Luiz Antonio Costa de Santana

terça-feira, setembro 06, 2005

O Princípio da Razoabilidade e o Princípio da Proporcionalidade: uma abordagem constitucional.*

Carlos Affonso Pereira de Souza
Patrícia Regina Pinheiro Sampaio**

Este artigo almeja contribuir para o debate em voga acerca da aplicabilidade dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em sede constitucional, uma vez que é cada vez mais expressivo o uso destes princípios pela jurisprudência e doutrina pátrias. Buscamos realizar uma breve pesquisa quanto a suas origens históricas, conteúdo e disciplina na Constituição Federal de 1988.

1. O Princípio da Razoabilidade: uma introdução literária.
Certamente alguma coisa havia saído errado naquela manhã, pois já passava das oito horas e a sempre pontual senhora Grunbach ainda não havia trazido o café. Josef K. então se levantou e tocou a campainha esperando que a amável locadora surgisse por detrás da porta pedindo-lhe desculpas por tal atraso. Contudo, um homem de feições ríspidas, quase marcial, é quem atende ao chamado e comunica a um já impaciente Josef K. a sua detenção.
Escrito por volta de 1914, O Processo constitui-se na obra-prima do gênio de Franz Kafka, além de representar um dos maiores romances já escritos em todos os tempos. A total ausência de respostas, de uma lógica linear na narrativa kafkaniana encontra na história de Josef K. o seu ponto culminante. Assim como o pobre Gregor Samsa (de A Metamorfose) acorda um belo dia e percebe possuir inúmeras “perninhas”, e uma couraça enorme que mais fazem lembrar o aspecto de besouro gigantesco - como quis Nabokov - o protagonista de O Processo atravessa toda a trama sem descobrir a razão de seu infortúnio, quem o acusa, e qual a acusação que lhe pesa sobre a cabeça.
Freud defende uma tese curiosa sobre a função da lei e esta de certa forma se relaciona com a angústia que permeia a vida dos personagens kafkanianos, pois entende o pai da psicanálise atuar a lei como forma de repressão do poder desmesurado, ou seja, oferecendo ao indivíduo na esfera do inconsciente a proteção de uma figura essencialmente paterna.[1] Considerando portanto a lei como um pai substituto - e a complexa relação existente entre o próprio Kafka e seu pai[2] - pode-se entender por este prisma a narrativa kafkaniana, ressalvado o aspecto de que no universo do referido escritor apesar de o homem buscar a lei, esta o oprime, independente de sua constituição forte ou débil, petulante ou resignada.
Ao lado da interpretação psicanalítica, e mais voltado ao escopo do presente trabalho, pode-se pensar nesta falta de respostas obtida por Josef K. como a maior arbitrariedade da qual um sistema instituído pode ser capaz. Sabe-se da existência da acusação, mas não de seu conteúdo, e muito menos de seu autor. O Poder Público, no caso o Judiciário, figura no romance como um enorme Leviatã que instala seus cartórios em meio aos porões da cidade, que estende seus funcionários - sua longa manus - em cada porta gradeada que se abre, em cada escada quebradiça que se sobe; todos os personagens participam de uma forma ou de outra do Tribunal e tudo a este remete: cada pensamento, cada prece ou confissão que se faça.
O tormento em que se transforma a vida de Josef K. não possui precedentes, culminando o seu infortúnio com o seu assassinato ao final da trama - como um cão - pelas mãos de dois senhores taciturnos e bem vestidos, encarregados pelo Tribunal de dar cumprimento a uma sentença da qual nada se sabe.
Não parece haver exemplo melhor da necessidade de se ter dentro dos dispositivos legais uma cláusula que vede o arbítrio do Poder Público contra os seus cidadãos como em tempos totalitários, e muitos são aqueles que lêem a obra de Franz Kafka como uma profecia da nefasta época que estava por vir com as grandes guerras. A máquina de tortura que escreve até a morte nas costas do acusado sua sentença, rasgando-o para que aprenda a não desobedecer os superiores é, sem dúvida, um bom exemplo, encontrado em Na Colônia Penal.
Por fim, é notório o fato de que todo o procedimento judicial ao qual submete-se Josef K. em O Processo carece de razoabilidade, de racionalidade, e principalmente, de transparência, ou seja, de uma conduta por parte dos agentes públicos pautada por um processo legal justo e conhecido previamente. A lei do universo kafkaniano é quase surrealista, mas ainda assim, correta e, o que é pior, inquestionável. Diz um dos oficiais quando de seu primeiro encontro com K: “Nossas autoridades, até onde as conheço, e só conheço seus níveis mais baixos, não buscam a culpa na população, mas, conforme consta na lei, são atraídas pela culpa e precisam nos enviar - a nós, guardas. Esta é a lei. Onde haveria aí erro?” Após o protagonista afirmar seu total desconhecimento de tal lei, retruca o oficial: “Tanto pior para o senhor.”[3]
Quando da promulgação da Carta Constitucional de 1988, a sociedade brasileira firmou através de sua Assembléia Constituinte o repúdio aos anos de ditadura que haviam assolado o país. Inúmeras foram as conquistas que haviam gradativamente logrado inserção no corpo da Lei Magna, permitindo que o 5 de outubro daquele ano pudesse ser historicamente reconhecido como o marco inaugural de uma nova etapa político-constitucional do país.
Inúmeras foram as críticas logo proferidas contra seu texto, principalmente no que diz respeito ao artigo 5º da Constituição Federal, seja por sua extensa enumeração de incisos a perder-se no horizonte, seja pelo conteúdo de alguma de suas disposições. Contudo, deve-se reconhecer que o Brasil conta hoje com uma das mais belas e completas declarações de direitos de todo o mundo, e dentre todos os ditames de tal artigo, pode-se encontrar o objeto do presente trabalho: o princípio do devido processo legal e seu reflexo direto na teoria constitucional enquanto princípio de razoabilidade. Sua inquestionável relevância pode ser auferida a partir de todo o exposto, constituindo-se tal princípio em instrumento de intensa produtividade para o desenvolvimento de uma interpretação progressista do texto constitucional, municiando a vivência, acadêmica ou forense, de substrato único para que sejam obstadas as ocasionais arbitrariedades perpetradas pelo Poder Público. A crescente referência feita ao princípio do devido processo legal em sede de decisões prolatadas pela imensa maioria dos juízos e tribunais pátrios bem demonstra a importância do tema ora abordado, mantendo-se desta forma a Carta Constitucional em constante movimento, e não arraigada a uma intransponível paralisia, como aquela que - apesar de esteticamente louvável - permeia os primeiros contos de James Joyce.[4]

