Luiz Antonio Costa de Santana

sexta-feira, agosto 24, 2007

Rumos do mensalão

Casos do STF mostram quando denúncia deve ser aceita

por Maria Fernanda Erdelyi

O Supremo Tribunal Federal tem posicionamento claro sobre quando uma denúncia deve ser aceita. Dois julgamentos, de plenário e de turma, mostram categoricamente que ela apenas pode ser aceita se estiver apoiada em elementos probatórios mínimos e não em mera presunção.

"A imputação penal – que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador – deve apoiar-se em base empírica idônea", definiu o ministro Celso de Mello no voto que conduziu a Corte para rejeitar, por unanimidade, denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o deputado federal Francisco Otávio Beckert, conhecido como Chico da Princesa (PL-PR). O parlamentar era acusado de crime de corrupção eleitoral por compra de voto.

Na ocasião do julgamento, em setembro de 2006, o relator do caso explicou que a denúncia oferecida pelo MP baseou-se apenas no relato de uma única testemunha sobre a suposta compra de voto feita pelo parlamentar. Lembrou, ainda, que a testemunha só fez a acusação contra o deputado federal no segundo depoimento que prestou à Polícia sem ter esclarecido como o fato ocorreu.

"Não há justa causa para a instauração de persecução penal, se a acusação não tiver, por suporte legitimador, elementos probatórios mínimos, que possam revelar, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime", concluiu Celso de Mello.

Em outra ocasião, a 1ª Turma, composta por cinco ministros, concedeu Habeas Corpus para acusado de estelionato. A Turma entendeu que não cabe ao Poder Judiciário pressupor ou tecer conjecturas sobre a prática de eventual crime, mas sobre a ausência de provas cabais. Segundo o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, a denúncia era inepta. "A denúncia, como se vê, abriga mera presunção no tocante à prática de estelionato pelos pacientes", afirmou em seu voto.

No início do julgamento do mensalão, na manhã de quarta-feira (22/8), o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, em contundente sustentação oral defendeu a "existência e eficiência" de sistema de repasse de valores a parlamentares. "Todos os denunciados participaram das ações descritas na denúncia", argumentou o procurador. "A farta distribuição de recursos é fartamente provado", ressalta. Para ele, os denunciados tiveram comportamento típico de membros do "submundo do crime".

"Os autos revelam de forma incontroversa os repasses, especialmente para parlamentares, de elevadas quantias em espécie, muitas vezes entregues em hotéis, a beneficiários que nem conferiam os altos valores recebidos, dinheiro acondicionado em pastas, sacolas e em envelopes de grande porte, valores depositados em conta no exterior não declarada mediante a utilização de doleiros e de empresa offshore", argumentou.

Em seu papel, a defesa dos acusados de participar do esquema sustentou a inépcia da denúncia. Alegaram ausência de provas, falta de individualização de conduta e ilações de sobra.

Conheça os casos julgados no STF:

Julgamento em plenário

INQUÉRITO 1.978-0 PARANÁ

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDICIADO(A/S): FRANCISCO OCTÁVIO BECKERT OU CHICO DA PRINCESA

ADVOGADO(A/S): ALEXANDRE BRANDÃO HENRIQUES MAIMONI E OUTROS

E M E N T A: SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO DE CORRUPÇÃO ELEITORAL (CE, ART. 299) – FORMULAÇÃO DE DENÚNCIA SEM APOIO EM ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS – IMPUTAÇÃO CRIMINAL DESVESTIDA DE SUPORTE MATERIAL IDÔNEO – INADMISSIBILIDADE – CONTROLE JURISDICIONAL PRÉVIO DA PEÇA ACUSATÓRIA – NECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE CONVICÇÃO MÍNIMOS QUE AUTORIZEM A ABERTURA DO PROCEDIMENTO PENAL EM JUÍZO – AUSÊNCIA, NO CASO, DE BASE EMPÍRICA QUE DÊ CONSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO CRIMINAL – DENÚNCIA REJEITADA.

- A imputação penal – que não pode constituir mera expressão da vontade pessoal e arbitrária do órgão acusador – deve apoiar-se em base empírica idônea, que justifique a instauração da "persecutio criminis", sob pena de se configurar injusta situação de coação processual, pois não assiste, a quem acusa, o poder de formular, em juízo, acusação criminal desvestida de suporte probatório mínimo.

