Luiz Antonio Costa de Santana

domingo, outubro 09, 2005

STF decide que cabe o benefício para crime hediondo

STF decide que cabe o benefício para crime hediondo - Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2005
por Alexandre Machado

Em julgamento da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, os ministros decidiram substituir a pena privativa de um réu condenado por tráfico de drogas por uma pena restritiva de direitos. Um dos fundamentos para a concessão do habeas corpus, cujo relator foi o ministro Cezar Peluso, foi a discussão sobre a constitucionalidade do impedimento de progressão de regime, que se encontra em discussão pelo Plenário do STF – a ser decidida no HC 82959. O entendimento firmado na ocasião mostra como a falta de decisão da Corte sobre algumas teses penais tem levado os ministros, em casos isolados, a conciliar a ausência de um posicionamento definitivo do STF e a necessidade de evitar prejuízos aos réus.
Situação semelhante foi observada no julgamento de outro habeas corpus (HC 86328) na primeira turma. O relator foi o ministro Eros Grau. Foi concedido ao réu, condenado por roubo, liberdade provisória, “até que seja julgado pelo Plenário o HC 85591/SP, no qual se discute a constitucionalidade da execução provisória da pena, diante do princípio da presunção da não-culpabilidade”. A tese a ser discutida é: a possibilidade, ou não, de execução da pena na pendência de recursos sem efeito suspensivo.
No primeiro caso, o habeas corpus a partir do qual se discute a progressão de regime no caso dos crimes hediondos – e equiparados – está com a ministra Ellen Gracie desde dezembro de 2004. Até o momento, os ministro Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto entenderam que há direito para a progressão; Carlos Velloso e Joaquim Barbosa negaram o pedido de habeas corpus; Cezar Peluso, acompanhou o relator e cancelou, de ofício, o aumento da pena do artigo 226, III, do código penal; Gilmar Mendes declarou a inconstitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 2º da lei de crimes hediondos.
Ao proferir seu voto, contudo, o ministro Cezar Peluso entendeu que a lei 8072/90 nada estatui acerca de suspensão condicional ou de substituição da mesma pena. E prosseguiu: “Por outro lado, a lei nº 9.714/98, que alterou disposições do Código Penal, ampliando a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, é posterior à Lei nº 8.072/90, mas não hospeda princípio ou norma que obste sua aplicação aos chamados ‘crimes hediondos’, senão apenas àqueles cujo cometimento envolva violência ou grave ameaça à pessoa”.
Para o relator, é fundamental fazer a diferenciação entre “aplicação da pena” e sua “execução”, que seriam momentos distintos e sucessivos, dotados de regras próprias de individualização.
“Enquanto o primeiro concerne ao ato típico, ilícito e culpável, concretamente praticado pelo condenado e, o segundo, ao desenvolvimento da execução da pena já aplicada”, diferenciou Peluso. O relator entendeu que o regime fechado não poderá ser empecilho à substituição pela pena restritiva de direitos se, por boas razões jurídicas, a mudança se deu.
“Noutras palavras, se já não há pena privativa de liberdade por cumprir, a só previsão legal de cumprimento dela em regime fechado não pode retroverter para atuar como impedimento teórico de sua substituição por outra modalidade de pena que não comporta a idéia desse regime. De cumprimento integral em regime fechado só se pode falar quando haja execução da pena privativa de liberdade, cuja decisão é sempre prius lógico-jurídico. A sentença deve decidir, primeiro, se a pena por aplicar é, ou não, privativa de liberdade! E, quando o não seja, pensar-se em cumprimento integral em regime fechado é de toda a impropriedade, assim para lhe exigir o cumprimento, como para servir de razão impediente da escolha doutra modalidade de pena”, disse o relator.
O relator ainda usou como fundamentos para o seu voto o fato de que a lei 9.714/98, posterior à lei 8.072/90, ao ampliar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, não abrigou princípio ou norma que obstasse a sua aplicação aos chamados “crimes hediondos”, senão apenas àqueles cujo cometimento envolva violência ou grave ameaça à pessoa. Nesse sentido, avaliou, no crime de tráfico de drogas não há, em regra, o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa.
No caso do ministro Eros Grau, tratava-se de um condenado por roubo qualificado pelo concurso de pessoas. A pena fixada era de cinco anos e oito meses de reclusão, em regime semi-aberto.
Como estavam presentes requisitos do código de processo penal que permitiam ao réu apelar em liberdade, o juiz concedeu o benefício. Que foi cassado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A decisão foi atacada, por habeas corpus, no Superior Tribunal de Justiça. Naquele tribunal, o hc foi negado ao fundamento de que, esgotados os recursos sem efeito suspensivo, é lícita a execução da pena.Justamente a tese em debate no Supremo.
Neste caso, também, o julgamento do habeas corpus que definirá a questão da execução provisória da pena foi suspenso em razão de pedido de vista da ministra Ellen Gracie. Na decisão que proferiu, sendo seguido à unanimidade, Eros Grau optou, então, por conceder a liberdade provisória ao réu, até o julgamento no qual o Supremo se posicionará sobre o tema.

