ajuste com a justiça e avanço sociais é inquestionável, justamente em virtude do descompromisso com a obtenção de lucros e com a exploração comercial.

Não se concebe portanto, que o fisco altere a realidade dos fatos e o direito aplicado ao caso vertente, justamente para prosseguir nas atuações fiscais sem substrato jurídico, procedimento que vem causando intranqüilidade e visível desassossego ao seguimento cooperativista, notadamente quando a doutrina e a jurisprudência, já sedimentaram entendimento de que estas atividades nada têm a ver com ato de comércio e portanto estão a salvo da hipótese de incidência do imposto de renda e das contribuições sociais, nos exatos termos da lei de regência das cooperativas (Lei n. 5764/71).

Notas

01 Artigos 5º, XVIII; 21, XXV; 146, III, "c"; 174, §§ 2º, 3º e 4º; 187, VI; 192, VIII; e 199, § 1º; Lei Federal n. 5764/71

02 Cf. A. Gonçalves de Oliveira,
in
A Cobrança do ICM das Cooperativas de Consumo e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Cadernos de Direito Tributário. Revista de Direito Público. n. 23, p. 228/229.

03 REsp 171800/RS, DJ 31.05.1999.

04 REsp 170371/RS, DJ 14.06.1999; REsp 523554/MG, DJ 25.02.2004; REsp 552782/MG, DJ 25.04.2005; REsp 616219/MG, DJ 25.09.2006; AgRg no REsp 727450, DJ 29.05.2006.

05 REsp 152546/SC, DJ 03.09.2001.

06 REsp 544.194/MG, DJ 25/02/2004; REsp 546380/MG, DJ 25/02/2004; REsp 614764/MG, DJ 23/08/2004; REsp 543828/MG, DJ 25.02.2004; REsp 546674/RS, DJ 13.10.2003.

07 REsp 332148/RR, DJ 24.06.2002.

08 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 727091/RJ, DJ 17.10.2005.

09 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 16096/PR; REsp 158477/SC.

10 Cf. Ives Gandra da Silva Martins, in
RDDT 86/152.

11 Cf. Thereza Alvim, in Revista de Processo, n. 22, julho/setembro de 1997, p. 215.

Informações bibliográficas:

Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

CHAVES, Iran José de. Cooperativas de prestação de serviços médicos. Aspectos tributários relevantes. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1421, 23 maio 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9898>. Acesso em: 23 maio 2007.

Vício formal

Julgamento de ADI contra Lei de Improbidade é suspensa

O Plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PTN contra a Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92. O partido alega que toda a lei é inconstitucional por vício formal, porque ela teria sido sancionada sem ser submetida ao voto bicameral, ou seja, na Câmara e no Senado, condição prevista no artigo 65 da Constituição Federal.

Esse dispositivo determina que todo projeto aprovado em uma das casas do Congresso Nacional deve ser revisto pela outra. O projeto poderá se tornar lei se a casa revisora o aprovar. Se ela o rejeitar, o projeto deverá ser arquivado.

Até o momento, três ministros já se posicionaram sobre o argumento apresentado pelo PTN. O relator da ação, ministro Marco Aurélio, entendeu que, no caso, o processo legislativo bicameral foi realmente violado.

Ele argumentou que o projeto de lei foi encaminhado à Câmara dos Deputados pelo Executivo, onde foi aprovado. No Senado, ele teria sido totalmente modificado por meio de substitutivo. Ao voltar para a Câmara, o projeto teria sido mais uma vez modificado. Porém, em vez de ser arquivado ou voltar para o Senado, que atuaria como revisor, o projeto foi encaminhado à sanção presidencial.

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Ricardo Lewandowski abriram divergência e ressaltaram que a alteração realizada pelo Senado foi meramente formal, e não material. "Entendo que não há dúvida que o projeto enviado pelo Senado Federal à apreciação da Câmara dos Deputados, a que se denominou de substitutivo, é meramente uma emenda ao projeto de lei, e não é de forma nenhuma um novo projeto", disse Lewandowski.

Vício material

Em seguida, o ministro Marco Aurélio levantou questão de ordem para saber a posição do colegiado sobre a possibilidade de análise da constitucionalidade material da lei, caso a alegação de vício formal seja afastada pelo Plenário. Essa questão não foi solicitada pelo PTN na ADI.

Sobre esse ponto, o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Ele afirmou que esta "é uma questão extremamente importante que tem de ser decidida pelo Tribunal. Porque nós estaremos a rever a jurisprudência do Tribunal sobre essa matéria".

O Plenário decidiu que, primeiro, finalizará a votação sobre a questão de ordem para, depois, votar o mérito da ação.

ADI 2.182

Revista Consultor Jurídico, 23 de maio de 2007


 

Fraude em licitação

Não há fundamento nas prisões da Operação Navalha

por Daniel Roncaglia

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, continua a seguir o mesmo entendimento para conceder Habeas Corpus aos presos da Operação Navalha, da Polícia Federal. A sua atitude demonstra que faltam elementos jurídicos nos pedidos de prisão preventiva dos supostos envolvidos no esquema de fraude de licitações de obras públicas. A parte substancial das provas apresentadas pela PF foram baseadas em escutas telefônicas, que na maior parte só comprovam o envolvimento através de ilações pessoais dos policiais.

Nesta terça-feira (22/5), nos Habeas Corpus de Luiz Carlos Caetano (prefeito de Camaçari - BA), Marcio Fidelson Menezes Gomes (secretário de Infra-estrutura de Alagoas) e José Édson Vasconcellos Fontenelle (empresário), o ministro utilizou o mesmíssimo argumento apresentado no alvará de soltura de José Reinaldo Carneiro Tavares (ex-governador do Maranhão), e Roberto Figueiredo Guimarães (presidente do Banco de Brasília).

Para o ministro, a prisão cautelar de qualquer cidadão necessita que o juízo competente indique e especifique, minuciosamente, elementos concretos que legitimem e fundamentem essa medida excepcional de constrição da liberdade. Caso contrário, a prisão assume caráter de ilegalidade, além de afrontar princípios constitucionais.

Gilmar Mendes considerou que o decreto de prisão dos envolvidos não individualizou "quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta 'organização criminosa' à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada".

Até domingo (20/5), o ministro se mostrava mais cauteloso. Até então, ele teve pouco tempo para analisar os argumentos apresentados pela PF. Chegou a negar cinco pedidos de extensão de liberdade. Na quinta-feira (17/5), o ministro concedeu a primeira liminar em favor de um dos investigados. A decisão do ministro Gilmar Mendes garantiu a liberdade ao ex-procurador-geral do Estado do Maranhão, Ulisses Cesar Martins de Sousa. A decisão foi referendada na terça-feira (22/5) pela 2ª Turma do STF.

Neste HC, o argumento de Gilmar Mendes foi diferente. De acordo com o ministro, Sousa deixou de ser procurador-geral do Maranhão há sete meses. Portanto, não houve, aparentemente, risco de "continuidade delitiva pela suposta organização criminosa".

A operação

A Polícia Federal deflagrou na manhã de quinta-feira (17/5) a Operação Navalha contra acusados de fraudes em licitações públicas federais. A PF prendeu 47 pessoas. Entre elas, o assessor do Ministério de Minas e Energia Ivo Almeida Costa, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o prefeito de Sinop (MT) Nilson Leitão (PSDB e o prefeito de Camaçari (ES) Luiz Carlos Caetano, coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência em 2006.

