Luiz Antonio Costa de Santana

domingo, julho 01, 2007

Fim de caso

Advogados perdem com decisão sobre IPI com alíquota zero

por Maria Fernanda Erdelyi

Quando a advogada da Braskem insistiu no Supremo Tribunal Federal que a empresa que representava tinha o direito de obter crédito de IPI nos produtos feitos com insumos não tributados, mal sabia que não só prejudicaria a empresa para qual trabalhava, mas também seus colegas de profissão, que deixaram de receber honorários advocatícios. Até então, as empresas podiam creditar apenas os insumos com alíquota zero.

A insistência fez com que o Supremo Tribunal Federal acabasse com qualquer possibilidade de crédito de IPI, seja para os insumos não tributados, seja para aqueles que têm alíquota zero. A derrota gerou prejuízo para a empresa que defendia, para outras tantas e também para os advogados que defendiam estas empresas. O escritório que defendia a petroquímica Braskem, por exemplo, deixou de receber uma bolada que pode variar de R$ 100 a R$ 200 milhões em honorários. A causa, neste caso, era de R$ 1 bilhão.

A história da advogada que provocou a mudança de entendimento no Supremo e prejudicou as empresas e os próprios advogados foi relembrada pelo ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento da última segunda-feira (25/6). Na ocasião, o Plenário do Supremo determinou que a decisão afeta também os atos pretéritos.

Em março de 1998, ao julgar o Recurso Extraordinário 212.484 da Fazenda Nacional contra a empresa Vonpar Refrescos, do Rio Grande do Sul, o Supremo, por maioria de votos, reconheceu o direito ao crédito pela aquisição dos insumos isentos (aqueles que são tributados, mas são alvos de leis que prevêem a sua isenção). A empresa pretendia creditar na compra de xarope de coca-cola. A partir deste julgamento, os contribuintes começaram a defender que o entendimento também seria aplicável para insumos com alíquota zero e não tributados.

De acordo com fontes que acompanham o tema, alguns escritórios de advocacia começaram a procurar as grandes empresas interessadas no benefício para oferecer o "kit IPI" e "vender" uma tese favorável aos contribuintes, que estaria pacificada na Justiça.

No dia 18 de dezembro de 2002, o Supremo finalizou o julgamento de quatro recursos extraordinários (RE 350.446; 353.668; 357.277 e 358.493) da Fazenda Nacional contra decisões de segunda instância que reconheceram os créditos no caso de alíquota zero. O STF confirmou os benefícios. No dia seguinte, o ministro Sydney Sanches aplicou a decisão do Plenário num dos maiores recursos do tema no Supremo (RE 363.777) — da OPP Química e OPP Petroquímica, atual Braskem — envolvendo a quantia de R$ 1 bilhão. O pedido, porém, tratava de insumos de alíquota zero e não-tributados.

A Fazenda Nacional recorreu e, tempos depois, o ministro Sanches levou o processo para julgamento de turma. Na ocasião, a advogada da empresa, Fernanda Hernandez, defendia que, na decisão do Plenário em 2002, apontada como precedente para a decisão do ministro Sydney Sanches, não tratava apenas de alíquota zero, mas também de não tributados. A Fazenda Nacional, representada pela procuradora Luciana Moreira Gomes, defendia que nada foi dito sobre a possibilidade de créditos nos insumos não tributados.

O ministro Moreira Alves defendeu que todos deveriam ouvir o que tinha a dizer o ministro Ilmar Galvão, relator de dois dos recursos apreciados pelo Plenário em dezembro de 2002. Galvão afirmou que os não tributados realmente não tinham sido apreciados e sugeriu que o Supremo discutisse novamente todo o tema. No julgamento decisivo, a advogada teria até desafiado o ministro Moreira Alves a rever pela TV Justiça o julgamento onde, segundo ela, o Supremo tinha reconhecido crédito em ambas modalidades de insumos.

Segundo a procuradora Luciana, a advogada, inconformada com a reversão de efeitos não esperados no pleito, teria a acusado de deslealdade e de litigância de má-fé.

A advogada Fernanda Hernandez é uma das grandes representantes das empresas no Supremo. Além da Braskem, ela defendeu a fabricante de alimentos para animais Nutriara Alimentos, do Paraná, a Madeireira Santo Antônio, do mesmo estado e a Indústria de Embalagens Plásticas Guará. A advogada Fernanda Hernandez foi procurada pela Consultor Jurídico, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.

Não há informações de quantos processos o STF recebeu sobre o tema. Os valores das causas também não são acessíveis, mas, presume-se que girem na casa dos bilhões. O valor da ação varia de acordo com o porte da empresa e produto que fabrica. As maiores interessadas são as fabricantes de produtos não essenciais, como as empresas de cigarros e bebidas. Quanto menos essencial o produto, maior a alíquota do IPI e maior o crédito a receber.

