Luiz Antonio Costa de Santana

sábado, maio 19, 2007

Sem licitação

Justiça condena vereador paulistano por improbidade

por Fernando Porfírio

O vereador paulistano Ricardo Teixeira (PSDB) foi condenado a devolver aos cofres públicos parte do valor de R$ 295 mil por conta da contratação, sem licitação, do escritório de advocacia Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques para prestar serviços jurídicos à Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) nas obras do Rodoanel Mário Covas. O contrato foi anulado por decisão judicial.

Ricardo Teixeira foi diretor de operações da Dersa quando fez a contratação. A decisão é da juíza Simone Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública. A magistrada também condenou o tucano à perda do cargo, a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e ao pagamento de multa civil correspondente a cem vezes o valor da remuneração recebida na época do contrato. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

"A Administração Pública não é titular dos interesses públicos, mas mera gestora, e deve agir com total submissão à lei, pois não tem a disponibilidade sobre eles. Sendo assim, a contratação ilegal, para satisfazer interesses particulares, é inadmissível, indica o descaso para com os interesses públicos, bem como configura ato de improbidade administrativa, que merece total repúdio", afirmou a juíza.

Na opinião da magistrada, a Dersa dispõe de departamento jurídico capaz de desempenhar o serviço contratado e, ainda que insuficiente o quadro funcional, deveria ter realizado a licitação, para fazer valer não só a lei, mas também o princípio da isonomia e permitir a competição entre eventuais interessados na prestação do serviço técnico não singular.

A sentença foi estendida a outros cinco ex-diretores da Dersa (Sérgio Luiz Gonçalves Pereira, Reynaldo Rangel Dinamarco, Raimundo D'Elia Júnior, José Kalil Neto e Valter Antonio Rocha) e ao escritório de advocacia. Eles terão que arcar solidariamente com a devolução dos recursos ao erário e estão proibidos de contratar com o serviço público pelo prazo estabelecido na lei de improbidade administrativa.

A magistrada entendeu que o grupo autorizou ilegalmente a contratação do escritório de advocacia. Os réus alegaram que a dispensa de licitação estava de acordo com a lei, que autoriza a contratação sem concorrência pública quando o serviço é de natureza especializada.

A ação foi proposta pela promotoria de Justiça da Cidadania, em 2002, e assinada pelo promotor Antonio Celso Faria. O vereador tucano era segundo suplente da Câmara e assumiu o cargo este ano. Dois dos condenados atuam agora na CPTM: Sérgio Gonçalves Pereira (diretor administrativo-financeiro) e o engenheiro Reynaldo Rangel Dinamarco. No Metrô, estão José Kalil Neto (assessor da presidência) e o engenheiro Raimundo D'Élia Júnior. Também foi condenado Valter Rocha, ex-diretor de operações da Dersa.

Lei a íntegra da sentença:

9ª Vara da Fazenda Pública Processo

nº 1815/053.02.029439-8

VISTOS

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO moveu de improbidade administrativa contra SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, RAIMUNDO D`ELIA JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO, VALTER ANTONIO ROCHA, RICARDO TEIXEIRA E ESCRITORIO MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA alegando, em suma, que no dia 18 de setembro de 2001, em reunião da Diretoria da Dersa nº 035/2001, os réus SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, OSCAR EMÍLIO WELKER JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO E RICARDO TEIXEIRA autorizaram a contratação direta, com base na inexigibilidade de licitação, do escritório de advocacia Manesco, Ramires Perez, Azevedo Marques Advocacia, com fundamento no artigo 25, inciso II e artigo 13, inciso II da Lei 8666/03.

O contrato (nº 3069/01) foi firmado no dia 19 de outubro de 2001, entre a Dersa, representada pelos réus Sergio Luiz Gonçalves Pereira e Reynaldo Rangel Dinamarco, com escritório de advocacia Manesco Ramires Perez, Azevedo Marques Advocacia, tendo o valor estimado de R$ 147.600,00, pelo prazo de 06 meses, contado da assinatura do contrato.

Em 16 de abril de 2002, os réus SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, OSCAR EMÍLIO WELKER JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO, RAIMUNDO D`ELIA JUNIOR E VALTER ANTONIO ROCHA, além do falecido MANFRED ALBERT VON RICHTHOFEN, em reunião da Diretoria da Dersa nº 012/2002 autorizaram a renovação do contrato e, em 18 de abril de 2002 os diretores da Dersa, os réus Sergio Luiz Gonçalves Pereira e Reynaldo Rangel Dinamarco, celebraram com o mesmo escritório de advocacia novo contrato (nº 3119/01), com o valor estimado de R$ 147.600,00, também pelo prazo de 06 meses contados da assinatura do contrato.

Segundo a cláusula primeira do contrato nº 3069/01, o escritório de advocacia MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA foi contratado para patrocínio da Dersa, de seus dirigentes, de seus empregados "a ser realizado nas questões jurídicas relacionadas com a gestão e execução dos contratos para execução das obras de construção do Rodoanel Mário Covas".

No procedimento administrativo instaurado para a contratação do escritório, foi exposta a seguinte fundamentação: " As questões que hoje estariam a demandar o apoio e a consultoria jurídica são: acompanhamento e atuação em inquérito civil, público instaurado junto ao Ministério Público Federal; acompanhamento e atuação em eventual inquérito civil ou procedimento de averiguação junto ao Ministério Público Estadual nas curadorias do meio ambiente ou da cidadania; acompanhamento e atuação de expediente instaurado junto ao Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas da União".

Findo o período de vigência do Contrato nº 3069/01, a Dersa, mediante procedimento administrativo, em 18 de abril de 2002, renovou a contratação dos serviços técnicos jurídicos com o escritório MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA, conforme contrato de nº 3119/02, tendo o mesmo objeto do contrato anterior. Conforme a inicial, as atividades desenvolvidas no cumprimento dos contratos, discriminadas em relatórios oferecidos pelo escritório, são corriqueiras, que poderiam ter sido realizadas pelo Departamento Jurídico ou qualquer escritório de advocacia indicando, assim, a falta da singularidade do objeto, diante da ausência de prova de notória especialização do contratado e pela natureza continuada e ordinária da prestação do serviço.

Sustentou que a Dersa, integrante da Administração Indireta do Estado, deve observar o disposto nos artigos 22, inciso XXVII e 37, inciso XXI, ambos da Constituição Federal, bem como as normas relativas à contratação de serviços técnicos profissionais especializados, previstas na Lei 8666/93, uma vez que os casos de contratação direta previstos em lei devem ter como fundamento a singularidade do serviço associado à notória especialização do contratado. Apontou a ilegalidade da contratação, diante da ausência dos requisitos mencionados indicando a possibilidade do envolvimento dos dirigentes ou empregados da Dersa em ilegalidade jurídicas relacionadas ao Rodoanel Mário Covas.

O acompanhamento de procedimentos administrativos e judiciais, bem como a existência de um corpo jurídico próprio na Dersa, composto de sete procuradores, apresentam indícios da desnecessidade das contratações implicando desvio de finalidade, bem como ato de improbidade administrativo, previsto no artigo 10 caput, inciso VIII, da Lei 8429/92, além de afronta aos princípios da imparcialidade, moralidade e legalidade.

Requereu o reconhecimento da nulidade dos contratos nº 3069/01 e 3119/02, celebrados entre Desenvolvimento Rodoviário S/A – Dersa e MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA, bem como da prática de atos de improbidade administrativa previstos nos artigos 10, caput, inciso XII e 11, caput, inciso 1º da Lei 8429/92, bem como a condenação dos réus nas sanções previstas no artigo 12, incisos II e III da referida Lei, bem como ao escritório de advocacia, no que couber, em virtude do disposto no artigo 3º do referido Diploma Legal, e a condenação dos réus, de forma solidária, ao ressarcimento do valor total da despesa gerada pelos contratos à Dersa, atualizado monetariamente e com incidência de juros de mora.