Dos presos pela PF, 26 já foram soltos. Só nesta terça-feira (22/5), 13 pessoas foram beneficiadas com decisões do STJ e do STF.

Segundo Polícia Federal, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama e então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

Ainda segundo a PF, as obras eram superfaturadas, irregulares ou mesmo inexistentes. A Polícia acusa a suposta quadrilha de desviar recursos do Ministério de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades, do Planejamento, e do DNIT. Cerca de 400 policiais federais foram mobilizados para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão em Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, São Paulo, Sergipe e no Distrito Federal. As investigações começaram em novembro de 2006.

Foi o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, quem pediu ao Superior Tribunal de Justiça que ordenasse as prisões. A ministra do STJ Eliana Calmon determinou à PF o cumprimento de mandados. A ministra determinou também o bloqueio de contas e de imóveis dos integrantes do esquema.

Antônio Fernando chegou a pedir a prisão do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT). Pedido negado pela ministra Eliana Calmon. Em nota, a Procuradoria-Geral da República disse que irá designar dois subprocuradores-gerais para atuar no caso.

Leia os Habeas Corpus 91.393-8, 91.427-6 e 91.392-0

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.393-8 BAHIA,

RELATOR MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) LUIZ CARLOS CAETANO

IMPETRANTE(S) FERNANDO SANTANA E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) MAURÍCIO VASCONCELOS E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) MILTON JORDÃO

COATOR(A/S)(ES)RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por FERNANDO SANTANA e outros, em favor de LUIZ CARLOS CAETANO, ora recolhido na Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal, no qual se impugna decisão da Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é o atual prefeito municipal de Camaçari/BA, ainda no exercício do mandato, tendo a sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a "associação criminosa" investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ, sob a acusação de que, na condição de Prefeito, teria assinado convênio e contratos administrativos fraudados.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido
(fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, afirmando-se que "Na hipótese vertente, inexiste comprovação da periculosidade do Paciente, somente meras especulações, aliás, é tida pela Autoridade Coatora como figura intermediária na estrutura da quimérica organização criminosa" - (fl. 10). Eis os principais argumentos da defesa:

"Infere-se da leitura do édito prisional que a investigação policial teve como investigado o Sr. ZULEIDO SOARES VERAS, um dos sócios da empresa GAUTAMA, que tem como ramo de atividade a construção civil.

Segundo se pode perceber, o Ministério Público Federal dividiu os supostos criminosos em três grupos, de acordo com o grau de participação e importância, dentro da fictícia 'organização criminosa'.

Na graduação estabelecida pelo Acusador Público, reproduzida pela Autoridade Coatora, o Paciente se enquadraria entre aqueles que tiveram menor participação, o terceiro nível (vide p. 6/69 do Decreto).

'No terceito e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos projetos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São caracterizados como intermediários,' [gizamos]

Dessume-se da referida ordem constritiva da liberdade individual que o Paciente estaria envolvido em estratagemas criminosas para lesar o erário, através de concessões e vantagens para a empresa de engenharia GAUTAMA.

'IV – DA PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIGADOS:

(...)

LUIZ CARLOS CAETANO, Prefeito do Município de Camaçari, juntamente com os outros servidores públicos do Município, foi corrompido pelo grupo e estava à frente dos atos criminosos nos episódios de direcionamento de recursos federais do Ministério das Cidades que favoreceu a empresa GAUTAMA; na qualidade de Prefeito, era o responsável pela assinatura dos convênios e dos contratos administrativos fraudados; recebeu de RODOLPHO VERAS convites para o camarote da GAUTAMA no carnaval de Salvador, além de passeios de lancha, passagens aéreas e hospedagem na cidade do Salvador.' [g.n.]

Muito embora se cuidem de acusações graves, afinal, exige-se do homem público probidade além do comum, in casu, inexistem fatos concretos e determinados que indiquem a sua efetiva participação no denominado 'esquema de corrupção'.

O Decreto Prisional, de lavra da Autoridade Coatora, em suma, aponta que as vantagens mencionadas consistiriam em contratos e convênios fraudados firmados entre a GAUTAMA e o Município de Camaçari, Bahia, e, passeios na lancha, passagens e hospedagens ofertadas por um dos sócios da multicitada empresa.

Entrementes, Eminente Ministro, tais contratos e convênios mencionados em seu édito NÃO EXISTEM, aliás, nem mesmo foram mencionados entre os documentos contidos na representação feita pelo Procurador-Geral da República.

Diga-se mais, o Município de Camaçari, desde que o Paciente assumiu a Prefeitura, não mantém nenhuma relação com a referida empresa.

Frise-se, que a GAUTAMA esteve sim presente na gestão antecedente, cujo alcaide era o Sr. Prefeito JOSÉ EUDORO REIS TUDE, conforme se aduz do Contrato de Obras e serviços celebrada entre o Município de Camaçari e a empresa Construtora GUATAMA – vide documentos encartados. Inclusive este contrato fora fruto da Concorrência Pública 01/99.

Porém, este contrato, objeto da licitação supramencionada, nem mesmo chegou a ser cumprido, visto que a Procuradoria-Geral daquela cidade detectou graves erros na licitação, determinando, assim, a sua REVOGAÇÃO – inclusive, acosta-se o parecer do Procurador-Geral, bem como a publicação no Diário Oficial dos dias 20 a 26 de janeiro de 2007 (docs. 04 e 05)

(...)

O paciente, na qualidade de Prefeito, em atenção a este posicionamento da Procuradoria-Geral do Município, acatou o opinativo e revogou a licitação, em resolução assim publicada no D.O. de 20 a 26 de janeiro de 2007" – (fls. 4-7).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que: "Em relação ao periculum in mora, segundo requisito para a concessão da liminar, é latente a ausência de necessidade da custódia, ressalvando-se a vedação expressa da lei nestes casos" - (fl. 13).

Assim, alegando a não-comprovação dos fatos que estariam a indicar o envolvimento do paciente no "esquema criminoso" e a fundamentação genérica da prisão preventiva "para garantir a ordem pública e econômica, bem como a conveniência da instrução criminal", postula-se a concessão da liminar para que seja determinada a expedição do Alvará de Soltura em favor do Paciente.

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste writ, o impetrante impugna a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido contra o ora Paciente (LUIZ CARLOS CAETANO), afirmando, em síntese, a inexistência de fatos concretos que comprovem o seu envolvimento no suposto "esquema criminoso".

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

"No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas.

A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa, a depender dos interesses do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[...]

LUIZ CARLOS CAETANO;" - (fls. 6/7 da decisão do STJ; fl. 21/22 dos autos).

[...]

"ZULEIDO VERAS, agindo através de RODOLPHO SOARES DE VERAS, JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, JORGE E. DE BARRETO e FLÁVIO HENRIQUE ABDELNUR CANDELOT, corrompeu servidores públicos da cidade de Camaçari, na Bahia, no intuito de direcionar recursos federais do Ministério das Cidades, para obras cuja execução, antes mesmo da assinatura do Convênio entre a Prefeitura e o Ministério, estavam previamente dirigidas à empresa GAUTAMA.

Dentre os servidores públicos municipais destacam-se: LUIZ CARLOS CAETANO, Prefeito de Camaçari, IRAN CESAR DE ARAÚJO E SILVA – Secretário de Obras, EVERALDO JOSÉ DE SIQUEIRA ALVES, Subsecretário de Obras, EDÍLIO PEREIRA NETO, Assessor do Secretário de Obras e ZAQUEU DE OLIVEIRA FILHO.