1.2 - Histórico.
Um dos primeiros documentos que consolidam uma restrição ao poder do soberano perante seus súditos é a Magna Carta, conquistada pelos barões ingleses, auxiliados pelo arcebispo de Canterbury, junto ao rei João “Sem Terra”, em 15 de junho de 1215. Tem-se, aqui, uma expressão inicial do ímpeto que mais tarde moveria revolucionários tanto em território francês como na própria Inglaterra. Contra os desmedidos privilégios e atitudes do soberano, garante a Magna Carta os direitos individuais dos nobres detentores de fortuna e propriedades face ao Poder Público.
Dentre as especificações de tal documento, escrito em latim para que tomasse serventia apenas aos barões e não ao povo - como diz Celso de Albuquerque Mello[5] - consta de seu artigo 39 a cláusula do law of the lands, onde se institui que “nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com as leis do país.”[6]
Desta forma, os direitos pertinentes aos barões ingleses apenas poderiam ser restringidos mediante a observação da lei do país, da lei da terra. Como diz o prof. Carlos Roberto Siqueira Castro: “Tal significa dizer que esses direitos naturais assim elencados somente poderiam sofrer limitações segundo os procedimentos e por força do direito comumente aceito e sedimentado nos precedentes judiciais, ou seja, pelos princípios e costumes jurídicos consagrados pela common law.”[7]
Todavia, este conceito somente veio a produzir com maior potencialidade seus efeitos quando de sua recepção pela Nova Inglaterra. Utilizado com o fito de obstaculizar a intromissão da Coroa britânica nos negócios das treze colônias da América do Norte, a cláusula de law of the land toma a feição pela qual ficará consagrada nos ordenamentos de todo o mundo: a garantia do due process of law, mais tarde incorporada ao texto da Constituição resultante das batalhas pela independência americana.[8] A partir de então, diversas foram as decisões da Suprema Corte no sentido de se reconhecer a coincidência entre os termos law of the land e due process of law.
Mesmo antes do reconhecimento do devido processo legal pelas emendas n.º 5 e 14 da Constituição norte-americana, o princípio do law of the land já atuava eficientemente no ato de resistência da cidadania contra o arbítrio governamental, haja vista as Declarações de Direito estaduais que pontuam toda a história da formação jurídica dos Estados Unidos da América.
Ocorre que, dado o repúdio da nascente América para com as instituições inglesas, a Constituição termina por prever um controle muito rígido sobre o Poder Legislativo, uma vez que na Inglaterra o Parlamento goza de predomínio sobre os demais poderes. A Constituição da Pensilvânia, por exemplo, guarda uma repulsa expressa à primazia do Poder Legislativo. Este fator em muito influenciou o pensamento dos founding fathers, como visto no artigo LI de O Federalista, ao ponto de que para evitar a expansão legislativa, veio-se a instituir os instrumentos do judicial review e do veto presidencial incidente no processo de legiferação.
Assim, rompe o constitucionalismo americano com a tradição presente em território europeu, sobretudo em França e na Inglaterra. Outra distinção que pode ser entrevista está no Bill of Rigths inglês quando comparado a seus equivalentes norte-americanos, pois que enquanto o documento inglês configura-se pragmático e de propósitos concretos e localizados, as declarações de direitos norte-americanas, assemelhando-se ao estilo também encontrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, calcam suas bases no liberalismo econômico e no individualismo então reinante, transmitindo sua mensagem em linguagem universalista, e até mesmo por vezes demais abstrata.[9]
As dez primeiras emendas aportadas ao texto constitucional americano inserem todo o conteúdo das Declarações de Direitos, formando uma espécie de Bill of Rights unificado. Deve-se destacar que o princípio do due process of law é finalmente revestido de tutela constitucional através da emenda n.º 5. Com o fim da guerra civil e a abolição da escravatura são editadas as emendas n.º 13, 14 e 15, visando a garantia das liberdades civis.
Entretanto, cumpre ressaltar que a previsão da garantia do due process of law fez-se em um enunciado elástico, consoante os moldes do sistema de common law, onde a doutrina e principalmente o ato decisório do magistrado assumem papel de enorme relevância para a construção do entendimento e aplicação da norma[10], pois como bem lembra insistentemente Ronald Dworkin: “It matters how judges decide cases.”[11]
Desta forma, pôde o princípio, que de início restringia-se a uma garantia de cunho processual, descer a águas mais profundas, passando a coibir os desmandos do Poder Público não somente quanto a sua estética processual, mas também quanto ao seu conteúdo, quanto ao mérito do ato estatal, pautando-se nos parâmetros de razoabilidade e racionalidade. Hodiernamente, as duas vertentes encontram-se igualmente consagradas, e constituem-se em legado de inequívoco valor do constitucionalismo ianque aos demais sistemas jurídicos contemporâneos.

1.3 - Conceito de Razoabilidade.
Dispõe o artigo 5º, LIV, da Constituição Federal no sentido de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Muitas são as implicações deste enunciado, pois que pode-se retirar de tal prescrição variados ditames, como a determinação de que ninguém será julgado senão por juízo competente e pré-constituído, além de aplicarem-se ao referido enunciado os brocardos latinos de nullum crimen sine lege, ou então nulla poena sine lege.
O supracitado inciso, independente das interpretações que lhe sejam atribuídas, regula na Carta Constitucional indubitavelmente o princípio expresso do devido processo legal, inspirando-se de forma notória na redação encontrada no constitucionalismo norte-americano.
O princípio do devido processo legal, aliado à separação dos poderes, constitui-se em fundamento essencial do regime democrático, uma vez que sua abrangência ultrapassa a condição de simples garantia processual. Incorporado à Constituição norte-americana de 1787 através das emendas 5ª e 14, o referido princípio tornou-se prontamente objeto constante de intenso trabalho doutrinário e jurisprudencial, principalmente no que tange à interpretação dada pela Suprema Corte americana, pois se hoje o mesmo pôde alcançar o reconhecimento e o prestígio que lhe são devidos, tal se deve ao enunciado flexível sobre o qual foi esculpido e às possibilidades abertas pelo case system, emblema maior do sistema da Common Law.