Com a petição inicial foram juntados documentos (fls. 28/475). Em atendimento ao disposto no artigo 17, parágrafo 3º da Lei nº 8.492/92, a DERSA foi citada e compareceu ao processo (fls. 484/487 e 550/573). Ordem do Advogados do Brasil ingressou no feito, na assistência dos advogados integrantes da sociedade civil de advocacia MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA e, em preliminar, aduziu a impossibilidade jurídica do pedido, pois na eventual nulidade do contrato administrativo, a administração não está exonerada do dever de indenizar o contratado pelo serviço já realizado, sob pena de enriquecimento ilícito.

Afastou as ilegalidades mencionadas na inicial, sob o argumento segundo o qual foi necessária a contratação de especialistas em direito público, em virtude do número reduzido de procuradores, bem como pelo fato da elevada complexidade dos assuntos a cargo da sociedade de advogados contratados. Sustentou a existência dos requisitos para contratação direta e requereu a improcedência (fls. 584/617).

Os réus, intimados, apresentaram defesa prévia. Dersa Desenvolvimento Rodoviário S/A informou que deseja se abster, reservando-se, entretanto, o direito de se manifestar quando entender necessário ou em decorrência de determinação do juízo (fls. 1617/1622). O Ministério Público apresentou manifestação e juntou documentos (fls. 1625/1699). Em virtude da decisão (fls. 1724/1727), foram afastadas as preliminares e a inicial foi recebida. Contra tal decisão foi interposto recurso de agravo de instrumento (fls. 1743/1763). MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA citado, contestou alegando, em suma, que a contratação teve como base a complexidade singular do escopo jurídico abrangido no empreendimento do Rodoanel de São Paulo, que justificou a contratação de profissionais com especial qualificação técnica para preservação dos atos dos agentes públicos, nos aspectos jurídico e pessoal.

Ademais, foram instaurados processos administrativos no Tribunal de Contas do Estado e da União e a Dersa viu-se obrigada a contratar escritório de advocacia para defesa de seus atos, bem como de seus agentes. Apontou a inépcia da inicial em virtude da confusão da causa de pedir e pedido, afronta ao princípio do "non bis in idem", ilegitimidade ativa, idoneidade do protocolo como procedimento para instrução da ação civil pública.

Quanto ao mérito, sustentou a presença dos pressupostos específicos para a contratação direta por inexigibilidade da licitação, em decorrência da singularidade do objeto (mega-empreendimento público), notória especialização dos advogados. Em face das características do regime jurídico da atividade de consultoria jurídica, foi perfeitamente lícita a contratação direta, pois existe uma impossibilidade jurídica de concorrência (inviabilidade de competição), segundo o grau de confiabilidade dos serviços contratos, que singulariza a relação entre cliente do serviço e seu patrono. Afastou a configuração de ato de improbidade administrativa, sob o fundamento segundo o qual não houve enriquecimento ilícito, tampouco dolo em frustrar a licitude de qualquer atuação estatal ou provocar danos ao erário.

Juntou documentos (fls. 682/1566). Raimundo D´Elia Junior, José Calil Neto, Valter Antonio Rocha e Ricardo Teixeira alegaram, em suma, carência da ação, por falta de interesse de agir, visto que o contrato nº 3069/01 se extinguiu em virtude do término do prazo de vigência e o contrato nº 3119/02 por decisão unilateral não existindo, em conseqüência, o que ser anulado. Apontaram a indeterminação do pedido, a falta de especificação concreta de dano a ensejar ressarcimento à Dersa e ilegitimidade ativa. No mérito, salientaram que os serviços jurídicos de advocacia, tem característica singular em função de sua natureza intelectual e relação de confiança imprescindível para contratação de um advogado, razão pela qual aplica-se o disposto no artigo 25, inciso II combinado com o artigo 13 ambos da Lei 8666/93.

O escritório de advocacia contratado tem notória especialização na área de direito público e administrativo. Sergio Luiz Gonçalves Pereira e Reynaldo Rangel Dinamarco sustentaram a impossibilidade jurídica do pedido, a ilegitimidade ativa, visto que o Ministério Público não tem legitimidade para atuar na defesa do patrimônio de entidade da administração pública indireta. Ademais, mostrou-se necessária, conveniente e oportuna a contratação do escritório, uma vez que as obras de construção do Rodoanel Mário Covas eram de grande importância para a Dersa. Réplica às fls. 2255/2337. É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO.

Antecipo o julgamento, nos termos do artigo 330, inciso I do CPC, pois os documentos anexados aos autos são suficientes. Rejeito as preliminares. Em nome do princípio consagrado no art. 5º., XXXV da Constituição Federal, o controle judicial dos atos administrativos, vinculados ou discricionários, é inerente ao Estado Democrático de Direito, garantia da legitimidade e constitui um dos fundamentos do ordenamento jurídico. O Poder Judiciário não pode substituir a atuação da Administração Pública na análise da conveniência e oportunidade de um ato administrativo (art. 2º. Da Constituição Federal).

Contudo, a discricionariedade tem limites impostos pela lei e se tais limites são desrespeitados pela Administração Pública, é legítimo o controle judicial. O Ministério Público, cujo campo de atuação foi ampliado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, (artigo 129, inciso III) tem legitimidade para defender o patrimônio público, mediante ação civil pública ou de qualquer outra demanda.

Ada Pellegrini Grinover assinala o seguinte: "A diferença entre a ação popular constitucional e a ação civil pública, que visam a anular atos lesivos à moralidade administrativa, reside exclusivamente na legitimação ativa: à primeira, é legitimado o cidadão; à segunda, o Ministério Público. Pode-se assim afirmar, sem temor de erro, que a Lei Nacional do Ministério Público ampliou a legitimação à ação popular, atribuída pela Constituição ao cidadão, para estendê-la ao Ministério Público.

Mas, na verdade, esta ação civil pública, criada pela LNMP, nada mais é do que uma espécie que pertence ao gênero ação popular (...). Trata-se de legitimações extraordinárias, disjuntivas e concorrentes, podendo ser exercidas por qualquer dos legitimados, em nome próprio e no interesse da coletividade." (Uma nova modalidade de legitimação à ação popular: possibilidade de conexão, continência e litispendência. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública: Lei nº 7.347/85, reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995, p.24-25)

Pode a ação civil pública – de acordo com Ada Pellegrini Grinover, espécie do gênero ação popular – ser utilizada para a proteção do patrimônio público e social, torna-se, em conseqüência, inafastável a legitimação do Ministério Público para sua propositura.

"Diga-se de passagem que a extensão da legitimação ativa à ação popular, para o Ministério Público, é perfeitamente constitucional: com efeito, a própria Constituição Federal, no art. 129, IX, expressamente admite que se confiram ao Parquet outras funções, desde que compatíveis com suas finalidades. E, na forma abrangente do art. 127, CF, que afirma incumbir ao Ministério Público a ´defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais (...)´, acomoda-se certamente a titularidade da ação popular para a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa. Decorre daí que a ação civil pública, na modalidade que estamos examinando, tem a natureza jurídica de ação popular. Só a legitimidade ativa é diversa." (Ibidem, páginas 23 e 24) Veja-se a jurisprudência a respeito: "Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 127 E 129, III. LEI 7.347/85 (ART 1º, IV). LEI 8.429/92 (ART. 17). LEI 8.625/93 (ARTS. 25 E 26).