A atuação delituosa do Superintendente de Produtos de Repasses da Caixa Econômica Federal em Brasília, FLÁVIO PIN, contribuiu para a perpetração dos ilícitos naquele Município.

Segundo o MPF, em abril de 2006, a organização criminosa, através de FLÁVIO CANDELOT, obteve do Ministério das Cidades R$ 9.750.000,00 (nove milhões e setecentos e cinqüenta mil reais) para obras de urbanização no Município de Camaçari. Os áudios revelam que os recursos foram dirigidos ao Município através de RODOLPHO VERAS:" - (fls. 39 da decisão do STJ; fl. 53/54 dos autos).

[...]

"A organização criminosa, através de ZULEIDO VERAS, RODOLPHO VERAS, EDSON FONTENELLE, JORGE BARRETO e FLÁVIO CANDELOT, passou a articular a celebração do convênio entre o Município e o Ministério das Cidades, providenciando a documentação necessária à celebração do acordo, que deveria ser apresentada pelo Município à Caixa Econômica Federal. Incumbe à CEF analisar a viabilidade das propostas selecionadas pelo Ministério das Cidades e a documentação apresentada pelos municípios, bem como fiscalizar o processo de licitação. Os diálogos a seguir reproduzidos demonstram a movimentação do grupo para a concretização desse 'plano de trabalho' (já nos últimos dias do prazo, bem como a absoluta ausência de compromisso da organização criminosa com o interesse público a que os recursos deveriam atender, qual seja: proporcionar melhores condições de moradia à população carente). Inclui, ainda, encontros de ZULEIDO VERAS com o Prefeito de Camaçari, LUIZ CARLOS CAETANO nos dias 09 e 12 de maio de 2007, cuja assinatura era imprescindível na documentação a ser entregue pela Prefeitura à CEF:" - (fl. 40 da decisão do STJ; fl. 54/55 dos autos).

[...]

"Segundo o MPF, nesse caso, o único objetivo do grupo era viabilizar a celebração do convênio entre a Prefeitura e o governo federal para que pudessem, como já predeterminado, executar as obras e embolsar os valores dirigidos ao Município. Tanto o plano de trabalho como o projeto básico foram elaborados sem observâncias das exigências técnicas para obras daquela natureza e sem a mínima preocupação com a qualidade da obra que seria executada.

Auxiliaram na elaboração dos mencionados documentos o assessor do Secretário de Obras, EDÍLIO PEREIRA NETO e o Subsecretario de Obras do Município EVERALDO JOSÉ DE SIQUEIRA ALVES. Diz o MPF que, durante o período, foram registrados encontros entre eles, inclusive com o Secretário de Obras do Município de Camaçari, IRAN CESAR DE ARAÚJO E SILVA, tendo sido captados diversos diálogos onde trataram de detalhes da elaboração dos documentos.

FLÁVIO PIN, Superintendente Nacional de Produtos de Repasses da CEF, ficou incumbindo, dentre outras relevantes funções de interesse da organização criminosa, de analisar a documentação apresentada pelos municípios para a realização do convênio e fiscalizar o processo da licitação junto à Caixa Econômica Federal. A autoridade policial captou vários diálogos em que FLÁVIO PIN orientou FLÁVIO CANDELOT sobre a obtenção dos documentos, de onde depreendeu o MPF que ele agiu consciente de que as obras e os respectivos recursos públicos já estavam destinados à GAUTAMA.

Corroborando essas assertivas, relata o MPF que, em 16.6.2006, o Contrato de Repasse nº 563035 foi assinado entre o Ministério das Cidades e a Prefeitura de Camaçari, no valor total de R$ 11.524.675,57 (onde milhões, quinhentos e vinte e quatro mil, seiscentos e setenta e cinco reais e cinqüenta e sete centavos), sendo R$ 9.750.000,00 (nove milhões e setecentos e cinqüenta mil reais) de recursos federais e R$ 1.774.675,57 (um milhão, setecentos e setenta e quatro mil, seiscentos e setenta e cinco reais e cinqüenta e sete centavos) relativos à contrapartida do Município.

Em contrapartida, os agentes públicos de Camaçari que atuaram nesse episódio receberam de ZULEIDO VERAS e RODOLPHO VERAS, como recompensa, convites para o camarote da GAUTAMA no carnaval de Salvador, passeio de lancha, passagens aéreas e hospedagem na cidade de Salvador, incluindo-se entre os beneficiários o Prefeito LUIZ CARLOS CAETANO, por duas vezes:" - (fls. 40 da decisão do STJ; fl. 54/55 dos autos).

[...]

"Em fevereiro de 2007, quando reiniciadas as interceptações telefônicas dos envolvidos, o grupo já antevia a possibilidade de apropriação de recursos públicos, mais especificamente, do PAC, no valor de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais). Segundo afirmado pelo MPF, esses recursos somente poderiam ser destinados a obras em andamento, tendo a organização criminosa apressado a elaboração de plano de trabalho, de modo a viabilizar a transferência do dinheiro ao Município de Camaçari:" - (fls. 43/44 da decisão do STJ; fl. 57/58 dos autos).

[...]

"A partir das provas colhidas pela autoridade policial, em minucioso trabalho de inteligência, contando-se, para tanto, com as novas técnicas autorizadas em lei na apuração de delitos cometidos por organização criminosa, foi possível apurar o poder de corrupção de um grupo que foi crescendo em número de componentes. Atualmente, acha-se dividido em três níveis organizacionais:

[...]no terceiro e último nível estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, no contexto dos objetivos da organização, têm como principal função remover os óbices que se apresentam na consecução das atividades criminosas. Alguns têm atuação destacada em termos de qualidade participativa, estando sempre presentes, enquanto outros têm participação menos relevante, mais discreta.

O Ministério Público Federal, na peça representativa, bem delineou a participação delitiva dos integrantes do segundo e terceiro níveis, classificando sua atuação em direta e efetiva ou indireta e periférica. Vejamos (fl. 10):

A atuação dos agentes públicos, que compõem o segundo e terceiro níveis da organização, pode ser classificada em direta e efetiva ou periférico e indireto, de acordo com o grau de comprometimento com a atividade-fim. Essa noção é importante também para a compreensão dos atos atribuídos às autoridades com prerrogativa de foro.

Na primeira situação, estão aqueles que, cientes dos fins almejados pela quadrilha, atuam efetiva e intensamente em suas áreas para garantir a prática criminosa. Seus atos são indissociáveis das ações centrais dos demais integrantes da organização criminosa. Na segunda situação, se enquadram os que agem sem compromisso com a atividade desenvolvida pela organização criminosa, envolvendo-se apenas o suficiente e o necessário para atender aos pleitos do grupo, normalmente recebendo em contrapartida vantagem indevida.

Conforme longamente descrito, não foram poucas as licitações fraudadas, obras desviadas de suas finalidades, inconclusas ou só existentes nos papéis públicos; não foi pequeno o volume de recurso liberados a partir de medições adulteradas, fraudadas ou forjadas, com o único intuito de liberar os pagamentos para a organização, práticas ocorridas nos Estados da Bahia, de Sergipe, de Alagoas, do Maranhão, do Piauí, de Mato Grosso e no Distrito Federal" - (fls. 56/57 da decisão do STJ; fl. 70/71 dos autos).

[...]

"No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São categorizados como intermediários.

Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório (fl. 05/06):

... a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos, pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do vínculo do servidor com o grupo criminoso.