- O processo penal condenatório – precisamente porque não constitui instrumento de arbítrio e de opressão do Estado – representa, para o cidadão, expressivo meio de conter e de delimitar os poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da atividade de persecução penal. O processo penal, que se rege por padrões normativos consagrados na Constituição e nas leis, qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu, a quem não podem ser subtraídas as prerrogativas e garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico do Estado. Doutrina. Precedentes.

- Não há justa causa para a instauração de persecução penal, se a acusação não tiver, por suporte legitimador, elementos probatórios mínimos, que possam revelar, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime. Não se revela admissível, em juízo, imputação penal destituída de base empírica idônea, ainda que a conduta descrita na peça acusatória possa ajustar-se, em tese, ao preceito primário de incriminação.

- Impõe-se, por isso mesmo, ao Poder Judiciário, rígido controle sobre a atividade persecutória do Estado, notadamente sobre a admissibilidade da acusação penal, em ordem a impedir que se instaure, contra qualquer acusado, injusta situação de coação processual.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em rejeitar a denúncia, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Falou pelo indiciado o Dr. Alexandre Brandão Henriques Maimoni.

Brasília, 13 de setembro de 2006.

CELSO DE MELLO - RELATOR

Julgamento da 1ª Turma

HABEAS CORPUS 88.344-3 PERNAMBUCO

RELATOR : MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACIENTE(S): FÁBIO FIORENZANO DE ALBUQUERQUE

PACIENTE(S): ORLANDO FIORENZANO DE ALBUQUERQUE

IMPETRANTE(S): JOSÉ AUGUSTO BRANCO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE E ILEGITIMIDADE DE PARTE. MEDIDA EXCEPCIONAL. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. ESTELIONATO. CONCURSO DE PESSOAS. DOLO ESPECÍFICO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA.

I – Reputa-se inepta a denúncia quando os fatos imputados aos pacientes não configuram, prima facie, crime.

II – Não cabe ao Poder Judiciário pressupor ou tecer conjecturas sobre a prática de eventual crime, mas sobre a ausência de provas cabais.

III – A abertura de sociedade empresária, por si só, representa o exercício lícito de um direito, assegurado a todos os cidadãos.

IV – Ordem concedida.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 12 de dezembro de 2006.

RICARDO LEWANDOWSKI - RELATOR

Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2007

terça-feira, agosto 21, 2007

Sobre a obrigação de o juiz receber advogados

Texto extraído do Jus Navigandi

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10297

Gabriel Napoleão Velloso Filho

diretor da Anamatra (Conselho Fiscal), diretor de Prerrogativas da Amatra 8, desembargador Federal do Trabalho da 8ª Região (PA)

O debate persiste na comunidade jurídica acerca da amplitude da obrigação de o juiz receber advogados. A questão se acirrou com a decisão proferida, monocraticamente, pelo Conselheiro Marcus Faver, juiz de carreira desde 1969, Desembargador e ex-Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo mandato encerrou-se em junho passado.

Segundo o Conselheiro, "NÃO PODE o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente. A condicionante de só atender ao advogado quando se tratar de medida que reclame providencia urgente apenas pode ser invocada pelo juiz em situação excepcionais, fora do horário normal de funcionamento do foro (...) O magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa" (grifos do original).

A meu ver, a decisão atrita com o Regimento do Conselho Nacional de Justiça, a Lei Orgânica da Magistratura, o Estatuto da Advocacia e a Constituição Federal, embora somente possa produzir efeitos em relação ao consulente, como passarei a expor.


 

1. DA VIOLAÇÃO AO REGIMENTO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Pelo Regimento do CNJ, compete ao Relator "decidir os incidentes que não dependerem de pronunciamento do Plenário, bem como fazer executar as diligências necessárias ao julgamento do processo (art. 45)".Por outro lado, compete ao Plenário " o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura", (...): "zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências " e " receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência concorrente dos tribunais, decidindo pelo arquivamento ou instauração do procedimento disciplinar" (art. 19).

O argumento do relator para subtrair do Plenário a decisão da matéria é simples: " A presente consulta envolve questão de extrema singeleza, claramente explicitada em texto legal expresso, razão pela qual a respondo monocráticamente, sem necessidade de submissão ao Plenário".