1. Dano ao erário municipal afeta o interesse coletivo, legitimando o Ministério Público para promover o inquérito civil e ação civil pública objetivando a defesa do patrimônio público. A Constituição Federal (art. 129, III) ampliou a legitimação ativa do Ministério Público para propor Ação Civil Pública na defesa dos interesses coletivos.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso não provido." (Superior Tribunal de Justiça - Relator Ministro Demócrito Reinaldo - data da decisão 11/05/1998 - Primeira Turma) (JUIS – Jurisprudência Informatizada Saraiva) MANDADO DE SEGURANÇA

– Impetração em face de ajuizamento de ação civil pública, promovida pelo Ministério Público contra o Prefeito Municipal, objetivando a imposição de sanções previstas na Lei de Enriquecimento Ilícito (Lei nº 8.429/92), por prática de ato de improbidade administrativa

– Alegação de falta de legitimidade do Ministério Público para promover tal ação

– Despacho inicial do Juízo que, apenas, determinou a citação do requerido, relegando para posterior decisão pedido liminar de afastamento do prefeito do seu cargo

– Ausência de decisão prejudicial in concreto ou ameaça ilegal

– Legitimidade do representante do Ministério Público para propor a ação, a teor do artigo 5º, caput, combinado com o artigo 1º, IV da lei nº 7.347/85

– Segurança denegada. (Mandado de Segurança nº 16.530-5 – Tribunal de Justiça de São Paulo – 8ª Câmara de Direito Público – Relator: José Santana – 23.10.96 – V.U.) AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Ilícitos cometidos em processo licitatório – Configuração – artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92 (Apelação Cível nº 272.996-1 – Guarulhos – Tribunal de Justiça de São Paulo - 2ª Câmara de Direito Público – Relator Passos de Freitas – 11.03.97 – V.U.) AÇÃO CIVIL

– Nascente em atos de improbidade administrativa

– Ajuizamento com base na Lei nº 8.429/92, não guardando a natureza civil pública

– Pedido, juridicamente, possível, que possui fundamento no artigo 12, III da Lei nº 8.429/92

– Presente o interesse de agir do Ministério Público, vez que caracterizada a necessidade e adequação do provimento – Recurso não provido. (Agravo de Instrumento nº 61.198-5 – Tribunal de Justiça de São Paulo – 7ª Câmara de Direito Público – Relator: Sérgio Pitombo – 11.05.98 – V.U.).

"O campo de atuação do MP foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao Parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pela artigo 1º da Lei 7.347/85." (REsp. 67.148 - SP - 6ª T. - J. 25.09.1995 - Rel. Min. Adhemar Maciel - DJU 04.12.1995 - RT 727/138)

A via eleita é perfeitamente adequada para o fim colimado pelo Ministério Público, não é o caso de representação de entidade paraestatal em Juízo, o que é vedado pela Constituição Federal, pois atua o Parquet na defesa de patrimônio público e, para tanto, está amparado na Constituição Federal e leis pertinentes.

O artigo 25, inciso IV, letra "b" da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) dispõe que: "Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe ainda, ao Ministério Público: (...) IV - promover o inquérito civil e ação civil pública na forma da lei: (...) b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas Administrações Indiretas ou Fundacionais ou de entidades privadas de que participem." Nelson Nery Jr., discorrendo sobre a legitimação ativa do Ministério Público para a propositura da presente, ensina: "No sistema anterior, a tutela jurisdicional do patrimônio público somente era possível mediante ação popular, cuja legitimação ativa era e é do cidadão (CF, 5º, LXXIII).

O MP podia assumir a titularidade da ação popular apenas na hipótese de desistência pelo autor (LAP, 9º). A CF 129, III conferiu legitimidade ao MP para instaurar IC e ajuizar ACP na defesa do patrimônio público e social, melhorando o sistema de proteção judicial do patrimônio público, que é uma espécie de direito difuso. O amplo conceito de patrimônio público é dado pela LAP 1º caput e § 1º" (Código de Processo Civil Comentado. 4ª edição. São Paulo, RT, página 1506) A inicial não é inepta, pois foram bem descritos os fatos, a fundamentação jurídica e o pedido e foram identificadas as condutas imputadas aos réus.

É conveniente destacar, desde já, que, uma vez levantado o fundamento da ausência de licitação, não há necessidade de descrição de qualquer prejuízo específico sofrido pelo erário para que se possa falar em proteção do patrimônio público. Como se sabe, a licitação existe para que os entes estatais e possam contratar nas melhores condições possíveis.

Quando a licitação não é realizada, não pode o contratante alegar que as partes se obrigaram em condições vantajosas para a Administração, pois, se tivesse havido licitação, a situação, em tese, poderia ser ainda melhor. Nessa medida, basta o simples fato da inexistência de licitação para que o contrato administrativo seja declarado nulo e presumido o dano aos cofres públicos. Marçal Justen Filho, sobre o tema, menciona o seguinte: "A licitação destina-se a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (com observância do princípio da isonomia).

A vantagem se caracteriza em face da adequação e satisfação ao interesse público por via da execução do contrato. A maior vantagem possível configura-se pela conjugação de dois aspectos complementares. Um dos ângulos relaciona-se com a prestação a ser executada por parte da Administração; o outro se vincula à prestação ao cargo do particular. A maior vantagem se apresenta quando a Administração assumir o dever de realizar a prestação menos onerosa e o particular se obrigar a realizar a melhor e mais completa prestação.

Configura-se, portanto, uma relação custo-benefício. A maior vantagem corresponde à situação de menor custo e maior benefício para a Administração." (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 6ª ed., São Paulo: Dialética, 1999, p. 58) A Lei de Improbidade Administrativa prevê expressamente, em seu artigo 10, inciso VIII, que constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, em virtude da frustração de processo licitatório ou sua dispensa. Assim, se o autor alega que não houve licitação, é evidente que está defendendo típico interesse difuso, o patrimônio público e, assim, a suposta falta de interesse de agir não subsiste.

O pedido é preciso, está claro que o Ministério Público objetiva a declaração de nulidade dos contratos administrativos nºs. 3069/01 e 3119/02 celebrados entre a Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S/A e o escritório MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA e o ressarcimento do valor total da despesa gerada pelo contrato à referida entidade, o que se consubstancia na devolução de todo o montante recebido pelo escritório de advocacia para execução dos serviços.

Não há necessidade, também, de especificação da contribuição específica de cada um dos réus para prática do dano, pois, em caso de condenação, todos respondem solidariamente, a teor do disposto no artigo 942 do Código Civil. Quanto à alegação da obrigatoriedade do inquérito civil antes do ajuizamento da presente José Marcelo Menezes Vigliar menciona o seguinte: "A exemplo do que ocorre com o inquérito policial, o inquérito civil é dispensável, desde que por outros meios de convicção já se tenha coligido elementos suficientes para a propositura da ação civil pública." (Tutela jurisdicional coletiva. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 129)

Sendo assim, a alegação de defeito da representação do Ministério Público não prospera, uma vez que o inquérito civil não é pré-requisito obrigatório para propositura da ação de improbidade administrativa. Passo ao exame do mérito. O artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal estabelece: "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações".

A Administração Pública Direta e Indireta, para contratação de obras, serviços, compras e alienações, está sujeita à prévia licitação, como forma de legitimar sua atuação na gestão dos interesses públicos (obter a contratação mais vantajosa) e ao mesmo passo propiciar igual tratamento aos interessados, fazendo valer os princípios da legalidade, eficiência e moralidade. Existem situações, previstas na lei, que autorizam a Administração Pública a contratar diretamente, são os casos de licitação dispensada, dispensável e inexigível (arts. 17, 24 e 25 da Lei 8666/93), e a distinção reside na existência ou não de viabilidade de competição. Possível a competição é analisada a presença das hipóteses previstas na lei para a dispensa, caso contrário, caracteriza-se a inexigibilidade.