1.4 - Sentido Processual e Sentido Substantivo do Devido Processo Legal.
O uso eminentemente processual do princípio em pauta avançou através dos anos na jurisdição da Suprema Corte americana no sentido de atingir novas áreas de abrangência, o que é evidenciado pela constatação de que a cláusula do devido processo legal expandiu seus efeitos da esfera processual penal, onde primeiramente atuava, para a seara da processualística civil, e posteriormente para todo o complexo de relações entre cidadão e Estado que informa os ditames da Administração Pública.
Cumpre aqui analisar brevemente como se deu esta transição com relação ao entendimento sobre a natureza do direito de ação no ordenamento jurídico brasileiro, o qual segue a orientação do sistema romano-germânico. Inicialmente, de acordo com a teoria cristalizada no artigo 75 do Código Civil (teoria denominada de “civilista” ou “imanentista”), o direito processual estaria subordinado ao estudo do direito material, operando este como mero aglomerado de normas de ordem prática, que subsidiariamente ao direito substantivo lhe confeririam movimento e aplicação. Seria, portanto, o direito de ação uma reação do direito material quando de sua violação.[12] Posteriormente, a autonomia do direito processual foi alcançada com os trabalhos de Wach e Chiovenda, corifeus da teoria do direito concreto de ação e atingiu sua expressão máxima com trabalhos de Liebman, pioneiro dentro da chamada teoria do direito abstrato de ação .
Resguardado atualmente por prescrição constitucional, pode-se compreender como a garantia do devido processo legal influiu para o reconhecimento do direito de ação como este direito de se acionar a força jurisdicional do Estado em face do réu, pois a filosofia do princípio em questão basila-se justamente na tentativa de se conter os desmandos do Poder Público, fazendo exercer este de forma correta e prestativa a devida jurisdição. Assim sendo, caso o poder estatal venha a prejudicar o indivíduo de qualquer forma na qual se possa entrever injustiça ou arbítrio desmedido, possui o cidadão direito de ação contra este ato estatal, independente de possuir ou não o direito material, pois isto será averiguado quando do julgamento de mérito do pedido. Cumpre-se notar que a importância desta teoria reside em poder o indivíduo acionar a jurisdição estatal, para, tendo em vista a imagem de freios e contrapesos, fazer cessar ofensa a direito seu.[13]
O poder de polícia estatal vê, desta forma, nos princípios de razoabilidade e racionalidade seus maiores obstáculos no que diz respeito à infração de tais ditames inscritos pela pena do bom senso e da razão humana. Assume, por fim, a cláusula do devido processo legal a função de filtro da atividade estatal, seja normativa ou administrativa, cumprindo destacar o fato de que a garantia processual contida no enunciado do due process of law não restou excluída com este avanço para a análise de mérito da atuação do Estado[14], uma vez que ambos os sentidos (processual e substantivo) podem e devem coexistir para a total aplicação das conquistas aferidas pela afirmação do princípio do devido processo legal.

1.5 - O Princípio da Razoabilidade e a Constituição de 1988.
O princípio da razoabilidade não se encontra expressamente previsto sob esta epígrafe na Constituição de 1988. Isto, contudo, não permite se infira estar este princípio afastado do sistema constitucional pátrio, posto se pode auferi-lo implicitamente de alguns dispositivos, bem como do histórico de sua elaboração.
Em sua face processual, enquanto princípio do devido processo legal, encontra-se positivado no capítulo de direitos e garantias individuais, no artigo 5o., inciso LIV. Nesta mesma esfera, tocante à processualística penal da qual é oriundo, o inciso XXXIX do citado artigo expõe a idéia central do “nullum crimen, nulla poena, sine lege”.
É, contudo, enquanto princípio conformador de direito material que a ausência de disposição expressa do princípio da razoabilidade é mais sentida. O apego desmedido ao Princípio da Separação dos Poderes tem lhe imposto barreiras a um desenvolvimento mais explícito. Mister é lembrar, todavia, que sua previsão constou dos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1988. Em certa altura dos trabalhos, lia-se na redação do artigo 44:
“A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade.”[15]
Ainda que outra tenha sido a redação final do dispositivo, não se pode negar que a razoabilidade e a racionalidade integram de forma cabal o ordenamento constitucional brasileiro e constituem princípios inarredáveis para elaboração de leis e atuação do Poder Executivo, ensejando seu afastamento, em ambos os casos, impugnação pelo Poder Judiciário, sempre que perquirido, por inconstitucionalidade destas medidas.
José Afonso da Silva[16] afirma também estar o princípio da “proporcionalidade razoável” consagrado enquanto princípio constitucional geral e explícito de tributação, traduzido na norma que impede a tributação com efeitos de confisco (artigo 150, IV). É vedado ao Poder Público tributar patrimônio de modo a impossibilitar sua manutenção pelo particular ou inviabilizar o uso econômico a que se destine, ressalvadas as exceções constitucionalmente previstas.
Por último, cumpre destacar que a cada dia torna-se mais freqüente a alusão ao princípio ora em voga em diversos arestos de nossa Egrégia Corte. Assim, em Ação Direta de Inconstitucionalidade relatada pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence: “ (...) relevância da questão, embora complexa e delicada como sói, quando se cuida de verificar a razoabilidade ou não da distinção legal das situações de fato”.[17] Veja-se também as luminosas palavras do Ministro Marco Aurélio em despacho: “ (...) Se a Corte de origem não dirimiu a matéria sob o ângulo constitucional, descabe assentar, contrariando até mesmo o princípio da razoabilidade, ou seja, a presunção do ordinário, que, se a Corte enfrentasse o tema, agiria de forma contrária ao que preconizado pela Lei Maior.”[18]Ou, ainda, em sede de mandado de injunção: “ (...)II. Mora legislativa: exigência e caracterização: critério de razoabilidade.”[19]
Todavia, é possível notar, a partir das passagens acima citadas, que diversas são as oportunidades em que jurisprudência e doutrina utilizam os termos razoabilidade e proporcionalidade indistintamente. Embora esta imprecisão terminológica possa trazer algum prejuízo aos mais ciosos da rigidez acadêmica, mister é notar que em todas as oportunidades em que tem-se feito alusão a ditos princípios, esta tem estado em consonância com seus objetivos e conteúdo, que, de uma forma ou de outra, procuram garantir direitos ao cidadão em face de eventual arbítrio do poder estatal.