A meu ver, não há previsão legal do regimental para a decisão monocrática, já que é matéria que se encontra, sem sombra de dúvida, dentre as atribuições do Plenário do Conselho Nacional de Justiça. Ademais, bem ao contrário, o debate atual mostra que a questão não é simples e envolve interpretação sensível e conforme a LOMAN e a Constituição.


 

2. DA VIOLAÇÃO À LOMAN E AOS PRECEDENTES DO STJ

O que entende o STJ é que o Juiz não pode estabelecer, mediante portaria, horário específico para atendimento a advogados. O relator foi bem além, estatuindo que "O magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho".

Com certeza, a conseqüência extraída pelo Conselheiro não está nos precedentes apresentados, que se limitam a considerar ilegais as portarias que fixam horário para recebimento de patronos.

Tampouco o dever está na LOMAN, que enuncia como dever do Magistrado "tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência". A Lei Complementar não estabelece o dever de paralisar o trabalho em sentenças ou audiências, nem de permanecer durante todo o expediente no foro, à espera de advogados que queiram ser atendidos.

A conclusão do Exmo. Conselheiro não tem base nos precedentes do STJ. No exame do recurso ordinário em MS 13.262 - SC (2001/0067821-4), a Primeira Turma do STj assim decidiu: "ADVOGADO - DIREITO DE ENTREVISTAR-SE COM MAGISTRADO - FIXAÇÃO DE HORÁRIO - ILEGALIDADE - LEI 8.906/94 ART. 7º, VIII). É nula, por ofender ao Art. 7o, VIII da Lei 8.906/94, a Portaria que estabelece horários de atendimento de advogados pelo juiz". O Ministro Humberto Gomes de Barros, autor do voto vencedor, adotou como fundamento: "Recebe-se o advogado a qualquer hora, verificada a urgência".

Em verdade, a decisão atenta contra os próprios objetivos e fundamentos que inspiraram o Conselho Nacional de Justiça, imputando ofensa à independência do Poder Judiciário e às prerrogativas de seus membros, na medida que impõe hipótese de sanção disciplinar sem base legal, sob pena de responsabilização administrativa.


 

3. DA VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO ESTATUTO DA OAB

A Constituição Federal estabelece como garantia da cidadão "a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação " (art. 5º, LXXVIII). Impõe ainda à administração pública o dever de obedecer ao princípio da eficiência (art. 37, caput). Tais princípios pressupõem - ou antes, exigem - que o Poder Judiciário possa se organizar adequadamente a prestar sua função e proferir decisões, realizar audiências e praticar outros atos, a fim de assegurar a observância do princípio da razoável duração do processo e a eficiência na atividade judiciária.

Pela interpretação proposta, tais princípios sofrem rude golpe. Não apenas o Juiz, mas qualquer profissional ficaria extremamente dificultado em sua atuação caso tivesse de interromper suas atividades, a qualquer momento, independentemente da urgência do assunto. Seria simples impedir, por via reflexa, que as decisões pudessem ser prestadas de forma rápida e eficiente. A exegese realizada inviabiliza a realização desses princípios constitucionais.

Por outro lado, o caput do art. 133 da Constituição Federal estabelece que o advogado é indispensável à administração da Justiça, ao passo que o caput do art. 6º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) prevê que não existe hierarquia entre juízes, advogados e membros do parquet. A sistemática brasileira tem como pilar a eqüidistância entre advogados, juízes e procuradores, situados em um mesmo plano.

Ora, se todos estão em nível equivalente, não há previsão para que os advogados detenham ascendência em relação aos magistrados. A prevalecer a orientação adotada na decisão, o que ocorreria seria que a carreira da advocacia estaria em franca assimetria em relação aos magistrados, que ficariam em plano inferior.


 

4. ABRANGÊNCIA DA DECISÃO

A consulta que deu origem à decisão foi formulada pelo Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró-RN. Embora o Conselheiro faça referência a obrigações genéricas, intimou da decisão apenas o consulente e o Corregedor Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

A conclusão é óbvia: a decisão tem seus efeitos restritos inter partes.

O art. 28 da Lei nª 9.784/99, que rege o processo administrativo em nosso país, estabelece que " devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades".

Sem intimação, não se forma a obrigação e os efeitos se restringem às partes.

Logo, ao contrário do que tem sido divulgado incorretamente, a obrigação apenas se restringe ao consulente e não pode ser estendida a outros magistrados, mormente por decisão monocrática do Conselheiro.