É certo que o art. 25 da Lei 8666/93 não elenca, de forma exaustiva, os casos de inexigibilidade, contudo, devem ser observados os seguintes requisitos: a) produtor ou fornecedor exclusivo, para aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros, vedada a preferência de marca; b) contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 da Lei 8666/93, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; c) para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente, ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou opinião pública. Na espécie, o objeto dos contratos (no. 3069/01 e 3119/02 – fls. 86/94), "o patrocínio da Dersa, de seus dirigentes e de seus empregados, a ser realizado nas questões jurídicas relacionadas com a gestão e a execução dos contratos para a execução das obras de construção do Rodoanel Mário Covas", é impreciso e não permite a identificação de serviço de natureza singular.

As expressões "questões jurídicas" e "gestão e execução dos contratos" são genéricas, vagas, deixam dúvidas quanto a necessidade da contratação, bem como dos interesses envolvidos. De fato, a gestão e a execução dos contratos celebrados pela Dersa para a execução das obras do Rodoanel são atos que podem dar ensejo ao aparecimento de inúmeras questões jurídicas envolvendo a entidade, seus dirigentes e empregados. E, assim, qual é o objeto singular do serviço contratado pela Administração Pública? Acompanhamentos processuais, judiciais e administrativos? E qual a natureza singular do serviço?

Difícil, na verdade, aferir a singularidade do objeto sem a especificação do serviço ou sem a descrição de sua característica peculiar, fora do comum. Ademais, o que é singular é o serviço, que deve ter um atributo diferenciador, incomum, porque a natureza singular do serviço não se confunde com a complexidade da obra de construção do Rodoanel, tampouco com os valores estimados para o empreendimento. Conforme menciona Celso Antônio Bandeira de Mello, "Em face do inciso II do art. 13 (contratação de profissional de notória especialização), pode-se propor a seguinte indagação: basta que o serviço esteja arrolado entre os previstos no art. 13 e que o profissional ou empresa seja notoriamente especializados para que se configure a inexigibilidade da licitação, ou é necessário algo mais, isto é, que nele sobreleve a importância de sua natureza singular?

Parece-nos certo que, para compor-se a inexigibilidade concernente aos serviços arrolados no art. 13, cumpre tratar-se de serviço cuja singularidade seja relevante para a Administração (e que o contratado possua notória especialização). Se assim não fosse, inexistiria razão para a lei haver mencionado "de natureza singular", logo após a referência feita aos serviços arrolados no art. 13." (Curso de direito administrativo, 20ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 516).

A notoriedade do escritório de advocacia contratado (e de seus profissionais) não está em discussão, mas sim a legalidade ou não da contratação direta de serviços técnicos. A notória especialização não afasta a competição, porque serviços comuns podem ser executados por profissionais gabaritados e de renome na praça.

Na realidade, da análise dos documentos anexados aos autos, não poderia a Administração Pública ter afastado a licitação, agiu com total afronta aos princípios previstos no art. 37 "caput" da Constituição Federal, pois o serviço contratado, patrocínio da Dersa e seus dirigentes em questões jurídicas relacionadas com a gestão e execução do contrato para a execução das obras do Rodoanel, não pode ser considerado singular ou incomum.

A Administração Pública não é titular dos interesses públicos, mas mera gestora, e deve agir com total submissão à lei, pois não tem a disponibilidade sobre eles. Sendo assim, a contratação ilegal, para satisfazer interesses particulares, é inadmissível, indica o descaso para com os interesses públicos, bem como configura ato de improbidade administrativa, que merece total repúdio.

A Dersa dispõe de departamento jurídico capaz de desempenhar o serviço contratado e, ainda que insuficiente o quadro funcional, deveria ter realizado a licitação, para fazer valer não só a lei, mas também o princípio da isonomia e permitir a competição entre eventuais interessados na prestação do serviço técnico não singular.

Cabe ressaltar, que a contratação de pareceres jurídicos, sem licitação, para justificar a celebração dos contratos em análise, não justifica a atuação ilegítima dos réus, representa não só afronta à regra prevista no art. 37, XXI da Constituição Federal, como também configura ato de improbidade. Os réus desrespeitaram os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, praticaram condutas ilícitas, contratação direta, sem respaldo legal. Sobre a moralidade administrativa, Celso Antonio Bandeira de Mello preleciona o seguinte: "De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do artigo 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos." (in Curso de Direito Administrativo, 14. ed., São Paulo: Malheiros, p. 101/102)

Nesse ponto, é conveniente, mais uma vez, insistir na idéia de que o contrato administrativo celebrado sem existência prévia de licitação é nulo, não produz qualquer efeito. O que foi recebido pela parte contratada deve ser devolvido ao erário, não havendo necessidade de descrição de um dano expresso, que, na verdade, se presume, dada a possibilidade hipotética de contratação em condições mais vantajosas, caso a licitação tivesse sido realizada.

É importante ressaltar que a manutenção do valor do contrato não pode ser considerada, por si só, um indicador de licitude, não elimina o fato de que a Administração Pública pagou uma certa importância ao escritório de advocacia a fim de que ele cumprisse obrigações contratuais completamente nulas, em função da suposta inexistência de licitação.

Reza o artigo 10, incisos VIII da Lei nº 8.249/92: "Artigo 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente: ... VIII – frustar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; Inequívoco, portanto, o enquadramento da conduta dos réus no artigo 10, inciso VIII da Lei nº 8.429/92 e, assim, está caracterizado o ato de improbidade administrativa. Incide no caso, também, o artigo 11, inciso I da mesma lei, pois, com a dispensa indevida da licitação, praticou-se ato com o objetivo de não permitir a concorrência, a competição entre possíveis interessados, o que é proibido pelo nosso ordenamento jurídico.

Ainda que não estivesse perfeitamente caracterizada a hipótese desse último dispositivo, seria possível a declaração de nulidade dos aditamentos ilícitos e o ressarcimento do dano causado ao erário, já que, de acordo com o artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, tal ressarcimento é viável em qualquer tipo de ato de improbidade. O ressarcimento do dano causado ao erário deve ser feito, solidariamente, pelos três réus, pois, como se sabe, a aplicação da Lei nº 8.429/92 não se limita aos agentes públicos.

Seu artigo terceiro é expresso no sentido de que são abrangidos todos aqueles que concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem de forma direta ou indireta. O disposto no art. 59, parágrafo único da Lei 8666/93 ("A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.") tem aplicação na espécie.

O direito à indenização somente se verifica quando o contratado atuou com boa-fé e não esteve conluiado com a Administração Pública na ilegalidade. Contudo, embora o escritório contratado ostente vasta experiência na área de Direito Público, sua equipe jurídica facilmente perceberia a existência de ilegalidade concernente à falta de licitação, mas a devolução do valor total da despesa gerada pelos contratos não merece ser acolhida, diante da vedação ao enriquecimento sem causa, acolhida em nosso ordenamento jurídico.

Sendo assim, os valores dos serviços efetivamente prestados, demonstrados mediante documentos, bem como as despesas deles oriundas, não devem ser devolvidos, uma vez que houve a prestação do serviço em benefício da entidade. O montante deverá ser apurado na fase de liquidação por arbitramento com base na Tabela de Honorários da Ordem dos Advogados do Brasil, vigente na época dos fatos. Os agentes públicos atuaram de forma, no mínimo, culposa, porque não cumpriram o preceito constitucional da obrigatoriedade de licitação, razão pela qual devem ser condenados ao ressarcimento do dano causado ao erário, nos termos expostos, e em caráter solidário, com fundamento na regra do artigo 942 do código Civil. Passo, por fim, à aplicação das demais sanções estipuladas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92.