Voto do Ministro Celso de Mello sobre excesso de prazo - Consultor Jurídico

O excesso de prazo na prisão cautelar não pode ser tolerado, mesmo se tratando de crime hediondo. Essa é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, citada pelo ministro Celso de Mello, que mandou libertar dois acusados de participar de um confronto com “pistoleiros” de uma fazenda em Anapu, no Pará. O episódio culminou com a morte de uma pessoa. A terceira pessoa acusada era a freira Dorothy Stang que, mais tarde, seria assassinada na mesma região de conflito.
Em seu despacho, Celso de Mello relata que os acusados foram presos em 27 e 28 de fevereiro de 2004. O Ministério Público somente ofereceu denúncia em 18 de junho do ano passado e a Justiça só a recebeu em 16 de setembro. O interrogatório judicial dos acusados foi feito apenas em 14 de outubro e, até agora, “a fase de instrução penal sequer se iniciou”.
“Vê-se, portanto, que o quadro registrado no caso ora em análise traduz situação que não pode ser tolerada, ainda mais por representar, independentemente da natureza da infração delituosa objeto da imputação penal, a consumação de clara lesão ao ‘status libertatis’ dos réus, ora pacientes”, registrou o ministro.
Leia a íntegra do voto de Celso de Mello
MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 85.988-7 PARÁ
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
PACIENTE(S): JOSÉ DOS PASSOS RODRIGUES DOS SANTOS
PACIENTE(S): JUNIOR ALVES DE CARVALHO
IMPETRANTE(S): PATRICK MARIANO GOMES E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO: A prisão em flagrante dos ora pacientes – cuja legalidade é por eles contestada, pois sustentam a inocorrência, no caso, da situação de quase-flagrância ou de flagrância imprópria (CPP, art. 302, III) – ocorreu em 27 e em 28 de fevereiro de 2004. Não obstante a norma inscrita no art. 10, “caput”, do CPP, o Ministério Público somente ofereceu denúncia em 18/06/2004, consubstanciada em peça acusatória que veio a ser recebida apenas em 16/09/2004.
O interrogatório judicial dos ora pacientes, por sua vez, só se efetivou em 14/10/2004, sendo que a fase de instrução penal sequer se iniciou.
Vê-se, portanto, que o quadro registrado no caso ora em análise traduz situação que não pode ser tolerada, ainda mais por representar, independentemente da natureza da infração delituosa objeto da imputação penal, a consumação de clara lesão ao “status libertatis” dos réus, ora pacientes.
O exame dos elementos constantes destes autos, considerada a seqüência cronológica dos dados juridicamente relevantes, permite reconhecer, desse modo, a efetiva ocorrência, na espécie, de superação irrazoável dos prazos legais.
Em conseqüência de tal situação, os ora pacientes permanecem, na prisão, por período superior àquele que a lei permite, dando ensejo à situação de injusto constrangimento a que alude o ordenamento positivo (CPP, art. 648, II).
É sempre importante relembrar, neste ponto, que ninguém pode permanecer preso, especialmente quando sequer proferida sentença penal condenatória, por lapso temporal que excede ao que a legislação autoriza, consoante adverte a própria jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame:
“O EXCESSO DE PRAZO, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO), NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU.
- Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 – RTJ 157/633 – RTJ 180/262-264 – RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.
- O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.
- A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.
- O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.” (HC 85.237/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
O argumento de que a existência de litisconsórcio penal passivo poderia justificar um razoável prolongamento da permanência na prisão não se justifica, quando o excesso verificado – porque irrazoável – revela-se inaceitável (RTJ 187/933-934), ainda mais quando tal situação anômala – a que deu causa, exclusivamente, o aparelho de Estado – não foi provocada por aqueles, como os ora pacientes, que sofrem a privação cautelar de sua liberdade.
Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, ainda, os esclarecimentos que o impetrante prestou a fls. 23/31, após o despacho que exarei a fls. 21, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar a imediata soltura dos ora pacientes, se por al não estiverem presos, relativamente ao Processo-crime nº 060/2004-AP (Vara Agrária de Altamira/PA), cujos autos – porque remetidos ao Juízo de Direito da comarca de Pacajá/PA – possuem, agora, a seguinte numeração identificadora: Processo-crime nº 006/2004 (certidão a fls. 25).
A presente medida liminar não impede o normal prosseguimento do Processo-crime nº 006/2004, ora em tramitação perante o Juízo de Direito da comarca de Pacajá/PA.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Juízo de Direito da comarca de Pacajá/PA (Processo-crime nº 006/2004), ao Juízo de Direito da Vara Agrária de Altamira/PA (Processo-crime nº 060/2004-AP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará (HC nº 2004.302660 – Acórdão nº 53.758) e ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.783/PA).
Publique-se.
Brasília, 07 de junho de 2005.
Ministro CELSO DE MELLO
RELATOR
Revista Consultor Jurídico, 27 de junho de 2005