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:

[...]

4) LUIZ CARLOS CAETANO, Prefeito do Município de Camaçari, juntamente com outros servidores públicos do Município, foi corrompido pelo grupo e estava à frente dos atos criminosos nos episódios de direcionamento de recursos federais do Ministério das Cidades para execução de obras naquele Município, com fraude à licitação e ao Convênio com o Ministério das Cidades que favoreceu a empresa GAUTAMA; na qualidade de Prefeito, era o responsável pela assinatura dos convênios e dos contratos administrativos fraudados; recebeu de RODOLPHO VERAS convites para o camarote da GAUTAMA no carnaval de Salvador, além de passeios de lancha, passagens aéreas e hospedagem na cidade de Salvador." - (fls. 63/64 da decisão do STJ; fl. 77/78 dos autos).

[...]

"Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

34)LUIZ CARLOS CAETANO;" – (fls. 67/68 da decisão do STJ; fls. 81/82 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva diz respeito ao fato de o ora paciente, na condição de Prefeito, ter assinado convênio e contratos administrativos fraudados.

Além das referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registros de diálogos telefônicos no quais o ora paciente (LUIZ CARLOS CAETANO) é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes citado por outros investigados nos diálogos de no 69, 70, 72 e 75, os quais ocorreram em algumas oportunidades no período compreendido entre maio de 2006 e março de 2007, verbis:

"DIÁLOGO 69:

ZULEIDO pergunta como é que faz para encontrar com 'PREFEITO' (cadastro: Prefeitura de Camaçari), ele diz que vai está em SALVADOR até as 14h00min... ZULEIDO fala que está em SALVADOR também... 'PREFEITO' pede que ZULEIDO ligue as 12h30min que vai encontrá-lo... ZULEIDO fala que tá bom. (09/05/2006 09:06:53)

ZULEIDO liga... PREFEITO pergunta onde ele está ZULEIDO fala que está no escritório, pergunta onde PREFEITO está, ele diz que está na LAYOUT, próximo ao BARBACOA... ZULEIDO pergunta se pode passar lá... PREFEITO fala que é no 1º andar do edifício COSTA ANDRADE... ZULEIDO fala que está indo lá... (09/05/2006 12:22:26)

ZULEIDO diz a TEREZA que está em reunião. TEREZA diz que liga mais tarde. (09/05/2006 12:52:19)

[...]

DIÁLOGO 70:

...ZULEIDO fala que saiu da reunião com CAETANO agora... RODOLPHO diz que se falam pessoalmente... ZULEIDO pergunta se ele está em BRASÍLIA, RODOLPHO diz que está em SÃO PAULO... ZULEIDO fala que com CAETANO foi bem... foi uma reunião com ele sozinho... RODOLPHO fala que está ótimo... ZULEIDO fala "eu tinha botado ontem essa reunião com o JW... então aconteceu hoje meio dia... tô saindo de lá agora...", RODOLPHO pergunta se ficou tudo bem... ZULEIDO diz que foi tudo bem, agora ficou de "arrematar amanhã de tarde uma ligação minha pra ele...", RODOLPHO diz que está combinado... ZULEIDO fala que amanhã "arremata com ele...", diz que ele (CAETANO) falou "... eu não saio sem isso resolvido... eu tenho um compromisso com você... você tá vendo aí meu problema...", RODOLPHO pergunta "e o negócio do MS lá... o que ele queria?... aquela conversa dele, que tinha de ser dele... foi dentro daquela linha?...", ZULEIDO diz que nem falou... nem falou porque "aquilo é inimigo né... é conversa deles lá...", RODOLPHO pergunta se ele justificou o porquê de nada até agora... ZULEIDO diz que não, ele teve vontade de dizer, mas não teve coragem de dizer... ZULEIDO diz que ele (CAETANO) sentou, 'aí eu disse... eu tenho duas coisas pra falar com você, a primeira é que o ... (inaudível) tá do nosso lado e quer resolver... e a segunda, aí eu conversei até com JAQUES... mas eu converso com você amanhã...', RODOLPHO pergunta se só foi isso a conversa... ZULEIDO diz que foi... que não falou nada a mais do que isso... RODOLPHO fala '... então não achei boa, não, pai, porque isso daí é enrolação dele... é o jeito dele...', ZULEIDO fala que não... que não falou mais nada porque não adianta falar mais nada... enquanto ele não chegar para sentar, e disser vamos resolver, não adianta falar... 'naquele outro lado que nós conversamos...', RODOLPHO pergunta se ZULEIDO vai ligar para ele (CAETANO) ou vão se encontrar... ZULEIDO diz que vai encontrar com ele... 'foi muito boa à conversa, eu nunca o vi tão positivo...', RODOLPHO diz ok... (09/05/2006 13:26:56)

[...]

DIÁLOGO 72:

RODOLPHO diz que está chegando em CAMAÇARI, vai pegar o material completo e volta para fazerem....diz 'agora o que eu fico puto da vida...o que me irrita é essa porra...por que tudo na vida faço organizadinho...faço com antecedência...e esse filho da puta vai e faz um negócio desse...foi o primeiro e último negócio que eu fiz com <esse cara>, viu JORGE?' ...diz que passou o material todo pra 'ele' na terça-feira passada e 'ele disse que estava tudo certo...' diz 'isso tem a seguinte sacanagem: ELE, querendo roubar a gente...ELE quer pegar os ONZE MILHÕES e botar em obras dele...contrato DELE fudido que ELE tem lá'... JORGE pergunta 'Você está falando de quem? Você está falando do <pessoal lá> ou do <rapaz que estava aqui?> (possivelmente da empresa SETA, responsável por elaborar o plano de trabalho e indicado por NETO)... RODOLPHO diz '...do rapaz que estava ai...ele quer roubar a gente...o SECRETÁRIO também quer, porque o SECRETÁRIO quer fazer as obrinhas pequenininha dele lá porque ele também tem a EMPREITEIRAZINHA <fudidinha> lá dele...e o PREFEITO está querendo roubar os dois...porque o PREFEITO não vai assinar <porra nenhuma> pra eles...só que eles ainda não sabem disso"... JORGE diz que está preenchendo quase que aleatoriamente com o pouco conhecimento que tem de áreas afins... '...agora, um mínimo de informação eu realmente vou precisar...'.. RODOLPHO diz '...eu vou buscar absolutamente tudo, eu já falei para o SECRETÁRIO aqui...já esculachei todo mundo...já falei com o SECRETÁRIO, ele vai sentar a <bundinha> dele aqui do lado do carro e ele vai comigo em cada ÓRGÃO, a gente vai pegar cada uma das coisas...eu não quero ninguém pegando mais nada...eu mesmo vou com ele... '... JORGE pede pra colocar em contato uma pessoa que possa passar dados (nome, endereço, DDD,...)' ... RODOLPHO diz que não vai usar mais ninguém 'vai ser o SECRETÁRIO...o SECRETÁRIO vai por a <bundinha> dele <suja> aqui, e a gente vai em todos os lugares pegar toda a documentação"... JORGE diz que a parte do PLANO DE TRABALHO propriamente dito ele preenche...diz 'meu problema vão ser as assinaturas e os anexos...então você tem que arrumar uma pessoa que me identifique as coisas que eu estou querendo aqui...' ... RODOLPHO pergunta 'essas informações são do que?'... JORGE diz que vai precisar: nome do município (CAMAÇARI), endereço da prefeitura, DDD da prefeitura, telefone da prefeitura, conta corrente onde vai ser depositado o dinheiro, número da conta corrente , banco, número da agência, praça de pagamento...diz que tem um titular e um segundo partícipe"... RODOLPHO pede pra JORGE anotar o telefone 91680671, do EVERALDO, da SECRETARIA de OBRAS... (15/05/2006 11:47:43)