Considerando a extensão do dano ocasionado ao erário público, a gravidade das condutas dos réus, violação dos princípios constitucionais da moralidade, legalidade, isonomia, bem como da ofensa à regra da obrigatoriedade de licitação, aplico aos réus SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, RAIMUNDO D`ELIA JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO, VALTER ANTONIO ROCHA, RICARDO TEIXEIRA as sanções previstas no inciso III do citado dispositivo, quais sejam, a perda da função pública (que porventura estiverem exercendo), a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, o pagamento de multa civil correspondente a cem vezes o valor que recebiam na época dos fatos, bem como aos citados réus e ao ESCRITORIO MANESCO, RAMIRES PEREZ, AZEVEDO MARQUES – ADVOCACIA a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos,

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE a ação, nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade dos contratos nºs. 3069/01 e 3119/02, celebrados entre Desenvolvimento Rodoviário S.A – DERSA e o escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados. Condeno os réus, solidariamente, ao ressarcimento da despesa gerada pelos contratos à Dersa, que superar o valor dos serviços efetivamente prestados, fixados com base na Tabela de Honorários da OAB, vigente na data dos fatos, bem como o valor das despesas comprovadas, relacionadas com os serviços.

Sobre o valor da despesa que será devolvido à Dersa deve incidir correção monetária desde a data do desembolso e juros de mora, desde a citação, no patamar de 1% ao mês (art. 406 do CC). Condeno os réus SERGIO LUIZ GONÇALVES PEREIRA, REYNALDO RANGEL DINAMARCO, RAIMUNDO D`ELIA JUNIOR, JOSÉ KALIL NETO, VALTER ANTONIO ROCHA, RICARDO TEIXEIRA à perda da função pública que eventualmente estiverem ocupando, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pagamento de multa civil correspondente a cem vezes o valor da remuneração percebida por eles na época dos fatos. Aplico aos réus mencionados e ao Escritório de Advocacia Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados a sanção de não contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de três anos.

Condeno os réus ao pagamento de custas e despesas processuais.

P.R.I. São Paulo, 04 de maio de 2007.

Simone Gomes Rodrigues Casoretti Juíza de Direito

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2007

Simples assim

Direito eficaz é aquele que dá a cada um o que já é seu

por Antonio Pessoa Cardoso

Para que o juiz exerça o encargo de pacificação social o Estado estabelece obrigações para as partes, consistente uma delas na formação dos autos do processo, ferramenta na qual são expostos os fatos do litígio para apreciação e deliberação do julgador. É providência burocrática, mas indispensável à transparência do serviço judiciário e onde se conta com o perigo de prevalência de nítido formalismo exacerbado a contrapor com informalismo arbitrário.

À formalidade excessiva, que não encontra o direito material em tempo razoável, justifica-se a prática da informalidade processual, desde que respeitados os direitos fundamentais das partes na conquista da solução justa para a demanda.

Os autos do processo são compostos de peças e documentos juntados pelas partes, tais como petição inicial e contestação; atas, mandados, certidões, ofícios, editais, etc., preparados pelo cartório; despachos e sentença de autoria do julgador; outros papéis, sem a menor utilidade, podem engrossar o caderno no qual o juiz procederá a estudos para firmar seu convencimento.

Já se disse que um dos grandes problemas da Justiça é a crise do processo e os tempos atuais reclamam o máximo de resultados com o mínimo de atos processuais, não mais se admitindo atrasos das decisões, face à burocracia dos papéis. Aliás, o grande mérito da Emenda 45/2004 à Constituição situa-se exatamente na garantia de razoável duração do processo e meios que assegurem a celeridade.

O juiz, no processo moderno, transforma-se de figura receptiva para ativa, possuindo condições técnicas para influir na colheita das provas que entender necessárias para firmar sua posição na decisão do feito. Os critérios norteadores da livre convicção do julgador são fixados, dentre outros, no respeito aos princípios da fundamentação, do decisório, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e da impessoalidade da jurisdição, artigo 131 CPC e artigo 5º, incisos I e XXXVI da Constituição.

Sabe-se que nenhuma lei traduz integralmente o Direito, daí a necessidade da interferência judicial para interpretar a lei e não aplicá-la mecanicamente.

Neste terceiro milênio, já não se justifica a postura milenar e retrógrada do juiz que entende processo nos estritos limites da instrumentalidade, sem busca da efetividade da justiça e com apego às filigranas processuais; só assim, a Justiça se aproximará do jurisdicionado, sem afastar da lei. ("Processo sem Autos. A Oralidade no Processo").

Impõe-se a quebra de paradigmas, pois o direito não pode ficar alheio às transformações cibernéticas do mundo "virtual" com a fantástica evolução dos bits. Jargão jurídico diz que a sentença é dada de acordo com a papelada que se encontra nos autos e o "direito é aquilo que se requer e o juiz defere". Fora disto, ou seja, pedido indeferido pelo juiz, mesmo que decida contra a lei, não se torna direito. Surgem polêmicas e explicações para conceituação do verdadeiro sentido que se deve emprestar ao termo sentença: a verdade real ou forma para evitar a perpetuação do conflito?

Neste diapasão, o juiz encontra dificuldades para julgamento, a exemplo do "criminoso" que nega o cometimento de homicídio, apesar de todas as provas nos autos; no dia do júri, aparece a vítima, tida como morta.

Outra situação verdadeiramente confusa ocorre no sistema eleitoral; o titulo do eleitor é cancelado, porque comprovada sua morte. No dia da eleição, o cidadão, tido como morto, apresenta-se para votar com toda a documentação que lhe exigem para prova de sua identidade.

O juiz, vivo que é, deve afastar as influências nefastas das fraudes, das injustiças flagrantes e do desrespeito à Constituição, tão em voga no mundo capitalista da superioridade do ter em relação ao ser.

Já dissemos em outro trabalho: "Os teóricos, aqueles que se intitulam fiéis intérpretes da lei, preocupam-se muito mais em descobrir pequenas digressões do procedimento legal do que mesmo em outorgar ou negar o direito material violado. O invólucro torna-se mais valoroso do que o conteúdo, o processo merece maiores cuidados do que a descoberta do justo, muitas vezes às escâncaras, mas sem resultado algum, porque se apega ao texto frio e morto da norma, aparecida em função de um fato social, por vezes já modificado".

O desabafo do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Vitor Nunes Leal, acerca do chicanista que tudo faz para retardar o julgamento, merece reflexão:"As patifarias que comete no processo, falsificando, mentindo, subornando, apegando-se a todas as imperfeições da lei, às vezes, sem nenhum proveito real para o seu cliente, mas sempre em prejuízo do seu adversário, nada disso o constrange ou envergonha".

Anular atos processuais simplesmente por alegada ilegitimidade de parte mostra-se preciosismo inadmissível nos tempos atuais. Se a parte que se diz ilegítima participou do processo e foram respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa não se entende como anular todo o trabalho desenvolvido, somente porque ao invés de José chamou-se a parte de Manoel.

A repetição desnecessária dos atos processuais não agrada a ninguém. É prejuízo para o Estado, causa danos ao cidadão e não oferece vantagem alguma ao operador do direito. Há de se servir do disposto no artigo 295 CPC para a obtenção de resultados com o mínimo de atos processuais.

Ulpiano, na antiguidade, já dizia que a efetividade do Direito consiste na obrigação inadiável de dar a cada o que é seu.

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2007

Pódio às avessas

Segundo colocado deve ser empossado como prefeito

O ministro Cezar Peluso, do Tribunal Superior Eleitoral, acolheu recurso para determinar que o segundo colocado na eleição para prefeito de Condado, na Paraíba, seja empossado. Em decisão individual, o ministro acatou recurso da coligação Condado de Todos (PSDB/PL/PTB/PP), que representou a candidatura de Valdemilson Pereira dos Santos (PSDB).