2. Princípio da Proporcionalidade
2.1 - Histórico.
A origem e desenvolvimento do princípio da proporcionalidade encontra-se intrinsecamente ligado à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, verificada a partir do surgimento do Estado de Direito burguês na Europa.
Desta forma, sua origem remonta aos séculos XII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias jusnaturalistas propugnando ter o homem direitos imanentes a sua natureza e anteriores ao aparecimento do Estado e, por conseguinte, conclamando ter o soberano o dever de respeitá-los. Pode-se afirmar que é durante a passagem do Estado Absolutista - em que o governante tem poderes ilimitados - para o Estado de Direito, que pela primeira vez emprega-se o princípio da proporcionalidade, visando a limitar o poder de atuação do monarca face aos súditos.[20]
Nesta primeira fase, a doutrina do direito natural buscou garantir os direitos individuais da classe burguesa através da criação de mecanismos de limitação do poder. Tratava-se, sobretudo, de consagrar meios capazes de garantir a não-intervenção do Estado nas esferas em que sua omissão era essencial ao exercício destes direitos. Desde cedo, o juiz da Common Law pautou-se na comparação entre a situação de fato e a regra do precedente, tendo por parâmetro a noção do comportamento razoável segundo as circunstâncias, na elaboração de suas decisões.[21]
Assim, observa-se que o princípio da proporcionalidade nasceu no âmbito do Direito Administrativo, como princípio geral do direito de polícia,[22] e desenvolveu-se como evolução do princípio da legalidade. Requereu, para tanto, a criação de mecanismos capazes de controlar o Poder Executivo no exercício da suas funções, de modo a evitar o arbítrio e o abuso de poder.
A inserção deste princípio no campo constitucional, por sua vez, deveu-se às revoluções burguesas do século XVIII, norteadas pela doutrina iluminista principalmente no que concernia à crença na intangibilidade do homem e na necessidade incondicionada de respeito à sua dignidade.
A Constituição Francesa de 1791 previu expressamente o princípio da legalidade em seu artigo 3o. A partir daí, a doutrina francesa elaborará instrumentos processuais almejando sua efetivação, em cujos cernes poder-se-á observar implicitamente delineado o princípio da proporcionalidade. Cumpre-se destacar o instituto do récours pour excès de pouvoir, que permitiu postular-se perante o Conselho de Estado recurso visando à reforma de qualquer ato administrativo, por violação ao princípio da legalidade ou por abuso de poder. Desta forma tornou-se possível controlar os atos do Poder Executivo, indagando da proporção entre os fins almejados e os meios utilizados.[23]
Coube à Alemanha, após beber na teoria da limitação do poder de polícia do Direito Administrativo francês, a formulação atual do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, notadamente no campo dos direitos fundamentais. Embora já houvessem sido postos em relevo pela Constituição de Weimar, foi após o fim da Segunda Guerra Mundial que os tribunais começaram paulatinamente a proferir sentenças nas quais afirmavam não ter o legislador poder ilimitado para a formulação de leis tendentes a restringir direitos fundamentais.[24] A promulgação da Lei Fundamental de Bonn representa, assim marco inaugural do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais como núcleo central de toda a ordem jurídica[25].
Foi, portanto, em consonância com o disposto na Lei Fundamental que o Tribunal Constitucional alemão iniciou a elaboração de jurisprudência no sentido de reconhecer a inafastabilidade do controle da constitucionalidade leis em seus três aspectos básicos: necessidade, adequação, e proporcionalidade da medida restritiva.[26] Paradigmática é a decisão proferida pelo Tribunal em processo sobre armazenagem de petróleo em 1971. Assim exprimiu-se: “o meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado”.[27] Desde então, este princípio tem sido largamente utilizado, permitindo-nos afirmar que a trasladação do princípio da proporcionalidade do Direito Administrativo para o Direito Constitucional tem sido, em última análise, obra dos tribunais, notadamente da Corte Constitucional alemã.[28]
No sistema jurídico pátrio, o princípio da proporcionalidade foi recepcionado a partir da influência da doutrina portuguesa, a qual havia apreendido seu conceito e conteúdo, juntamente com os demais países europeus, nas fontes alemães. O artigo 18 da Constituição portuguesa de 1976 apresenta as limitações a serem seguidas pelos funcionários públicos no exercício de suas funções, explicitando-se a vinculação de todas as entidades públicas e privadas no respeito aos direitos fundamentais e o critério da necessidade como parâmetro inafastável na formulação e aplicação de leis que restrinjam direitos e garantias constitucionais, delineando indubitavelmente, ainda que de forma implícita, os requisitos essenciais do princípio da proporcionalidade. Finalmente, no que tange ao respeito aos direitos fundamentais no Brasil, nossos constituintes seguiram exemplo austríaco ao adotar o controle concentrado da constitucionalidade das leis para reprimir eventuais abusos de poder por parte de nossos legisladores.[29]
Em capítulo posterior teremos a oportunidade de estudar mais detalhadamente como este princípio encontra-se consagrado na Constituição de 1988.

2.2 - Conceito de Proporcionalidade.
A tradução do conteúdo do princípio da proporcionalidade nem sempre encontra-se explicitado sob esta epígrafe, motivo pelo qual procederemos a uma breve explanação acerca de outras denominações porventura utilizadas para transmitir esta mesma noção e a uma análise de seu real conteúdo.
A doutrina alemã, a título de ilustração, utiliza indistintamente as nomenclaturas proporcionalidade e proibição de excesso. Os americanos são mais caros ao uso do termo razoabilidade, o qual, nada obstante, é também usado em certas ocasiões com conteúdo diverso ao da proporcionalidade, embora se completem, como teremos oportunidade de observar.
Nossa Corte Suprema parece ter adotado a denominação clássica princípio da proporcionalidade, a qual vem sendo reiteradamente usada desde o primeiro acórdão proferido em sede de controle da constitucionalidade, que dele fez uso como argumento jurídico, em 1993. Trata-se de nosso leading case em matéria de proporcionalidade, quando o Supremo Tribunal Federal considerou que uma lei obrigando a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor no ato da compra e venda constituía “violação ao princípio de proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos”.[30]
Quanto ao seu conteúdo, mister é analisar a construção da doutrina alemã, por sua clareza e densidade. Trata-se, sobretudo, da clarificação da adequação necessária entre o fim de uma norma e os meios que esta designa para atingi-lo, ou ainda, entre a norma elaborada e o uso que dela foi feito pelo Poder Executivo. O princípio ora em voga terminou por ser dividido em três subprincípios, quais foram, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, como conseqüência dos avanços doutrinários nesta área.
O primeiro traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma relação de causalidade e uma lei somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido.
A necessidade diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão. Traduz-se este subprincípio em quatro vertentes: exigibilidade material (a restrição é indispensável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a medida coativa do poder público não deve ser perpétua) e pessoal ( restringir o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesses sacrificados).[31]
Por último, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido[32]. O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma.[33]
Além dos três requisitos intrínsecos acima mencionados, pode-se elencar ainda, como pressupostos do princípio da proporcionalidade, a legalidade e a justificação teleológica, e como requisitos extrínsecos para sua aplicação, a verificação da judicialidade
(o órgão de onde emana a decisão judicial deve ser competente e respeitar as hipóteses de limitação previstas pela norma) e da motivação.[34]
Cumpre-se, finalmente, destacar que as constituições costumam traduzir-se em um longo elenco de propósitos e finalidades, mas na maioria das vezes são breves na explicitação dos meios a serem utilizados. Assim, desde cedo a doutrina compreendeu que se uma Constituição define um determinado fim a ser alcançado, ela também lhe defere os meios, daí a importância da interpretação extensiva para a hermenêutica constitucional.[35]
Desta forma, infere-se que o princípio da proporcionalidade é utilizado com crescente assiduidade para aferição da constitucionalidade dos atos do Estado, como instrumento de proteção dos direitos fundamentais.[36]