FONTINELE diz que está saindo para SALVADOR e pergunta se RODOLPHO vai direto pro escritório... RODOLPHO diz que vai direto, vai ficar trabalhando com o JORGE... FONTINELE diz que vai passar lá também, se precisar de alguma ajuda... RODOLPHO diz que ali está tranqüilo... FONTINELE diz "agora...esqueça a casa...vá só pra MACROS-DRENAGEM e coisa que fature"... RODOLPHO diz "não tenha dúvida'... FONTINELE diz que quanto à documentação 'a pessoa é séria, é minha amiga e já está nas mãos dela'... RODOLPHO diz 'eu não acredito, só vou acreditar quando o negócio estiver na minha mão, antes disso não acredito'... FONTINELE diz 'bicho, eu vou pegar no aeroporto... só se o avião cair'...diz 'isso aí pode deixar comigo'... RODOLPHO diz 'tá bom, ok'... (15/05/2006 14:10:26)

...ZULEIDO diz que está no RECIFE... RODOLPHO diz que estava até agora "enchendo o saco" de EVERALDO e do SECRETÁRIO...mas EVERALDO conseguiu a assinatura do CHEFE... RODOLPHO diz que amanhã é só montar a peça e terminar de montar a peça e entregar... ZULEIDO diz "Tem que entregar cedo né RODOLPHO?"... RODOLPHO diz que o limite é 18 horas... ZULEIDO diz 'mas fazer cedo, antes do meio-dia porque se tiver alguma dúvida corrige'... (15/05/2006 22:42:12)

RODOLPHO pergunta se na planta tem referência ao MORRO NOVA VITÓRIA... JORGE diz que não sabe, tem que olhar. RODOLPHO "ele me falou que vai ser no trecho MORRO NOVA VITORIA, alguma coisa, mas eu vou confirmar, então nessa confirmada que ele demorou de me passar, ele já morreu. Então é MORRO NOVA VITÓRIA...". JORGE pergunta se é CAMAÇARI ou afluentes. RODOLPHO diz que perguntou pra ele, o qual respondeu que seria alguma coisa em torno do MORRO NOVA VITÓRIA, mas qualquer dificuldade faz em QUALQUER LUGAR aí. JORGE diz que realmente está partindo para isso. RODOLPHO '...porque a gente tem que estar com isso pronto na hora do almoço para a gente poder corrigir qualquer deslizes, falhazinha que tenha cometido... JORGE diz que com certeza vai sair deslizes, que está trabalhando pra não perder, mas tudo 'arrumadinho' não vai sair...RODOLPHO diz que tem que ter tempo para corrigir. (16/05/2006 09:06:24)

[...]

DIÁLOGO 75:

TEREZA informa que ZAQUEU está pedindo passagens para o PREFEITO, SALVADOR-BRASÍLIA-SALVADOR, indo amanhã (quarta-feira 14/3) e voltando na sexta (16/3), bem como estadia em hotel no período de quarta a sexta; até já teria indicado GOL como empresa preferida, mas não o hotel, então será escolhido algum baratinho. RODOLPHO diz que deve ser um bem barato. TEREZA comenta que até 'late check out' (multa por sair depois do prazo da diária em hotel) eles pedem para empresa pagar. RODOLPHO comenta que são "caras-de-pau". (13/03/2007 14:18:54)

TEREZA informa que ZAQUEU está pedindo passagem (de vôo) novamente, bem como hospedagem, para ele e para o PREFEITO (de SÃO FRANCISCO DO CONDE, ANTÔNIO CALMON), de terça a quinta (27 a 29/3), dentro daquele padrão já determinado. RODOLPHO anui e pergunta quanto estão custando tais pedidos. TEREZA diz que seriam R$ 600 mais passagens; comenta que ZAQUEU tirou um bilhete por conta própria na semana passada, pois queria mudança de vôo (não efetivada); estaria aproveitando agora 'uma perna' que ele não usou na semana passada; (ZAQUEU) estaria achando ótimo hotel que propuseram, o qual teria diárias com metade do preço das daquele que pretendia" - (fls. 67/68 da decisão do STJ; fls. 41-44 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente nos diálogos referidos (69, 70, 72 e 75) o ora paciente é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes, citado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (LUIS CARLOS CAETANO), verbis:

"Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.

Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.

Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.

Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

34) LUIZ CARLOS CAETANO;" – (fls. 67/68 da decisão do STJ; fls. 81/82 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: "segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República" - (fls. 67 da decisão do STJ; fls. 81 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (LUIZ CARLOS CAETANO) é indicado e mencionado nos diálogos interceptados a partir do mês de fevereiro de 2007. A rigor, dos documentos constantes dos autos e/ou referidos pela decisão impugnada, a suposta participação do referido investigado está compreendida entre maio de 2006 e março de 2007.

Entretanto, um elemento que me parece decisivo corresponde ao fato de que tais menções não imputam necessariamente a prática de atos delituosos à pessoa do Prefeito.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à
plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, ressalto que o paciente LUIZ CARLOS CAETANO teve contra si ato judicial que não indicou fatos concretos que, ao menos em tese, associam-se ao investigado e que justificariam a prisão preventiva nos termos do art. 312 do CPP.

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Publique-se.

Brasília, 22 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.427-6 BAHIA

RELATOR MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES

IMPETRANTE(S) JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES, em que se impugna prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é advogado e atualmente desempenha a função de secretário de infra-estrutura do Estado de Alagoas. A prisão preventiva foi decretada pelo suposto envolvimento do investigado com a "associação criminosa" em apuração nos autos do referido inquérito, sob a acusação de que teria recebido vantagem indevida de Zuleido Veras para liberação de recursos públicos, independentemente da mediação de obras e de que passou a relacionar-se com o grupo criminoso a partir de junho de 2006, em razão de amizade que mantinha com Bolívar Saback, quando tomou posse no cargo secretário de infra-estrutura do Estado de Alagoas.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido
(fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese:

"O fumus boni iuris resta configurado na comprovada inexistência de fundamentação idônea no decreto de prisão preventiva, pois não se aponta fatos concretos que demonstrem seja necessária a aplicação da medida extrema, que se constitui, na hipótese em comento, em atentado ao 'direito à liberdade'" – (fl. 08).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que:

"O periculum in mora reside na circunstância de que o paciente se encontra preso e em não se concedendo a liminar postulada, a lesão ao seu sagrado direito da liberdade continuará se efetivando a cada dia, por força de decreto que se demonstra, de plano, desprovido de fundamentação idônea" - (fl. 08).

Com base nessa argumentação, a inicial postula "a concessão da medida liminar para o fim de restituir-se imediatamente a liberdade do paciente, fazendo cessar os efeitos do decreto de prisão preventiva, até o julgamento definitivo do writ of habeas corpus" - (fl. 08).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste habeas corpus, impugna-se, em síntese, a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido em face do ora Paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES).

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

"No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas.

A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa, a depender dos interesses do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[...]

9) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES;" - (fl. 06 da decisão do STJ; fl. 15 dos autos).

"Segundo expõe o MPF, os fatos passados no Estado de Alagoas são muito semelhantes aos ocorridos no Estado do Maranhão.