Nas eleições de 2004, Edvan Pereira de Oliveira Júnior (PPS) foi eleito prefeito de Condado com 2.757 votos. O número representa 62% da votação válida. Segundo colocado no pleito, Pereira dos Santos obteve 1.670 votos (37,7%).

A coligação Condado de Todos ajuizou uma ação de impugnação alegando que o eleito teria comprado votos. A acusação diz que houve distribuição gratuita de remédios da Prefeitura em troca de votos.

A primeira instância cassou os mandatos dos eleitos e determinou a posse do segundo colocado. Mas o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba reformou a decisão para determinar a realização de novas eleições, aplicando o artigo 224 do Código Eleitoral.

O dispositivo diz que se a anulação dos votos atingir mais de metade dos votos, o tribunal deve marcar nova eleição no prazo de 20 a 40 dias. O segundo colocado recorreu então ao TSE.

Peluso entendeu que o artigo 224 não deve ser aplicado em ação de impugnação de mandato eletivo. Dessa forma, o caminho legal é a diplomação do segundo colocado.

Leia a íntegra da decisão

RESPE 27.876 (CEZAR PELUSO) - Decisão Monocrática em 17/05/2007

Origem: CONDADO - PB

RELATOR: MINISTRO CEZAR PELUSO

1. Recurso. Especial. Interposição anterior à publicação do acórdão recorrido. Recurso prepóstero. Seguimento negado. Se não se prova o conhecimento anterior das razões de decidir, não se conhece de recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido. 2. Ação de impugnação de mandato eletivo. Aplicação do art. 224 do Código Eleitoral. Impossibilidade. Recursos providos. "Não se aplica o disposto no art. 224 do CE na hipótese de ação de impugnação de mandato eletivo".

DECISÃO

1. A Coligação Condado de Todos (PSDB/PL/PTB/PP) ajuizou ação de impugnação de mandato eletivo contra Edvan Pereira de Oliveira Júnior e Manoel Felinto de Lacerda Filho, prefeito e vice-prefeito eleitos em 2004, sob alegação de captação ilícita de sufrágio, prática de conduta vedada e abuso do poder econômico e político, devido à distribuição gratuita de remédios pertencentes à Prefeitura em troca de votos (fl. 3).

O juiz eleitoral julgou procedente o pedido e cassou os mandatos dos impugnados, declarou-lhes a inelegibilidade, designou a realização de solenidade de diplomação dos segundos colocados e determinou a notificação da Câmara Municipal, para que, em 24 horas, promovesse a posse dos diplomados (fl. 627).

Ajuizada medida cautelar com pedido de liminar, foi, em sede de agravo regimental, deferida pelo tribunal regional eleitoral, para que a sentença somente fosse executada após o julgamento do recurso ordinário interposto.

A Corte Regional modificou parcialmente a sentença, apenas para afastar a pena de inelegibilidade e aplicar o art. 224 do Código Eleitoral, e determinou a realização de novas eleições (fl. 763).

O presidente da Câmara Municipal comunicou que, por força da publicação do acórdão proferido pelo TRE, foi empossada, em 20.9.2006, no cargo de prefeito interino do município, a vereadora Maria Madalena de A. Fernandes (fl. 874).

Foram opostos embargos de declaração pelo prefeito, assim como pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 843 e 861). Os primeiros foram rejeitados, mas os segundos foram acolhidos, para que a questão posta em julgamento quanto à nulidade parcial da sentença passasse a integrar o voto vencedor, nos termos das notas taquigráficas respectivas (fl. 877).

A coligação e seu candidato, Valdemilson Pereira dos Santos, segundo colocado no pleito, interpõem recursos especiais, separadamente (fls. 811 e 826). Argúem, em síntese, a inaplicabilidade do art. 224 do Código Eleitoral em ação de impugnação de mandato eletivo. Concluem, portanto, que seria imperiosa a diplomação dos candidatos em segunda colocação no pleito.

O prefeito e seu vice também interpõem recurso especial (fl. 888). Sustentam a ocorrência de negativa da prestação jurisdicional, devido à rejeição dos seus embargos, em violação aos arts. 5º, XXXV, XXXVI, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal, bem como ao 275, I e II, do Código Eleitoral. Alegam ofensa ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97, em razão da inexistência e não tipificação de captação ilícita de sufrágio. Aduzem, ainda, contrariedade aos arts. 22 da Lei Complementar nº 64/90 e 14, § 10, da Constituição Federal, pois os fatos não teriam tido potencialidade para influir no resultado do pleito e o alegado abuso do poder político e econômico não se teria configurado.

Os recursos foram admitidos (fls. 1.039 e 1.042).

O Ministério Público opina pelo provimento dos recursos da coligação e de seu candidato e pelo desprovimento do recurso do prefeito e de seu vice (fl. 1.065).

2. Incognoscível o recurso do prefeito e de seu vice.

O acórdão que julgou os embargos de declaração foi publicado em 11.10.2006 (fl. 884), mas o recurso foi protocolado antes, em 9.10.2006 (fl. 888).

No Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência é firme e aturada no sentido de que o recurso prepóstero deve ser considerado intempestivo:

1. RECURSO. Extraordinário. Interposição antes de publicação do acórdão. Possibilidade teórica de acompanhamento eletrônico. Irrelevância. Sistema que apenas informaria o estado do processo, não as razões de decidir. Recurso prepóstero. Não conhecimento. Se não se prova doutro modo o conhecimento anterior das razões de decidir, não se conhece de recurso interposto antes da publicação da decisão recorrida no Diário da Justiça ou da sua juntada aos autos.

[...] (AI-AgR nº 558.168/RJ, DJ 24.3.2006, da minha relatoria).

Do voto condutor consta:

1. Abusivo o recurso.

É verdade que sistemas de acompanhamento eletrônico podem dar a conhecer o estado do processo e, até, o teor do dispositivo de decisões, mas, neste caso, assim não há nenhuma prova de que estivera disponível tal informação, nem a partir de que data o estaria, como a não há de que, diversamente do que sucede de ordinário, eventual sistema tornasse disponível o inteiro teor do acórdão impugnado que fizessem públicas também as razões de decidir, sem cujo conhecimento não se concebe recurso adequado.

[...].

Nesta Corte, o entendimento não é diferente (cf. Acórdãos nos 26.386, de 21.11.2006, e 955, de 5.12.2006, ambos da minha relatoria).

No caso, os referidos recorrentes não comprovaram ter tido conhecimento das razões de decidir anteriormente à publicação oficial. Por esse motivo, seu apelo não merece seguimento.

Quanto aos recursos da coligação e de seu candidato, segundo colocado no pleito, devem ser providos.

De fato, este Tribunal Superior já firmou o entendimento de que "não se aplica o disposto no art. 224 do CE na hipótese de ação de impugnação de mandato eletivo" (Acórdão nº 1.851, de 10.8.2006, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA).

No mesmo sentido, os Acórdãos nos 21.432, de 11.5.2004, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS, e 21.327, de 4.3.2004, Rela. Min. ELLEN GRACIE.

3. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso de Edvan Pereira de Oliveira Júnior e Manoel Felinto de Lacerda Filho e dou provimento aos recursos da Coligação Condado de Todos (PSDB/PL/PTB/PP) e de Valdemilson Pereira dos Santos, para que seja determinada a posse dos segundos colocados nas eleições municipais de 2004.

4. À Secretaria Judiciária, para que, retificando a autuação, faça constar a Coligação Condado de Todos e Valdemilson Pereira dos Santos também como recorrentes.

Brasília, 17 de maio de 2007.