2.3 - O Princípio da Proporcionalidade e a Constituição de 1988.
O princípio da proporcionalidade insere-se na estrutura normativa da Constituição, junto aos demais princípios gerais norteadores da interpretação das regras constitucionais e infra-constitucionais. Uma vez que uma visão sistemática da Constituição permite-nos auferir sua existência de forma implícita, deverá guiar o magistrado na interpretação e o legislador na elaboração de normas hierarquicamente inferiores, não obstante não se encontrar explicitamente delineado.
O princípio em estudo apresenta-se como uma das idéias fundantes da Constituição[37], com função de complementaridade em relação ao princípio da reserva legal (artigo 5o., II). Esta afirmação deve-se ao fato de que a ação do Poder Público deve ser conforme a lei formal, e que esta deve ter como parâmetro a proporcionalidade, pois o legislador não está liberto de limites quando elabora as normas, mormente quando estas tendem a reduzir a esfera de algum direito fundamental. Uma vez que o princípio da legalidade tem como um de seus aspectos complementares e essenciais à sua efetiva observação o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5o., XXXV), mister é notar que este se aplica a qualquer ato praticado pelo poder público que seja considerado por aquele a quem prejudica como desproporcional ao objetivo almejado.
Conectam-se também ao princípio ora abordado, regendo sua aplicação, o princípio republicano (artigo 1o., caput), o princípio da cidadania (artigo1º, II) e o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1o., III). Os direitos e garantias individuais que deles decorrem (artigo 5o.) representam formas para o particular se defender sempre que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer lesão de algum direito por abuso de poder ou ilegalidade praticados por agentes públicos. Os institutos do habeas corpus (artigo 5o., LXVIII), mandado de segurança (artigo 5o.,LXIX), habeas data (artigo 5o., LXII), assim como o direito de petição (artigo 5o., XXXIV, a), constituem subsídios de proteção do cidadão face ao poder público.
Ao afirmar que todo homem possui uma esfera intangível de direitos, decorrentes somente de sua existência enquanto ser da espécie humana, a Constituição garantiu devam todos os cidadãos ser tratados de forma eqüitativa, o que pressupõe, para além da igualdade formal, tratamento diferenciado buscando adequar a lei às necessidades e peculiaridades de cada um. O princípio da proporcionalidade tem, portanto, papel indispensável na consecução de um dos principais objetivos do Estado brasileiro, qual seja, “reduzir as desigualdades sociais e regionais”, consoante letra do artigo 3o., III, de nossa magna Carta. A proporcionalidade é, por conseguinte, idéia ínsita à concepção de estado democrático de Direito ( CRFB/88, artigo 1o., caput).
O princípio da proporcionalidade, encontra-se concretizado em diversas normas de nossa Constituição, conforme ilustração que se segue.
Em relação aos direitos e garantias individuais, no inciso V do artigo 5o., que constitucionaliza o direito de resposta proporcional ao agravo. Em sede de Direito Penal, ao garantir a individualização das penas (artigo 5o., XLVI, caput), está implícitamente garantido que estas serão proporcionais ao delito cometido[38]. Quanto aos sociais, observar o que dispõe os incisos IV e V do artigo 7o., em que explicita-se que o valor do salário mínimo deve ser compatível com um poder aquisitivo digno, e que o piso salarial deve ser proporcional à espécie de trabalho realizado.
Na organização do Estado, a proporcionalidade está presente dentre os requisitos necessários à decretação de intervenção, uma vez que sua decretação depende do agravo cometido, conforme observa-se a partir da análise do § 3o. do artigo 36, que exclui a intervenção por considerá-la desarrazoada nas ocasiões ali explicitadas. Sua existência é ainda prevista no tocante à composição da Câmara dos Deputados (artigo 45, caput e §1o.), ao disciplinar dever esta ser realizada em razão da população.
No âmbito administrativo, o princípio em pauta deve reger a contratação temporária de funcionários, a qual deve obedecer ao critério da necessidade (artigo 37, IX e XXI), assim como a aposentadoria dos servidores públicos, proporcional ao tempo de serviço (artigo 40, III, c e d).
Em relação à utilização do erário público, em caso de irregularidade nas contas, aplicar-se-á, sem prejuízo de outras sanções, multa proporcional ao dano causado, consoante artigo 71, VIII.
Na atuação do Ministério Público, o inciso II do artigo 129 assegura a tomada de medidas necessárias (proporcionais) destinadas a garantir o respeito dos direitos constitucionais pelos Poderes Públicos e serviços de relevância pública. O inciso IX deste mesmo artigo reza ser função do Ministério Público o exercício de outras atividades que sejam compatíveis com sua finalidade, juízo este que encontra-se gerido pelo princípio em voga.
Em face do Sistema Tributário, entende-se que a Constituição consagrou a proporcionalidade quando, por exemplo, proibiu a tributação com efeito de confisco[39] (artigo 150, IV), pois a carga tributária não pode ser onerosa a ponto de ocasionar ao particular sua perda. As alíquotas dos tributos devam, sempre que possível, ser proporcionais à capacidade econômica do contribuinte (artigo 145, §1o.).
Nos termos “valorização” e “justiça” incutidos no caput do artigo 170 encontra-se imbutida a noção de proporcionalidade no âmbito dos princípios gerais da ordem econômica. Ainda dentro do Título VII, o tema ora em análise encontra-se delineado nos artigos 173, caput e § 3o., 4o. e 5o; 144, § 1o.; 175, IV.
Uma vez abordados alguns exemplos de elaboração de normas que com maior clareza mostraram a presença do princípio em estudo na Constituição de 1988, cumpre lembrar que, em se tratando de princípio geral de direito, não está adstrito a atuar nas esferas acima elencadas. Ao revés, norteia a hermenêutica da Constituição em sua totalidade e, logo, permeia a interpretação de cada uma de suas normas.
A inobservância ou lesão a princípio é a mais grave das inconstitucionalidades[40], uma vez que sem princípio não há ordem constitucional e sem ordem constitucional não há democracia nem Estado de Direito.[41] Portanto, o princípio da proporcionalidade é direito positivo e garantia de respeito aos direitos fundamentais, fluindo do espírito do §2o. do artigo 5o., o qual, consoante palavras do eminente professor Paulo Bonavides, “abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável da unidade da Constituição.”[42]

Conclusão.
Este artigo procurou trazer contribuições ao estudo dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais vêm adquirindo importância crescente nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial pátrios. Esperamos ter auxiliado na defesa de uma interpretação mais progressista da Constituição, almejando a concretização dos direitos fundamentais. Acreditamos que o jurista não deve jamais ater-se à exegese, mas buscar sempre o fundamento social que não apenas justifica a norma como também lhe confere o precioso sopro de vida.