 

5. DA OBRIGAÇÃO DO MAGISTRADO DE RECEBER OS ADVOGADOS

É indefensável enunciar que o juiz jamais deve receber os advogados, independentemente da urgência ou necessidade da medida. O advogado, indispensável à administração da Justiça, tem a inegável prerrogativa de ser recebido pelo juiz, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência. A Lei Complementar não estabelece o dever de paralisar o trabalho em sentenças ou audiências, nem de permanecer durante todo o expediente no foro, à espera de advogados que queiram ser atendidos.

A preocupação é que a decisão possa instalar situação de instabilidade em que questão que sempre foi resolvida com razoabilidade e bom senso, salvo situações particulares que merecem ajuste.

A fórmula é delicada, mas é correto limitar-se a dizer que o advogado deve ser recebido, a qualquer momento, sempre que se tratar de providência que reclame e possibilite solução de urgência e, nos demais casos, mediante fórmula razoável que satisfaça aos interesses e princípios legais e constitucionais.


 

6. CONCLUSÕES:

1. A decisão prolatada pelo Conselheiro Marcus Faver, monocraticamente, foi prolatada por órgão incompetente, já que a matéria deveria ter sido submetida ao Plenário;

2. Nenhum dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça autoriza a conclusão de que o juiz esteja sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, independentemente da urgência do assunto; ao contrário, a redação da LOMAN é em sentido oposto;

3. A organização do Poder Judiciário, para que possa exercer o seu dever de prestar a jurisdição conforme a razoável duração do processo, com eficiência, impõe que se organize e modernize a Justiça, o que conflita com a exigência de interrupção de qualquer atividade para recebimento de advogados, independentemente de urgência;

4. Não existe hierarquia entre juízes, advogados e membros do ministério público, equilíbrio que se rompe com a adoção da interpretação proposta pela Conselheiro;

5. A decisão proferida no PP nº 1465 produz efeitos apenas para o consulente, Juiz Titular da Primeira Vara Criminal de Mossoró;

6. A obrigação do juiz é de atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência. O advogado deve ser recebido, a qualquer momento, sempre que se tratar de providência que reclame e possibilite solução de urgência e, nos demais casos, mediante fórmula razoável que satisfaça aos interesses e princípios legais e constitucionais.


 

Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
VELLOSO FILHO, Gabriel Napoleão. Sobre a obrigação de o juiz receber advogados . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1511, 21 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10297>. Acesso em: 21 ago. 2007.

Longe da unanimidade

Quando e como se consuma um crime de furto

por Leonardo Marcondes Machado

leomarcondes@bol.com.br

Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).


 

A determinação do momento consumativo dos crimes de furto e roubo é tema bastante polêmico e divergente tanto na jurisprudência quanto na doutrina. Vejamos.

Consoante nos lembra Mirabete1, várias foram as teorias criadas para explicar a caracterização da consumação no furto: a) a concretatio (basta tocar a coisa); b) a apprehensio rei (é suficiente segurá-la); c) a amotio (exigi-se a remoção do lugar); d) a ablatio (a coisa é colocada no local a que se destinava, em segurança).

A dogmática e jurisprudência contemporâneas, valendo-se, por vezes, de alguns desses conceitos teóricos clássicos, dividem-se basicamente em três posicionamentos quanto ao momento consumativo do furto, a saber: 1) mera subtração e aquisição da posse do objeto de furto enquanto decorrência da violência ou clandestinidade empreendida (ainda que por breve tempo) — dispensa posse tranqüila e saída do bem da esfera de vigilância da vítima; 2) subtração + retirada do bem da esfera de vigilância da vítima; 3) subtração da coisa + inversão da posse + posse tranqüila.

1ª Corrente. Prevalece no Supremo Tribunal Federal e conta com adeptos no Superior Tribunal de Justiça (longe de ser unânime) a tese segundo a qual a consumação do furto dar-se-ia pela simples aquisição, cessada a violência ou a clandestinidade, da posse material da coisa, ainda que por breve tempo, pouco importando se tranqüila a posse ou se houve a saída do bem da esfera de vigilância da vítima, podendo haver, inclusive, retomada da coisa em virtude de perseguição imediata (ainda, assim, haverá, nesta visão, crime consumado de furto ou roubo).