MINISTRO CEZAR PELUSO

Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2007

Operação Navalha

Leia o voto que deu liberdade a ex-procurador preso

por Priscyla Costa

Prisão não pode ser castigo para quem não sabe sequer do que está sendo acusado. Foi com esse fundamento que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas Corpus para Ulisses Cesar, ex-procurador-geral do Estado do Maranhão. Ele foi preso, na quinta-feira (17/5), durante a Operação Navalha, da Polícia Federal.

Ulisses é acusado de participar de esquema de fraude a licitação. A prisão foi decretada para que o ex-procurador não prejudicasse a investigação. Ulisses há sete meses não trabalha mais na Procuradoria. Atualmente, ocupa cargo de conselheiro feral da OAB.

A Polícia Federal pediu a prisão do acusado porque ele emitiu um parecer em julho de 2006 a favor de uma licitação. Para Gilmar Mendes, "não há ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático jurídica entre a emissão de parecer jurídico pelo investigado e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa".

De acordo com o ministro, "caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação".

Além disso, segundo o ministro, o decreto da prisão não individualizou "quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta 'organização criminosa' à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente". Conforme o ministro, "não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada".

Operação

A Operação Navalha foi deflagrada pela Polícia Federal na manhã de quinta-feira (17/5) contra acusados de fraudes em licitações públicas federais. A PF prendeu 47 pessoas. Entre elas, o assessor do Ministério de Minas e Energia Ivo Almeida Costa, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o prefeito de Sinop (MT) Nilson Leitão (PSDB) e o prefeito de Camaçari (ES) Luiz Carlos Caetano, coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência em 2006.

O ministro Silas Rondeau determinou o afastamento preventivo do assessor especial de seu gabinete. Já o ministro de Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, declarou que a ação não influencia o Programa de Aceleração do Crescimento. Obras do PAC e Luz para Todos estão entre as supostamente fraudadas.

Também foram presos o superintendente de produtos de repasse da Caixa Econômica Federal, Flávio José Pin; o filho do ex-governador de Sergipe João Alves Filho, João Alves Neto; e o presidente do Banco Regional de Brasília (BRB), Roberto Figueiredo.

Segundo Polícia Federal, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama que então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

Leia o voto

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.386-5 BAHIA

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S): ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA

IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

ADVOGADO(A/S): ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (Advogados: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS), em favor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, em que se impugna decreto de prisão preventiva proferido pela Rel. Min. Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Inquérito no 544/BA.

Conforme consta da inicial, o paciente teve sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a "associação criminosa" investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do
decreto prisional, em argumentação sistematizada nos seguintes termos:

"1. Paciente que há 07 meses não é mais Procurador Geral do Estado e nem ocupa qualquer cargo público no Estado do Maranhão, sendo Conselheiro Federal da OAB, pelo segundo mandato consecutivo.

2. Decreto de prisão que, contraditoriamente, aponta com relação ao paciente um único fato anterior a 14 de julho de 2006 e, diferentemente dos demais, não aponta qualquer conversa sua incriminatória, mas afirma para justificar a prisão que esta serve como mecanismo para 'paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade'.

3. Prisão preventiva decretada a granel contra 47 pessoas apontando-se, com base em supostas conversas gravadas em fevereiro de 2.007, o fato de que a 'associação criminosa' tem os olhos postos nas futuras verbas do PAC, o que demonstraria a perpetuação das atividades da organização criminosa. Ausência absoluta de relação deste fato com o paciente que nunca participou de conversas relacionadas ao tema e, como explicita a própria decisão tem sua conduta investigada centrada em fornecimento de parecer como Procurador Geral do Estado anterior à 14 de julho de 2.006.

4. Independentemente do acerto ou desacerto da asserção da il. Autoridade coatora sobre os fatos investigados, há manifesta confusão entre a suposta autoria de fato supostamente criminoso e a necessidade da cautela processual, máxime quando o fato teria ocorrido em período distante. A se validar o raciocínio da autoridade coatora todo denunciado deveria ser preso num inadmissível reedição da prisão preventiva obrigatória.

5. Ilegalidade do decreto prisional que faz referência genérica à garantia da ordem pública, econômica e conveniência da instrução processual, sem indicar um elemento concreto sequer para justificar a necessidade da prisão cautelar. [...] Não é preciso dizer que a prisão preventiva é medida excepcional e, como tem reiteradamente advertido o egrégio Superior Tribunal de Justiça e esta Suprema Corte, só deve ser destinada a causas em que se demonstre a manifesta necessidade da constrição cautelar e mais: fundada em elementos concretos. A lição do eminente Min. FELIX FISCHER que deixou de prender diversas autoridades judiciárias em razão da Operação Themis é exemplo disso (Inq. n.° 547).

Também é desnecessário comentar que para afirmar a violação da ordem pública e ordem econômica para justificar o decreto de prisão cautelar, devem-se apontar dados concretos e reais que vinculem a pessoa que se pretende prender ao perigo às ordens que se entendem violadas.

Embora, essa lição seja corrente, a decisão da ilustre autoridade coatora, em que pese a sua qualidade, prescindiu completamente de demonstrar a necessidade da custódia cautelar do paciente, insista-se, medida excepcionalíssima.

Como destacado na r. decisão, embora haja 'apenas o início das provas que foram colhidas' e 'resultados parciais das diligências', entendeu S. Exa., a ilustre Ministra, a adoção de providência judicial, qual seja a decretação da prisão preventiva, medida extrema, que deveria ser manejada como última alternativa e não como primeira, tal como realizado.

É bom dizer que no longo despacho, com relação ao paciente, em relação ao qual não se indicou um documento sequer ou conversa gravada em interceptação telefônica que confirmasse a sua participação, destacou-se apenas o seguinte:

'Ulisses César Martins de Sousa, Procurador- Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradora do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrato, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2.006'.

Nada, nem uma linha sequer, relacionada os coinvestigados é citado com relação ao paciente. Em primeiro lugar, deve-se advertir para o fato de que o paciente foi Procurador-Geral do Estado do Maranhão tendo deixado, o cargo em outubro do ano passado (doc. 3). Portanto, há mais de 07 meses.

Hoje, como há mais de dez anos, o paciente é advogado de uma das bancas de advocacia mais respeitadas no Estado do Maranhão e pelo voto direto de seus pares, pela segunda vez, foi eleito Conselheiro Federal da OAB.

Em segundo lugar, não se compreende, porque não está dito, de qual elemento concreto dos autos se extraiu a afirmação de que em meados de 2.006, portanto há quase um ano, o paciente pressionou a Procuradora do Estado.

Aliás, pressionou para quê, se como se lê da r. decisão o paciente era Procurador Geral do Estado e 'deu parecer favorável para permitir o pagamento...'? Ademais, de qual elemento concreto e técnico se extrai que as medições apresentadas continham 'erros graves'. Há perícia a este respeito? Se as medições são realizadas por agentes públicos e encaminhadas para a Procuradoria, cabe a esta apenas em seu parecer examinar os aspectos jurídicos e não refazer as medições realizadas por técnicos, portanto, tal afirmação constitui manifesto abuso.

Ademais, qual elemento demonstra que o parecer não deveria ser favorável? O que demonstra que o termo aditivo ao contrato neste caso era obrigatório? Qual a relação do paciente com o efetivo pagamento do valor devido ou indevido à empresa? E ainda que houvesse e, não há, no que isto demonstra a necessidade da prisão cautelar do paciente?

Eminentes Ministros, na r. decisão foi decretada a prisão preventiva de 47 pessoas, descreve-se ao longo de dezenas de folhas a conduta de diversos investigados, nenhuma referência há ao paciente, a não ser o trecho acima destacado que não se relaciona em absolutamente nada com a conduta descrita com relação aos demais investigados.