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* Pesquisa orientada e coordenada pela professora Regina Quaresma.
** Bolsistas do Programa Especial de Treinamento, instituído pela CAPES no departamento de Direito da PUC-Rio.
[1] Apud. POSNER, Richard A. Law and Literature - A Misunderstood Relation. Havard University Press.
[2] Vide KAFKA, Franz. Carta ao Pai. Ed. Companhia das Letras, 1998.
[3] KAFKA, Franz. O Processo. Ed. Companhia das Letras, São Paulo, 1997; p. 15.
[4] JOYCE, James. Dublinenses. Ediouro, Rio de Janeiro, 1992.
[5] Apud SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989.
[6] In Constituições do Japão e da Grã-Bretanha. Edições Trabalhistas, Rio de Janeiro, 1987.
[7] SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1989.
[8] O caráter de resistência à autoridade britânica adere nitidamente à concepção do devido processo legal como forma de corrigir os desvios e abusos do poder soberano. A Revolução Americana, por fim, sintetiza bem o esforço empreendido pelos governados contra os desmandos de seus governantes, pois que esta “constitui ao mesmo tempo um modelo e um exemplo na luta contra uma sujeição ilegítima, travada em nome da igualdade natural, da liberdade de empresa e, para cada um, do direito de usufruir de sua propriedade e os frutos de seu trabalho, assim como, para a coletividade, de escolher as instituições e os magistrados que lhe convenham.” (in CHÂTELET, François e DUHAMEL, Olivier. História das Idéias Políticas. Ed. Jorge Zahar, 1994; p. 88.).
[9] Reconhecido como um dos mais ilustres críticos da Revolução Francesa e da forma pela qual foram asseguradas as suas conquistas, seja pelo Terror ou pela elaboração de declarações de direitos, Edmund BURKE concentrava o foco de suas considerações sobre as vitórias revolucionárias exatamente em sua forma abstrata e universal de afirmar os direitos do indivíduo, visto que “tendo direito a tudo, de tudo se carece (...) nessa massa enorme e complicada das paixões e dos interesses humanos, os direitos do homem são refratados e refletidos em tão grande número de direções cruzadas e diversas, que se torna absurdo falar neles ainda, como se lhes restasse qualquer semelhança com sua primitiva simplicidade. Todos os pretensos direitos desses teóricos são extremos e tão metafisicamente verdadeiros, quanto moralmente e politicamente falsos. Os direitos dos homens acham-se numa espécie de meio impossível de definir.” (Apud. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As Grandes Obras Políticas de Maquiavel a nossos dias. Ed. Agir.) Em consonância com tal risco no qual poderia incorrer a tentativa de se limitar a soberania autoritária, ensina Benjamin CONSTANT: “É indiscutível que não basta a limitação abstrata da soberania. Há que buscar suas bases em instituições políticas que combinem de tal forma os interesses dos diversos depositários do poder que sua vantagem mais evidente, mais duradoura e mais segura consista em que cada um fique nos limites de suas atribuições.” (in Princípios Políticos Constitucionais. Ed. Liber Juris; p. 70).
[10] Alexis de TOCQUEVILLE ilustra esta disposição para prescrever-se regras flexíveis às variações de entendimento trazidas pelo tempo da seguinte forma: rápidos, “ Encontrei um marinheiro americano a quem perguntei por que os navios de seu pais são construídos para durarem tão pouco, e respondeu-me, sem hesitar, que a arte da navegação faz, a cada dia, progressos tão que o mais belo navio cedo se tornaria quase inútil, se prolongasse sua existência além de alguns anos.” ( in A Democracia na América. Coleção Os Pensadores, Ed. Abril Cultural, 1973.)
[11] DWORKIN, Ronald. Law´s Empire. Havard Univesity Press, 1995.
[12] Neste sentido, explicita a profª Ada Pelegrini GRINOVER que, a partir da concepção imanetista do direito de ação, esta “seria uma qualidade de todo direito, ou uma qualidade do próprio direito reagindo a uma violação. Tal conceito reinou incontrastado, através de várias conceituações, as quais sempre resultavam em três conseqüências inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito.” (in Teoria Geral do Processo. Ed. Malheiros, São Paulo, 1996; p. 250).
[13] É de fundamental importância que se concilie estes dois aspectos do direito de ação, ou seja, o desejo do indivíduo de ver satisfeito sua pretensão particular e o caráter público assumido pelo direito de ação, uma vez que este volta-se à figura estatal, monopolizadora da função jurisdicional, operando a conjunção destes dois aspectos justamente na percepção da finalidade da qual é dotada o processo civil, que, conforme relata o prof. José Carlos BARBOSA MOREIRA, consistiria-se na substituição da atuação dos próprios titulares dos interesses envolvidos na lide, de forma a evitar que façam justiça por suas próprias mãos (in Temas de Direito Processual. Ed. Saraiva, 1977; p.7). No mesmo sentido, restam imprescindíveis os ensinamentos de E. COUTURE: “La acción no procura solamente la satisfacción de un interés particular (uti singulo), sino también la satisfacción de de un interés de carácter público (uti civis). Es muy significativo que desde dos terrenos distintos se haya podido afirmar que el ciudadano que promueve la acción desempeña una función pública, en cuanto procura la vigencia efectiva del derecho en su integridad.” (in Fundamentos del Derecho Procesual Civil. Ediciones Depalma, Buenos Aires, 1972; p. 69).
[14] No que diz respeito ao ato discricionário pode-se entrever este avanço nas palavras do prof. CAIO TÁCITO: “Baseado na isenção jurisdicional quanto ao mérito do ato administrativo, a nossa jurisprudência conteve-se, por muito tempo, na verificação da legalidade extrínseca, entendendo inacessível ao conhecimento judicial a matéria de fato em que louvasse a ação administrativa.” – avançando contudo para o entendimento de que – “Mesmo nos casos em que a motivação não é legalmente obrigatória, cabe ao juiz examinar os fatos invocados pela administração, a fim de controlar o excesso de poder que macule a legalidade do ato.” (in Temas de Direito Público – Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1997; pp. 331-336).
[15] Conforme nos ensina BARROSO, Luís Roberto. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Texto recolhido na Internet.
[16] SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 1997.
[17] ADIn no. 489-1/600-DF. DJU, 22.11.91. Apud BARROS, Suzana. Ob. Cit., p.69.
[18] Despacho exarado no Agravo de Instrumento no. 141.916-4-SP, em 22.02.94, publicado no DJU de 22.03.94. Apud BARROS, S. Ob. Cit., p.69.
[19] Mandado de Injunção no. 361-1-RJ, Relator Ministro Néri da Silveira, DJU, 17-06-94. Apud. BARROS, S. Ob. Cit., p. 70.
[20] BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília, Editora e Livraria Brasília Jurídica, 1996, pp. 34 e ss.
[21] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Almedina, 1998, p. 260.
[22] CANOTILHO, J. J. Gomes. Ob. Cit., p.259.
[23] O princípio da proporcionalidade não se encontra expressamente previsto no sistema francês, mas a idéia se encontra subjacente e se apresenta como fundamento de inúmeros julgados. Conforme BARROS, S. Ob. Cit., pp. 40 e 41.
[24] CANOTILHO afirma que, após a Segunda Guerra, o princípio da proporcionalidade expande-se para atender às necessidades de cidadãos e juristas ciosos da elaboração de um direito materialmente justo. Ob. Cit., p. 261.
[25] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 1997.
[26] BONAVIDES, P. Ob. Cit., p.360 e ss.
[27] Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ob. Cit., p.330.
[28] BONAVIDES, P. Ob. Cit., p.373/374.
[29] O controle concentrado da constitucionalidade foi adotado pela primeira vez pela constituição austríaca de 1920, baseada em projeto elaborado por Hans Kelsen. Conforme nos ensina BARROS, S. Ob. Cit., p.53.
[30] STF, Pleno, j. 1/07/1993, Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
[31] CANOTILHO, J. J. G. Ob. Cit., p. 262.
[32] Assim, “O juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. (...) Decorre da natureza dos princípios válidos a otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação.” STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 1995, p.81.
[33] CANOTILHO, J. J. G. Ob. Cit., p. 263.
[34] MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos Direitos Fundamentais: contribuição para uma teoria. São Paulo, LTr,, 1997.
[35] Tal explicação nos é concedida por CELSO RIBEIRO BASTOS. O eminente doutrinador nos informa, ainda, que foi STORY um dos primeiros a desenvolver este pensamento. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 1996.
[36] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Malheiros, 1997, p.359.
[37] BARROS, Suzana. Ob. Cit., p.89.
[38] A propósito ver habeas corpus no. 67136, de 23/05/1989. Assim exprimiu-se o relator Aldir Passarinho: “É de se conceder a unificação das penas em favor de réu que, com relação aos mesmos processos, participou de crimes com co-réu que obteve o benefício, se é certo que a atuação de ambos nos ilícitos foi considerada de igual valor, (...). O cálculo da pena total, como resultado da unificação, deverá ser realizado pelo juiz das execuções, devendo, para tal fim, ser atendida a proporcionalidade com a pena unificada do co-réu, antes beneficiado.”
[39] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 1998, p.682.
[40] Portanto, cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da proporcionalidade, seja por ação ao omissão do Poder Público. “ (...) mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” ADIn no. 1458 - Medida Cautelar - Rel. Min. Celso de Mello, em 23/05/1996.
[41] BONAVIDES, Paulo. Ob. Cit., p.396.
[42] BONAVIDES, Paulo. Ob. Cit., p.396.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Mandado de Segurança n° 2004.00.2.010177-0 — REG. ACÓRDÃO Nº 218054 Impetrante :KÍDIA DO NASCIMENTO LIMA REP. POR ZULEIDE MARIA DO NASCIMENTO Informante: SECRETÁRIO DE ESTADO DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL Relator: Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ EMENTA — MANDADO DE SEGURANÇA — FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO — DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO EM PROVER OS MEIOS NECESSÁRIOS ÀS AÇÕES E SERVIÇOS PARA A PROTEÇÃO, PROMOÇÃO E RECUPERAÇÃO DA SAÚDE — SEGURANÇA CONCEDIDA À UNANIMIDADE. I — Não cabe ao Poder Judiciário escolher qual o melhor tratamento a ser ministrado à Impetrante, diante dos documentos apresentados e parecer proferido por especialista da área médica. II — Diante do preceito constitucional de direito à saúde, é de responsabilidade do Poder Público, por meio do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, prover os meios de acesso à sua recuperação, fornecendo, inclusive, medicamento de alto custo para quem não tem condições de adquiri-lo, nos termos do art. 207, inciso XXIV, da Lei Orgânica do Distrito Federal. III — Ordem concedida. Acórdão — Acordam os Senhores Desembargadores do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, LECIR MANOEL DA LUZ — Relator, HERMENEGILDO GONÇALVES, NATANAEL CAETANO, VASQUEZ CRUXÊN, LÉCIO RESENDE, NÍVIO GONÇALVES, ESTEVAM MAIA, EDUARDO DE MORAES OLIVEIRA, ROMÃO C. DE OLIVEIRA, DÁCIO VIEIRA, EDSON ALFREDO SMANIOTTO, MARIO MACHADO e SÉRGIO BITTENCOURT — Vogais, em CONCEDER A SEGURANÇA NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DECISÃO UNÂNIME. Brasília – DF, 26 de abril de 2005. FONTE: DJU — SEÇÃO 3 — de 05/07/2005 — Pág. 30