Aqui, a organização criminosa vinha executando obra pública e para obter a liberação de recursos relativos às medições irregulares corromperam servidores públicos lotados na Secretaria de Infra-Estrutura do Estado, envolvendo-se nas negociações por parte da GAUTAMA ZULEIDO VERAS, e seus empregados BOLÍVAR RIBEIRO SABACK, ABELARDO LOPES FILHO, ROSEVALDO PEREIRA MELO e MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, enquanto figuram do lado do Estado DENISSON DE LUNA TENÓRIO, à época Diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado de Alagoas, e MÁRCIO FIDELSON MENEZES GOMES, Secretário de Infra-Estrutura do Estado, com o auxílio do servidor ERNANI SOARES GOMES FILHO, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atualmente cedido à Câmara dos Deputados" – (fl. 20 da decisão do STJ; fl. 29 dos autos).

"Com a posse do novo Secretário de Infra-Estrutura, MÁRCIO FIDELSON, em 19 de junho de 2006, valeu-se o grupo da amizade que tinha BOLÍVAR SABACK com ele para integrá-lo ao esquema.

[...]

Os integrantes da organização criminosa, por intermédio de MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, que vai a Maceió para solucionar o impasse, oferecem vantagem indevida a MÁRCIO FIDELSON e a DENISSON TENÓRIO para que o primeiro liberasse os recursos independentemente de aprovação da medição e, o segundo, para que emitisse parecer favorável à aprovação da medição, o que efetivamente aconteceu, tendo o grupo recebido o pagamento de R$ 2.500.000,00, no dia 05 de julho de 2006.

[...]

Para viabilizar o pagamento da propina, foi adotado o mesmo esquema já referido com relação ao Estados do Maranhão. No dia 07 de julho de 2006, FLORÊNCIO VIEIRA sacou R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, entregando-os a FÁTIMA PALMEIRA em Brasília, que foi pessoalmente a Maceió fazer a entrega a MÁRCIO FIDELSON e DENISSON TENÓRIO" - (fl.21 da decisão do STJ; fl. 30 dos autos).

"No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São categorizados como intermediários.

Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório (fl. 05/06):

... a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos, pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do vínculo do servidor com o grupo criminoso.

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:

[...]

9) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES, Secretário de Infra-estrutura do Estado de Alagoas, passou a relacionar-se com o grupo criminoso a partir de junho de 2006, em razão de amizade que mantinha com BOLÍVAR SABACK, quando tomou posse no cargo; recebeu vantagem indevida de ZULEIDO VERAS para liberação de recursos públicos, independentemente da mediação das obras" - (fls. 59/60 da decisão do STJ; fls. 70/71 dos autos).

"Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

39) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES;" - (flS. 63/64 da decisão do STJ; fl. 74/75 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato de que o investigado, na condição de secretário de infra-estrutura do Estado do Alagoas, teria recebido vantagem indevida de ZULEIDO VERAS para liberação de recursos públicos; bem como teria passado a relacionar-se com o grupo criminoso a partir de junho de 2006, em razão de amizade que mantinha com BOLÍVAR SABACK, quando tomou posse no cargo de secretário de infra-estrutura do Estado de Alagoas.

Além dessas referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registros de diálogos telefônicos no quais o ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES) é citado por outros investigados no diálogo de no 27, ocorrido em oportunidade durante o mês de julho de 2006, verbis:

"DIÁLOGO 27:

BOLÍVAR diz a FÁTIMA que estava com ROSEVALDO na sala quando entrou o amigo do mesmo, que assina a OB (MARCIO), e entregou a ROSE um papel com 'a quantidade de XEROX que tem que repassar no processo', lembrando-o de que não podia haver furo; diz que, de fato, o cara fez tudo o que tinha sido combinado; diz que atrasou um pouco por causa da viagem de DENISSON, mas foi feito; diz que ele colocou 'a referência' no papel e disse: 'ROSE, isso aqui não pode deixar de acontecer'; BOLIVAR diz que ficou acertado de que seria o pedido 'seria enviado pelo correio no prazo de dez a quinze dias, para não ficar muito apertado'. (05/07/2006 15:17:40)

ROSE diz que quando foi com BOLIVAR pegar a OB (ORDEM BANCÁRIA), MÁRCIO passou o papel da quantidade de 'XEROX' e perguntou quando poderiam entregar isso e como fazem. ROSE diz que disse ao MÁRCIO que isso era como 'fio de bigode' - entre dez a quinze dias poderia repassar (05/07/2006 15:26:47)" – (fl. 21 da decisão do STJ; fl. 30 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente no diálogo referido (27) o ora paciente é apenas citado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES), verbis:

"Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.

Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.

Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.

Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

39) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES;" – (fls. 62-65 da decisão do STJ; fls. 72-75 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: "segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República" - (fls. 66 da decisão do STJ; fls. 76 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES) não foi indicado, mencionado, nem sequer descrito como um dos interlocutores dos diálogos interceptados a partir do mês de fevereiro de 2007. A rigor, dos documentos constantes dos autos e/ou referidos pela decisão impugnada, a participação do referido investigado cinge-se estritamente ao período de julho de 2006.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à
plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, o paciente MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENES GOMES teve contra si ato judicial que não indica fatos concretos que, ao menos em tese, justificariam a prisão preventiva prevista nos termos do art. 312 do CPP.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário "paralisar a atuação da organização criminosa [...] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC" – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENES GOMES), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente e a iminente atuação da suposta "organização criminosa" a partir das interceptações de diálogos ocorridas a partir do mês de fevereiro de 2007.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENES GOMES) diz respeito ao elemento de que não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre os fatos imputados ao paciente no período de julho de 2006 e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 22 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.392-0 BAHIA

RELATOR MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE

IMPETRANTE(S) FERNANDO SANTANA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE, em que se impugna prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é servidor aposentado do Departamento de Transportes da Bahia e, atualmente, desempenha a atividade de empresário. A prisão preventiva foi decretada pelo suposto envolvimento do investigado com a "associação criminosa" em apuração nos autos do referido inquérito, sob a acusação de que teria atuado junto aos sócios da GAUTAMA e da Prefeitura da Camaçari para desviar verbas públicas do Ministério das Cidades.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido
(fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, afirmando-se que "não se encontrou um único documento idôneo à comprovação das imputações feitas ao paciente [...]" (fl. 04). Os argumentos da inicial encontram-se assim sintetizados:

"[...] foram decretadas prisões preventivas de quarenta e sete pessoas e a ilustrada ministra, relembrando a odiosa e medieval figura do juiz inquisidor, não se deu sequer ao trabalho de especificar e descrever inequivocamente as condutas do paciente – restringindo-se a relatar que o mesmo supostamente atuou de maneira ilícita no caso relativo ao Município de Camaçari-BA. Todavia, ao final, considerou equivocadamente que o paciente estaria envolvido numa organização criminosa, ainda atuante! Não se preocupou, entretanto, de mencionar como, quando, onde, com quem, de que forma, enfim, não gizou uma única linha a respeito da conduta do paciente.

[...]

Em princípio, não se pode olvidar de que a ministra relatora tão-somente fez uma exposição genérica acerca de supostas condutas criminosas do paciente, não tendo a cautela e a atenção exigidas legalmente da imputação de um crime a alguém. É nítida a violação aos princípios basilares do contraditório e da ampla defesa, visto que o paciente nem mesmo sabe ao certo do que se defender de forma plena.