Tal digressão é necessária, não só para demonstrar o absurdo da inclusão do paciente entre os investigados, mas para espancar a falta de justa causa e ilegalidade do decreto de prisão contra si decretado.

Mas, abstraindo questões de mérito, é evidente que há uma flagrante confusão entre a suposta prática de um crime e a necessidade da cautela processual. A persistir tal critério, todo denunciado deveria ser preso e, assim, a malsinada prisão prventiva obrigatória seria reeditada em plena democracia.

Logo de início, observa-se que os fatos a ele relacionados foram anteriores a 14 de julho de 2.006, quando teria sido feito o pagamento à empresa. Portanto, de lá até hoje não se identificou qualquer conduta, conversa ou indício que revele qualquer suspeita sobre o paciente.

Mais do que isso, na 'fundamentação' externada para justificar a prisão imposta, a d. coatora é categórica em afirmar que esta medida extrema é tomada para 'paralisar a atuação da organização criminosa' (...) 'que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC'.

O que, eminentes Ministros, têm o paciente a ver com isto? Se a suposta conduta criminosa a ele atribuída teria ocorrido antes de 14 de julho de 2.006, como se pode incluí-lo no argumento de que a prisão visa paralisar a atuação da organização criminosa? E as conversas de fevereiro de 2.007 relacionadas ao PAC, no que se referem ao paciente? Nada, absolutamente nada.

Com a devida e maxima venia, a ilustre coatora jogou 47 pessoas em uma vala comum e com base em uma fundamentação absolutamente genérica e desprendida da realidade, que valeria para qualquer caso, decretou a prisão preventiva do paciente. Dizer que se visa preservar a credibilidade e moralidade das instituições estatais é, com todo o respeito, pura retórica que não equivale à fundamentação.

O paciente, homem de bem que nunca se envolveu com qualquer fato criminoso, é casado, advogado, pai e arrimo de família. Embora não tenha sido preso, porque não se encontrava presente no momento do cumprimento do mandado de busca e apreensão, se encontra inteiramente à disposição desta e. Corte Especial, das autoridades policiais para prestar todos os esclarecimentos necessários.

O que não pode admitir o paciente é submeter-se a uma ordem que se reputa manifestamente ilegal, desfundamentada e baseada em presunções.

Insista-se, não há com relação ao paciente a indicação de um elemento concreto sequer que demonstre a necessidade de sua prisão preventiva, seja no que concerne à garantia da ordem pública, seja à garantia da ordem econômica, seja por conveniência da instrução criminal, da onde decorre a manifesta ilegalidade da r. decisão atacada" – (fls. 04/05; e 0711)

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que:

"o periculum in mora é patente pelo fato de o paciente ter contra si decretada prisão preventiva manifestamente ilegal. Como já decidiu o eminente Min. CELSO DE MELLO: 'A medida liminar, no processo penal de habeas corpus, tem o caráter de providência cautelar. Desempenha importante função instrumental, pois destina-se a garantir - pela preservação cautelar da liberdade de locomoção fisica do indivíduo – a eficácia da decisão a ser ulteriormente proferida quando do julgamento definitivo do writ constitucional' (RTJ 147/962).Insista-se, o paciente se compromete, caso seja determinado, colocar seu passaporte à disposição do Juízo, bem como permanecer à disposição do Juízo para o que for necessário" – (fl. 15)

Por fim, o impetrante requer, liminarmente, "seja revogada a prisão imposta ao paciente, determinando-se a imediata expedição de contra-mandado de prisão em seu favor e, no mérito, aguarda-se seja reconhecida a ilegalidade do decreto de prisão preventiva, como medida de JUSTIÇA!" – (fl. 17).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste writ, a inicial impugna a validade da fundamentação de decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA).

Nesse particular, é válido transcrever as oportunidades nas quais o decreto cautelar fez menção específica e direta à atuação do referido paciente na condição de investigado perante o STJ nos autos do INQ no 544/BA. Consideradas essas balizas, eis o teor da decretação da custódia cautelar tão somente no que concerne ao ora paciente, verbis:

"No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas. A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa a depender dos interesses do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[...]

17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA" – (fl. 27/28).

[...]

"Os diálogos captados nas interceptações ocorridas entre maio e junho de 2006 mostram a existência e um esquema para viabilizar o pagamento das medições fraudulentas das pontes em construção, participando do grupo o então Secretário de Infra-Estrutura do Estado ou mesmo em relação a obras não realizadas NEY DE BARROS BELLO, do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA (referido por 'GORDINHO'), do Consultor Financeiro do Estado à época, ROBERTO FIQUEIREDO GUIMARÃES e do Assessor do Governador, GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, todos envolvidos com o chefe da organização, ZULEIDE VERAS" - (fl. 31).

[...]

"A medição foi aprovada, ao final, com o parecer favorável do Procurador-Geral do Estado ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA e do Secretário NEY DE BARROS BELLO, com a determinação de pagamento no valor de R$1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) na data de 14 de julho de 2006" - (fl. 36).

[...]

"A partir daí, o grupo passou a se articular com servidores do Estado com o objetivo de fraudar o processo licitatório, através do qual seria escolhida a empresa que executaria as obras. Os principais articuladores foram: ZULEIDO VERAS, VICENTE CONI, GERALDO MAGELA, MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA e JOÃO MANOEL SOARES, os quais já contavam com a promessa do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CÉSAR MARTINS DE SOUSA, de que a obra seria executada pela GAUTAMA.

Entretanto, às vésperas da celebração do convênio, o Procurador-Geral de Justiça comunicou a VICENTE CONI que pretendia direcionar a licitação para outra empresa, a Construtora SUTELPA, alteração devida ao não-cumprimento dos compromissos por parte da organização criminosa (pagamento de propinas)" - (fl. 42).

[...]

"No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamentos dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de mediações fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São caracterizados como intermediários.

Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório fl. 05/066):

'... a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do servidor com o grupo criminoso'. Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:" - (fl. 116/117).

[...]

"17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, Procurador-Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradores do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrário, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00(um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2006" - (fl. 116/117- 121).

[...]

"Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e Lei 9.296/96" – (fl. 122).

[...]

"Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[...]

46) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA;" - (fl. 123/124).

Da leitura do ato decisório exarado pela autoridade apontada como coatora (Rel. Min. Eliana Calmon), observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato do investigado ter emitido parecer na condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão.

A rigor, dos documentos acostados aos autos pela impetração, não é possível identificar demais elementos que, de modo concreto, teriam contribuído para balizar a fundamentação de decreto cautelar sob os requisitos da garantia da ordem pública, assim como para assegurar a instrução criminal.

Segundo consolidada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com o princípio constitucional da não-culpabilidade qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado. Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Nesse contexto, tenho, inclusive, indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta. No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário "paralisar a atuação da organização criminosa [...] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC" – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta "organização criminosa" à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao referido paciente diz respeito aos fatos de que: i) o referido paciente há mais de 7 meses não mais ostenta a condição de Procurador-Geral do Estado do Maranhão e nem ocupa qualquer cargo público na referida Unidade da Federação; e ii) não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático jurídica entre a emissão de parecer jurídico pelo investigado (ocorrida em 14 de julho de 2006) e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente. Caso ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA já se encontre preso em decorrência da prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA, deverá ser posto, imediatamente, em liberdade, nos termos e na extensão acima especificados.

Expeça-se contra-mandado de prisão em favor do ora paciente, de cujo teor deverá constar a parte dispositiva mencionada no parágrafo anterior.

Comunique-se, com urgência.

Solicite-se ao Superior Tribunal de Justiça o inteiro teor da decisão proferida pela Min. Relatora do INQ no 544/BA. Após, abra-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 17 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 2007