Agente Político e Improbidade Administrativa

Superior Tribunal de JustiçaRevista Eletrônica de Jurisprudência


RECURSO ESPECIAL Nº 680.774 - RS (2004⁄0122803-0)
RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO : MOACIR ZILIO
ADVOGADO : OTACILIO VANZIN E OUTROS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CONTRA EX-PREFEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. RECLAMAÇÃO E INQUÉRITO EM CURSO NO STF. SÚMULA 98 DO STJ.
1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
2. A prejudicialidade das ações em curso no STF sobre a ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada contra ex-Prefeito, impõe a suspensão desta com base no disposto no art. 265, IV, "a", do CPC.
3. In casu, a Reclamação n. 2.138-6⁄DF, em curso no Supremo Tribunal Federal, tem por objeto a definição da aplicabilidade da Lei 8.429⁄92 (Lei de Improbidade Administrativa) aos agentes políticos, em face das normas especiais que definem os crimes de responsabilidade. Por outro lado, na questão de ordem suscitada no Inquérito nº 2.010-QO-SP, o Pretório Excelso iniciou o julgamento acerca do foro privilegiado de ex-agentes políticos, ante a alteração do art. 84 do Código de Processo Penal pela Lei nº 10.628⁄02.
4. Precedentes da Corte: AGRMC 8395⁄RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 30⁄08⁄2004; AGRMC 8175⁄RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21⁄06⁄2004; AGRMC 8174⁄RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 28⁄06⁄2004.
5. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório." (Súmula 98⁄STJ).
6. Recurso especial parcialmente provido, tão-somente para excluir a multa imposta quando do julgamento dos embargos de declaração pela instância de origem.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 12 de abril de 2005 (Data do Julgamento)


MINISTRO LUIZ FUX
Presidente e Relator


RECURSO ESPECIAL Nº 680.774 - RS (2004⁄0122803-0)

RELATÓRIO





EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim ementado:

"AÇÃO DE IMPROBIDADE. EX-PREFEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA.
Configura-se a prejudicialidade externa, recomendando a suspensão do processo prevista no art. 265, inc. IV, a do Código de Processo Civil, estando em curso no STF reclamação em que se está votando a não submissão dos agentes políticos à Lei nº 8.429⁄92, bem como a questão de ordem em que se busca afastar a competência originária nos casos de agentes políticos que já deixaram o cargo.
HIPÓTESE DE SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA."

Opostos embargos de declaração, assim se manifestou a Corte de origem:

"EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PROCESSUAL CIVIL. REQUISITOS.
Só cabem quando há obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, não se podendo exigir da Câmara, mesmo para fins de prequestionamento, manifestação específica sobre cada um dos argumentos e normas legais invocadas pelas partes, quando outras aplicadas são suficientes para fundamentar a decisão. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
RECURSO QUE PRETENDE EXIGIR QUE A CÂMARA EXPRESSE ESTAR JULGANDO CONTRARIAMENTE À LEI.
A não-conformação do acórdão à lei é algo que deve ser sopesado pela própria parte, a qual, se assim entender, deve manejar o recurso que entender cabível.
MULTA.
Caráter protelatório dos embargos, por não servirem a oportunizar o trânsito de qualquer outro recurso. Cominação de multa. Inteligência do art. 538, parágrafo único, primeira parte do CPC.
EMBARGOS REJEITADOS."