Com a questão dirimida pelo Supremo, as empresas que se aproveitaram do crédito asseguradas por decisões judiciais sem trânsito em julgado terão de devolver o dinheiro à União. A quantia a ser devolvida varia de caso para caso e retroage de acordo com o período em que o crédito foi utilizado indevidamente.

Revista Consultor Jurídico, 1 de julho de 2007

Direto ao ponto

Juiz da Bahia escreve sentença para marceneiro ler

por Aline Pinheiro

Que periculum in mora, fumus boni iuris, legitimatio ad causam, extra petita, que nada. No interior da Bahia, na cidade de Conceição do Coité, de 58 mil habitantes, o juiz Gerivaldo Alves Neiva dispensou todo o excesso de formalismo e começou assim a sua sentença, em 2005: "Vou direto ao assunto".

Dito e feito. Em linguagem coloquial, contou o caso do marceneiro José de Gregório Pinto, que comprou um telefone celular "certamente pensando em facilitar o contato com a sua clientela". Dois meses depois de ter "domado os dedos grossos e calejados" para apertar os botões do aparelho, o telefone quebrou. Não teve conserto. "Seu Gregório" também não conseguiu nenhum acordo nem com a Siemens, fabricante do produto, nem com as Lojas Insinuante, que lhe venderam o celular. E foi à Justiça.

"Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular, entrou seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao juiz: novinho, novinho e não funciona." O aparelho foi feito para falar, mas não fala, contou o marceneiro.

O juiz não aceitou nenhum dos argumentos tanto da Siemens como das Lojas Insinuantes. Ficou do lado do "Seu Gregório". "O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou R$ 174. É, quem pode pode!"

Neiva dispensou as provas técnicas e qualquer outra formalidade da Justiça. Apenas mandou a loja devolver a "Seu Gregório" o dinheiro usado para comprar o celular. Mandou também a Siemens enviar ao marceneiro um novo aparelho, "para que ele não se desanime com as facilidades dos tempos modernos". Simples assim. Afinal, "no mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro".

Muito por pouco

A dúvida levantada no caso — por que as empresas gastam tanto dinheiro para discutir causas de valores irrisórios — faz sentido. No caso de "Seu Gregório", por exemplo, a empresa deslocou um advogado de São Paulo, pagou passagem e provavelmente estadia, gastou papel e o tempo do profissional, além de sua remuneração. Toda essa estrutura para não ter de pagar um celular de R$ 174.

A atitude da empresa, no entanto, revela uma política jurídica cautelosa. O advogado Celso Monteiro, sócio do escritório Tozzini Freire na área de gestão de conhecimento, explica que as empresas temem flexibilizar, ainda que o valor discutido seja irrisório, com medo do precedente. Se aberto, a quantidade de causas pode gerar um prejuízo imenso.

"O critério usado é o mérito da discussão. Se a empresa acha que está certa, vai até o fim", diz. No entanto, ele explica que na maioria das ações de consumidor não é necessário chegar aos finalmentes. Segundo o advogado, em 70% dos processos o acordo é firmado logo na primeira instância. Apenas 30% vão para a segunda instância.

A BenQ, que hoje fabrica os aparelhos de celular Siemens, não entra em detalhes sobre seus critérios em causas de consumidores. Diz apenas que analisa caso a caso, "para identificar o histórico do consumidor e do produto reclamado para prover a solução pertinente". A empresa trabalha com escritórios de advocacia terceirizados, localizado em São Paulo, com estrutura para defender processos no país inteiro.

A dúvida no caso, portanto, está resolvida. Em setembro de 2005, logo após a decisão do juiz Gerivaldo Neiva, as Lojas Insinuantes devolveram o dinheiro dele. A Siemens também mandou um novo aparelho celular, mas demorou demais para fazer isso. Esse atraso gerou uma multa de R$ 13 mil — 74 vezes o valor do aparelho celular — ainda hoje em fase de contestação na Justiça.

Veja a sentença

Processo Número: 0737/05

Quem pede: José de Gregório Pinto

Contra quem: Lojas Insinuante Ltda., Siemens Indústria Eletrônica S.A e Starcell

Ementa:

UTILIZAÇÃO ADEQUADA DE APARELHO CELULAR. DEFEITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO FORNECEDOR.

Sentença:

Vou direto ao assunto. O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente pensando em facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da Loja Insinuante de Coité e comprou um telefone celular, em 19 de abril de 2005, por suados cento e setenta e quatro reais. Leigo no assunto, é certo que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato ou, quem sabe até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza!

Com certeza foi difícil domar os dedos grossos e calejados de marceneiro com a sensibilidade e recursos do seu Siemens A52, mas o certo é que utilizou o aparelhinho até o mês de junho do corrente ano e, possivelmente, contratou muitos serviços. Uma maravilha!

Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício, em 21 de junho, o aparelho deixou de funcionar. Que tristeza: seu novo instrumento de trabalho só durou dois meses. E olha que foi adquirido legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela poderosa Siemens... Não é coisa de segunda-mão, não!

Consertado, dias depois não prestou mais... Não se faz mais conserto como antigamente!

Primeiro tentou fazer um acordo, mas não quiseram os contrários, pedindo que o caso fosse ao Juiz de Direito.

Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular, entrou seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao Juiz: novinho, novinho e não funciona. De fato, o Juiz observou o aparelho e viu que não tinha um arranhão.

Seu José Gregório, marceneiro que é, fabrica e conserta de tudo que é móvel. A Starcell, assistência técnica especializada e indicada pela Insinuante, para surpresa sua, respondeu que o caso não era com ela e que se tratava de "placa oxidada na região do teclado, próximo ao conector de carga e microprocessador" . Seu Gregório: o que é isto? Quem garante? O próprio que diz o defeito, diz que não tem conserto...

Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução neste Juizado por motivo da "incompetência material absoluta do Juizado Especial Cível - Necessidade de prova técnica." Seu Gregório: o que é isto? Ou o telefone funciona ou não funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não acendeu, não funciona. Prá que prova técnica melhor?

Disse mais a Siemens: "o vício causado por oxidação decorre do mau uso do produto". Seu Gregório: ora, o telefone é novinho e foi usado apenas para falar. Para outros usos, tenho outras ferramentas. Como pode um telefone comprado na Insinuante apresentar defeito sem solução depois de dois meses de uso? Certamente não foi usado material de primeira. Um artesão sabe bem disso.

O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao Juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou cento e setenta e quatro reais? É, quem pode, pode! O advogado gastou dez folhas de papel de boa qualidade para que o Juiz dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e setenta e quatro para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais! Que absurdo!

A loja Insinuante, uma das maiores e mais famosas da Bahia, também apresentou escrito de advogado, gastando sete folhas de papel, dizendo que o caso não era com ela por motivo de "legitimatio ad causam", também por motivo do "vício redibitório e da ultrapassagem do lapso temporal de 30 dias" e que o pobre do seu Gregório não fez prova e então "allegatio et non probatio quasi non allegatio". E agora seu Gregório? Doutor Juiz, disse Seu Gregório, a minha prova é o telefone que passo às suas mãos! Comprei, paguei, usei poucos dias, está novinho e não funciona mais! Pode ligar o aparelho que não acende nada! Aliás, Doutor, não quero mais saber de telefone celular, quero apenas meu dinheiro de volta e pronto!

Diz a Lei que no Juizado não precisa advogado para causas como esta. Não entende seu Gregório porque tanta confusão e tanto palavreado difícil por causa de um celular de cento e setenta e quatro reais, se às vezes a própria Insinuante faz propaganda do tipo: "leve dois e pague um!" Não se importou muito seu Gregório com a situação: um marceneiro não dá valor ao que não entende! Se não teve solução na amizade, Justiça é para isso mesmo!

Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para resolver problemas como o seu. Não é o caso de prova técnica: o telefone foi apresentado ainda na caixa, sem um pequeno arranhão e não funciona. Isto é o bastante! Também não pode dizer que Seu Gregório não tomou a providência correta, pois procurou a loja e encaminhou o telefone à assistência técnica. Alegou e provou!

Além de tudo, não fizeram prova de que o telefone funciona ou de que Seu Gregório tivesse usado o aparelho como ferramenta de sua marcenaria. Se é feito para falar, tem que falar! Pois é Seu Gregório, o senhor tem razão e a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, a Loja Insinuante lhe devolver o dinheiro com juros legais e correção monetária, pois não cumpriu com sua obrigação de bom vendedor.

Também, Seu Gregório, para que o Senhor não se desanime com as facilidades dos tempos modernos, continue falando com seus clientes e porque sofreu tantos dissabores com seu celular, a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, que a fábrica Siemens lhe entregue, no prazo de 10 dias, outro aparelho igualzinho ao seu. Novo e funcionando! Se não cumprirem com a ordem do Juiz, vão pagar uma multa de cem reais por dia!

Por fim, Seu Gregório, a Justiça vai dizer à assistência técnica, como de fato está dizendo, que seu papel é consertar com competência os aparelhos que apresentarem defeito e que, por enquanto, não lhe deve nada.

À Justiça ninguém vai pagar nada. Sua obrigação é fazer Justiça!

A Secretaria vai mandar uma cópia para todos.

Como não temos Jornal próprio para publicar, mande pelo correio ou por Oficial de Justiça.

Se alguém não ficou satisfeito e quiser recorrer, fique ciente que agora a Justiça vai cobrar.

Depois de tudo cumprido, pode a Secretaria guardar bem guardado o processo!

Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu "extra petita", quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar.

No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.

Conceição do Coité, Bahia, 21 de setembro de 2005

Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito

Revista Consultor Jurídico, 1 de julho de 2007

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