[...]

O paciente, como mencionado, é primário e possuidor de bons antecedentes, não havendo qualquer circunstância concreta a apontar a probabilidade de reiteração da conduta delituosa. Ao contrário, concedida a ordem de soltura, voltará o paciente ao regaço do seu lar e retomará sua vida normal, voltando-se para o tratamento de seus problemas de saúde, respondendo em liberdade ao processo criminal contra si eventualmente instaurado.

Ainda na análise das situações legais de risco à persecução penal, vê-se que a liberdade do paciente não trará qualquer obstáculo ao regular curso da instrução criminal ou mesmo à eventual aplicação de pena" – (fls. 7-14).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), além de indicar o fato de que o paciente é maior de 60 anos (fl. 27), a defesa argumenta que:

"Vislumbra-se, outrossim, a caracterização do periculum in mora, tendo em vista que, embora a ação de habeas corpus ostente uma tramitação mais célere do que as demais, ainda assim será preciso o decurso de algumas semanas até que a autoridade coatora preste suas informações, o Ministério Público exare o seu parecer, sem falar nos atos cartoriais que entremeiam esse procedimento. Nesse tempo, o paciente poderá permanecer injustamente privado do convívio com suas famílias, deixando, inclusive, de trabalhar. No particular, Alberto Silva Franco assevera que a lesão ao direito de liberdade é sempre imediata, real, consumada, sem nenhuma possibilidade de reparação, e nisso reside o perigo da demora em se aguardar o provimento final" - (fl. 23).

Com base nessa argumentação, postula-se "a concessão, em caráter LIMINAR, da ordem de habeas corpus, dada a inequívoca presença dos requisitos autorizadores da medida, quais sejam, o fumus boni juris (plausibilidade jurídica do pedido) e o periculum in mora (risco de dano de impossível reparação)" - (fl. 24).

Passo a decidir o pedido de medida liminar.

Neste habeas corpus, impugna-se, em síntese, a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido em face do ora Paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE).

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

"No segundo nível da organização estão os auxiliares e intermediários que, mediante recebimento de vantagem indevida, utilizam-se de influência pessoal para convencer agentes públicos na prática de atos que ajudam a organização criminosa a alcançar seus objetivos ilícitos, contactando-os com vista à prática de atos de ofício ou para intermediação de pagamento de propina. São eles:

[...]

4) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE" - (fls. 5 da decisão do STJ; fl. 36 dos autos).

"JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE é empresário e, juntamente com RODOLPHO VERAS, filho de ZULEIDO, contribuiu para que o Município de Camaçari fosse beneficiado com recursos oriundos do Ministério das Cidades, destinados a obras de urbanização do Município" - (fls. 6 da decisão do STJ; fl. 37 dos autos).

"ZULEIDO VERAS, agindo através de RODOLPHO soares VERAS, JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, JORGE E. DE BARRETO e FLÁVIO HENRIQUE ABDELNUR CANDELOT, corrompeu servidores públicos da cidade de Camaçari, na Bahia, no intuito de direcionar recursos federais do Ministério das Cidades, para obras cuja execução, antes mesmo da assinatura do Convênio entre a Prefeitura e o Ministério, estavam previamente dirigidas à empresa GAUTAMA.

[...]

A organização criminosa, através de ZULEIDO VERAS, RODOLPHO VERAS, EDSON FONTENELLE, JORGE BARRETO e FLÁVIO CANDELOT, passou a articular a celebração do convênio entre o Município e o Ministério das Cidades, providenciando a documentação necessária à celebração do acordo, que deveria ser apresentada pelo Município à Caixa Econômica Federal. Incumbe à CEF analisar a viabilidade das propostas selecionadas pelo Ministério das Cidades e a documentação apresentada pelos municípios, bem como fiscalizar o processo de licitação. Os diálogos a seguir reproduzidos demonstram a movimentação do grupo para a concretização desse 'plano de trabalho' (já nos últimos dias do prazo, bem como a absoluta ausência de compromisso da organização criminosa com o interesse público a que os recursos deveriam atender, qual seja: proporcionar melhores condições de moradia à população carente). Inclui, ainda, encontros de 12 de maio de 2007, cuja assinatura era imprescindível na documentação a ser entregue pela Prefeitura à CEF" - (fls. 39/40 da decisão do STJ; fl. 70/71 dos autos).

"Integrando o segundo nível da organização criminosa apresentou o MPF onze membros, os quais estão agrupados entre si por identidade participativa: são auxiliares e intermediários que, mediante o recebimento de vantagem indevida, valem-se da influência que possuem para convencer os agentes públicos à prática dos atos necessários a que a organização criminosa alcance os seus objetivos ilícitos. São os empresários e agentes públicos que se interpõem, quando necessários, no contato com os agentes públicos, seja para obter a prática do ato de ofício, seja para intermediar o pagamento de propina. São eles:

[...]

4) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, empresário que atuou ao lado de RODOLPHO VERAS para possibilitar a escolha do Município de Camaçari como beneficiário de recursos oriundos do Ministério das Cidades, para aplicação em obras de urbanização do Município; juntamente com RODOLPHO SOARES DE VERAS, JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, JORGE E. DE BARRETO e FLÁVIO HENRIQUE ABDELNUR CANDELOT, corrompeu servidores públicos na cidade de Camaçari e participou da elaboração do plano de trabalho e do projeto básico que a Prefeitura daquele Município deveria entregar à CEF para obtenção daqueles recursos" – (fls. 59-61 da decisão do STJ; fl. 90-92 dos autos).

"Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

21) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE;" – (fls. 59-61 da decisão do STJ; fls. 97/98 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato de o investigado, na condição de empresário, teria atuado conjuntamente com RODOLPHO VERAS para possibilitar a escolha do Município de Camaçari/BA como beneficiário de recursos oriundos do Ministério das Cidades, para aplicação em obras de urbanização do Município; bem como ter corrompido servidores públicos municipais, e participado da elaboração do plano de trabalho e do projeto básico que a Prefeitura do referido Município deveria entregar à CEF para obtenção de recursos.

Além dessas referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registros de diálogos telefônicos no quais o ora paciente (JOSÉ EDSON VASCONCELLOS FONTENELLE) é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes, citado por outros investigados nos diálogos de no 71 e 72, ambos ocorridos em algumas oportunidades durante o mês de maio de 2006, verbis:

"DIÁLOGO 71:

CLAUDIO pergunta "com relação ao PLANO DE TRABALHO de CAMAÇARI, quem é que está fazendo?"... RODOLPHO diz que é um pessoal nosso... CLAUDIO diz que é pra tirar algumas dúvidas...que o 'nosso prazo é até terça-feira'... RODOLPHO diz que é terça-feira, dia 16... CLAUDIO diz que o PLANO DE TRABALHO já está disponível na INTERNET... é só pra fazer um acompanhamento.... RODOLPHO diz pra CLAUDIO dar uma ligada no 99714143... diz que cobrou dele ontem e 'ELE' disse que estava tudo encaminhado... diz que conversou com o SECRETÁRIO DE OBRAS e ele disse que estava faltando algumas poucas informações pro convênio... que o 'cara' do convênio não tinha na hora mas que ia buscar e que hoje ia estar tudo pronto... CLAUDIO pergunta de quem é esse telefone que RODOLPHO deu.... RODOLPHO diz que é de FONTINELI... CLAUDIO diz que tem que dar entrada no PLANO DE TRABALHO na CAIXA ECONÔMICA... RODOLPHO diz que pode cobrar dele, que pode 'apertar' ele à vontade... diz que vai conversar com ele (FONTINELI) hoje às três horas da tarde... (12/05/2006 12:11:07)