Veja acórdão do STJ com esse teor:

"A orientação jurisprudencial é no sentido de que se considera consumado o crime de furto, assim como o de roubo, no momento em que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente se torna possuidor da res furtiva, ainda que por curto espaço de tempo, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima, incluindo-se, portanto, as hipóteses em que é possível a retomada do bem por meio de perseguição imediata".2

Nesta linha apresenta-se histórico posicionamento do STF:

"A jurisprudência do STF, desde o RE 102.490, 17.9.87, Moreira Alves, dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada 'esfera de vigilância da vítima' e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da 'res furtiva', ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata; com mais razão, está consumado o crime se, como assentado no caso, não houve perseguição, resultando a prisão dos agentes, pouco depois da subtração da coisa, a circunstância acidental de o veículo, em que se retiravam do local do fato, ter apresentado defeito mecânico".3

Recentemente, embora versando especificamente sobre o crime de roubo, a primeira turma do STF confirmou esse entendimento no HC 89.959/SP, da lavra do Ministro Carlos Brito (julgado, por maioria de votos, em 29.05.07 e com decisão publicada no DJ de 11.06.07).

2ª Corrente. Segundo outro posicionamento, o delito de furto consumar-se-ia com a mera subtração do bem móvel, acompanhada da conseqüente retirada do objeto da esfera de vigilância da vítima, independentemente de gozar o criminoso da posse tranqüila da coisa.

Nestes moldes é o entendimento, por exemplo, de Damásio de Jesus, senão vejamos:

"para nós, o furto atinge a consumação no momento em que o objeto material é retirado da esfera de posse e disponibilidade do sujeito passivo, ingressando na livre disponibilidade do autor, ainda que este não obtenha a posse tranqüila".4

Vide julgado do STJ adotando esta postura:

"A remoção e retirada da res furtiva da esfera de vigilância da vítima, ainda que momentaneamente, em consonância com a vertente doutrinária denominada amotio, acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, acarreta a plena consumação do delito".5

3ª Corrente. A posição majoritária na doutrina (e muita disseminada — observe que não disse unânime — nas quinta e sexta turmas do STJ), por sua vez, é no sentido de que o crime de furto somente se consuma, conforme a teoria da inversão da posse, quando a coisa sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, adquirindo o agente a posse tranqüila da coisa, ainda que por breve tempo.

A principal diferença prática que se tem com a adoção da teoria da inversão da posse como determinante do momento consumativo do furto reside em considerar que se o criminoso é perseguido imediatamente após a subtração do objeto material do furto ele não adquiriu ainda a posse mansa e pacífica (ainda que por breve lapso temporal), motivo pelo qual é de se reconhecer a tentativa, não havendo que se cogitar de eventual consumação do delito.

Colaciona-se a seguinte ementa de julgado do STJ nesta esteira:

"Furto. Crime consumado (momento). Tentativa (reconhecimento). 1. Diz-se consumado o furto quando o agente, uma vez transformada a detenção em posse, tem a posse tranqüila da coisa subtraída. 2. Segundo o acórdão recorrido, 'em nenhum momento o réu deteve a posse tranqüila da res furtiva, porquanto foi imediatamente perseguido e capturado pelos policiais militares que efetuavam patrulhamento no local'. 3. Caso, portanto, de crime tentado, e não de crime consumado. 4. Recurso especial do qual se conheceu pelo dissídio, porém ao qual se negou provimento. Decisão por maioria de votos" (grifo nosso).6

Enfim, de tudo o que se viu, a suma é: a dogmática penal ainda não foi capaz de colocar uma "pá de cal" no tema relativo ao momento consumativo do crime de furto. O que há, na verdade, é intensa polêmica; diversos são os posicionamentos na doutrina e jurisprudência, de maneira que ainda estamos muito longe da unanimidade (aliás, é bem provável que nunca a alcancemos).

Notas de rodapé

1. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. v. 2. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 222.

2. STJ – Quinta Turma – HC 42658/MG – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – j. em 14.06.2005 – DJ de 22.08.2005, p. 322.

3. STF – HC 69753/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ de 19.02.1993.

4. JESUS, Damásio E. de. op. cit., p. 309.

5. STJ – Sexta Turma – RESP 302632/MG – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. em 11.02.2003 – DJ de 06.06.2005, p. 375.

6. STJ – Sexta Turma – RESP 663900/RS – Rel. Min. Hélio Quaglia Brabosa – j. em 16.12.2004 – DJ de 27.06.2005, p. 463.

Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2007