...RODOLPHO pergunta se falou com FONTENELLE... CLAUDIO diz que falou e que está tudo esquematizado... diz que o PLANO DE TRABALHO já está pronto...diz que já orientou ele (FONTENELLE) onde ele tem que dar entrada... diz que 'ele' está dando entrada na segunda-feira de manhã e aí vai passar o protocolo... RODOLPHO diz que vai conferir pra ver se ele está dando entrada com preço corrigido... diz que JORGE está fora.., mas que segunda-feira de manhã fazem isso. CLAUDIO diz que o 'nosso prazo é até terça-feira'... RODOLPHO diz que falou que era segunda porque 'esse cabra é mole pra caramba'... (12/05/2006 15:09:59)

FONTENELLE diz que o mais importante não falou, que 'depois de tudo pronto tem que pegar a assinatura do CHEFÃO'... FONTENELLE diz 'aí a gente combina eu e você como vamos, usar o MORENO, o que for...'. (15/05/2006 10:26:30)

FONTENELLE diz 'já estive com o ALMEIDA aqui...to aqui esperando...ele não tinha se mexido porra nenhuma...e em quinze minutos eu estou com o CD completo e me <pico> pra aí...'... RODOLPHO diz 'eu já estou indo pra aí, tá?'... FONTINELE pergunta pra que... RODOLPHO diz que vai pegar todo o material 'que não tem nada, absolutamente nada'... FONTINELE diz que está pegando tudo com a QUADRANTE... RODOLPHO diz que vai botar o EVERALDO no carro vai 'botar a bundinha do Everaldo aqui no meu lado, e a gente vai em todos os lugares pegar cada documentação'... RODOLPHO diz que 'eles estão achando que é brincadeira'... FONTENELLE diz 'brincadeira não...' ... RODOLPHO diz 'eles estão querendo pegar esses onze milhões pra fazer outras coisas...eles devem estar com interesse de fazer outra coisa'...diz que está correndo atrás, vai pegar o material todo e vai fazer absolutamente tudo... (15/05/2006 11:43:54)

DIÁLOGO 72:

"RODOLPHO diz que está chegando em CAMAÇARI, vai pegar o material completo e volta para fazerem....diz 'agora o que eu fico puto da vida...o que me irrita é essa porra... por que tudo na vida faço organizadinho... faço com antecedência... e esse filho da puta vai e faz um negócio desse... foi o primeiro e último negócio que eu fiz com <esse cara>, viu JORGE?'... diz que passou o material todo pra 'ele' na terça-feira passada e 'ele' disse que estava tudo certo... diz 'isso tem a seguinte sacanagem: ELE, querendo roubar a gente...ELE quer pegar os ONZE MILHÕES e botar em obras dele...contrato DELE fudido que ELE tem lá'... JORGE pergunta 'Você está falando de quem? Você está falando do pessoal lá' ou do 'rapaz que estava aqui?' (possivelmente da empresa SETA, responsável por elaborar o plano de trabalho e indicado por NETO)... RODOLPHO diz '...do rapaz que estava aí... ele quer roubar a gente... o SECRETÁRIO também quer, porque o SECRETÁRIO quer fazer as obrinhas pequenininha dele lá porque ele também tem a EMPREITEIRAZINHA <fudidinha> lá dele...e o PREFEITO está querendo roubar os dois...porque o PREFEITO não vai assinar <porra nenhuma> pra eles... só que eles ainda não sabem disso'... JORGE diz que está preenchendo quase que aleatoriamente com o pouco conhecimento que tem de áreas afins... '...agora, um mínimo de informação eu realmente vou precisar...' .. RODOLPHO diz '...eu vou buscar absolutamente tudo, eu já falei para o SECRETÁRIO aqui...já esculachei todo mundo...já falei com o SECRETÁRIO, ele vai sentar a <bundinha> dele aqui do lado do carro e ele vai comigo em cada ÓRGÃO, a gente vai pegar cada uma das coisas... eu não quero ninguém pegando mais nada... eu mesmo vou com ele...' ... JORGE pede pra colocar em contato uma pessoa que possa passar dados (nome, endereço, DDD,...)... RODOLPHO diz que não vai usar mais ninguém 'vai ser o SECRETÁRIO...o SECRETÁRIO vai por a <bundinha> dele <suja> aqui, e a gente vai em todos os lugares pegar toda a documentação'... JORGE diz que a parte do PLANO DE TRABALHO propriamente dito ele preenche...diz 'meu problema vão ser as assinaturas e os anexos... então você tem que arrumar uma pessoa que me identifique as coisas que eu estou querendo aqui...'... RODOLPHO pergunta 'essas informações são do que?'... JORGE diz que vai precisar: nome do município (CAMAÇARI), endereço da prefeitura, DDD da prefeitura, telefone da prefeitura, conta corrente onde vai ser depositado o dinheiro, número da conta corrente, banco, número da agência, praça de pagamento... diz que tem um titular e um segundo partícipe'... RODOLPHO pede pra JORGE anotar o telefone 91680671, do EVERALDO, da SECRETARIA de OBRAS... (15/05/2006 11:47:43)

FONTINELE diz que está saindo para SALVADOR e pergunta se RODOLPHO vai direto pro escritório... RODOLPHO diz que vai direto, vai ficar trabalhando com o JORGE... FONTINELE diz que vai passar lá também, se precisar de alguma ajuda... RODOLPHO diz que ali está tranqüilo... FONTINELE diz 'agora... esqueça a casa... vá só pra MACROS-DRENAGEM e coisa que fature'... RODOLPHO diz 'não tenha dúvida'... FONTINELE diz que quanto à documentação 'a pessoa é séria, é minha amiga e já está nas mãos dela'... RODOLPHO diz 'eu não acredito, só vou acreditar quando o negócio estiver na minha mão, antes disso não acredito'... FONTINELE diz 'bicho, eu vou pegar no aeroporto... só se o avião cair'... diz 'isso aí pode deixar comigo'... RODOLPHO diz 'tá bom, ok'... (15/05/2006 14:10:26)" – (fls. 41/42 da decisão do STJ; fls. 72/73 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente nos diálogos referidos (71 e 72) o ora paciente é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes, citado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE), verbis:

"Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.

Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.

Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.

Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

21) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE;" – (fls. 59-61 da decisão do STJ; fls. 97/98 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: "segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República" - (fls. 66 da decisão do STJ; fls. 97 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE) não foi indicado, mencionado, nem sequer descrito como um dos interlocutores dos diálogos interceptados a partir do mês de fevereiro de 2007. A rigor, dos documentos constantes dos autos e/ou referidos pela decisão impugnada, a participação do referido investigado cinge-se estritamente ao período de maio de 2006.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à
plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, o paciente JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE teve contra si ato judicial que não indica fatos concretos que, ao menos em tese, justificariam a prisão preventiva prevista nos termos do art. 312 do CPP.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário "paralisar a atuação da organização criminosa [...] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC" – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente e a iminente atuação da suposta "organização criminosa" a partir das interceptações de diálogos ocorridas a partir do mês de fevereiro de 2007.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE) diz respeito ao elemento de que não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre os fatos imputados ao paciente no período de maio de 2006 e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 22 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Revista Consultor Jurídico, 23 de maio de 2007