Nas razões do recurso especial, o recorrente alegou, preliminarmente, a negativa de vigência do art. 535 do CPC, porquanto a Corte de origem, instada a se manifestar sobre as questões suscitadas, silenciou, rejeitando os embargos declaratórios.
Ademais, o Ministério Público sustentou violação do art. 265, IV, do Código de Processo Civil, que tem a seguinte redação:

"Art. 265. Suspende-se o processo:
(...)
IV - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;
b) não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo."

Das razões do recorrente, destaca-se o seguinte trecho:

"(..)A decisão que determina a suspensão do processo , máxima vênia, está assentada em premissas equivocadas.
Em primeiro lugar, porque do que até agora se disse no julgamento da Reclamação 2.138-6 pelo Supremo Tribunal Federal não se extrai que todos os agentes políticos estão excluídos dos efeitos da lei de improbidade administrativa. O julgamento trata especificamente de uma ação de improbidade promovida contra um ministro de Estado, sugerindo que a hipótese é de não sujeição desse agente político ao regime da improbidade administrativa porque a ele se deve aplicar o regime especial da Lei 7.079⁄50 que cuida dos crimes de responsabilidade. Além, é decisivo o fato de que o Supremo Tribunal Federal está afirmando que os agentes políticos - esclarece-se, mais uma vez, que o caso trata daqueles a que se refere a Lei 1.079⁄50 - não devem se submeter ao regime da lei de improbidade administrativa porque isso implicaria ab-rogação da norma de competência do art. 102, I, c, da Constituição.
Esses dois aspectos são relevantes para infirmar a pretendida configuração da questão prejudicial externa.
A um, porque nas ações de improbidade administrativas suspensas pela 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul do que se trata é de ato de improbidade administrativa praticado por prefeito municipal, cujo regime especial de responsabilidade está definido no Decreto-lei 201⁄67 que em momento algum foi referido no julgamento do Supremo Tribunal Federal. Em verdade, a orientação da 22ª Câmara está fazendo uma interpretação ampliativa e isolada de uma premissa lançada no julgamento. A dois, porque o problema de competência para o julgamento do agente político é decisivo no julgamento da Reclamação 2.138-6, e no caso das ações de improbidade administrativa contra prefeito municipal, ele simplesmente não existe. Não se discute a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar as ações de improbidade administrativa contra prefeitos e ex-prefeitos.
Em segundo lugar, porque, no caso que se trata, a pendência do julgamento da Reclamação 2.138-6 no Supremo Tribunal Federal não é questão prejudicial externa como sugere a jurisprudência da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado.
O julgamento da Reclamação não se constitui em antecedente lógico impeditivo do julgamento das ações de improbidade administrativa, pois o que lá for decidido não é condição necessária a que sejam prolatadas as respectivas sentenças. Essas ações de improbidade administrativas podem ser livremente processadas e julgadas, independentemente do que for decidido pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão que será prolatada na Reclamação 2.138-6 é para o caso e não terá eficácia de vinculação erga omnes.(...)"

Por fim, alegou o recorrente divergência jurisprudencial quanto à aplicação da multa prevista no art. 538 do CPC, tendo em vista o disposto na Súmula 98 do STJ.
Contra-razões às fls. 292⁄297, pugnando pelo desprovimento do recurso.
O recurso especial foi admitido na instância de origem.
O recorrente apresentou a Medida Cautelar nº 8.708⁄RS perante esta Corte, para conferir efeito suspensivo ao recurso especial, tendo a mesma sido julgada improcedente.
É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 680.774 - RS (2004⁄0122803-0)



EMENTA




PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CONTRA EX-PREFEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. RECLAMAÇÃO E INQUÉRITO EM CURSO NO STF. SÚMULA 98 DO STJ.
1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
2. A prejudicialidade das ações em curso no STF sobre a ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada contra ex-Prefeito, impõe a suspensão desta com base no disposto no art. 265, IV, "a", do CPC.
3. In casu, a Reclamação n. 2.138-6⁄DF, em curso no Supremo Tribunal Federal, tem por objeto a definição da aplicabilidade da Lei 8.429⁄92 (Lei de Improbidade Administrativa) aos agentes políticos, em face das normas especiais que definem os crimes de responsabilidade. Por outro lado, na questão de ordem suscitada no Inquérito nº 2.010-QO-SP, o Pretório Excelso iniciou o julgamento acerca do foro privilegiado de ex-agentes políticos, ante a alteração do art. 84 do Código de Processo Penal pela Lei nº 10.628⁄02.
4. Precedentes da Corte: AGRMC 8395⁄RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 30⁄08⁄2004; AGRMC 8175⁄RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21⁄06⁄2004; AGRMC 8174⁄RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 28⁄06⁄2004.
5. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório." (Súmula 98⁄STJ).
6. Recurso especial parcialmente provido, tão-somente para excluir a multa imposta quando do julgamento dos embargos de declaração pela instância de origem.



VOTO



EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Preliminarmente, o recurso especial merece ser conhecido, uma vez que devidamente prequestionada a matéria federal, assim como demonstrado o dissídio pretoriano, nos moldes do RISTJ.
No que pertine à violação do art. 535 do CPC, esta não restou configurada, uma vez que o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Saliente-se, ademais, que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, como de fato ocorreu na hipótese dos autos.
Assim dispõe o art. 265, IV, "a", do Código de Processo Civil:

"Art. 265 - Suspende-se o processo:
(...)
IV - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;"

In casu, a Reclamação n. 2.138-6⁄DF, em curso no Supremo Tribunal Federal, tem por objeto a definição da aplicabilidade da Lei 8.429⁄92 (Lei de Improbidade Administrativa) aos agentes políticos, em face das normas especiais que definem os crimes de responsabilidade. Por outro lado, na questão de ordem suscitada no Inquérito nº 2.010-QO-SP, o Pretório Excelso iniciou o julgamento acerca do foro privilegiado de ex-agentes políticos, ante a alteração do art. 84 do Código de Processo Penal pela Lei nº 10.628⁄02.
Consoante noticiam os autos, o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública, por improbidade administrativa, contra Moacir Zilio, ex-Prefeito do Município de Planalto.
Ora, resta evidente a necessidade de se suspender o processo, até julgamento da Reclamação e do Inquérito supra-referidos, em curso no Supremo Tribunal Federal.
Consoante tivemos oportunidade de assentar, in "Curso de Direito Processual Civil", (Luiz Fux, Forense, 2001), trata-se da suspensão do processo por prejudicialidade externa, in verbis:

"Entretanto, pode ocorrer que a questão prejudicial figure como objeto principal de um outro processo, como ocorreria se a existência ou inexistência do contrato antes referido fosse objeto de ação declaratória autônoma em curso noutro juízo quando A ingressou com o pedido de cobrança. Nessa hipótese, diz-se que a prejudicialidade "externa". A lei, ao invés de determinar a reunião dessas ações segundo os critérios da prevenção da competência insculpidos nos artigos 106 e 219 do CPC, prefere, como regra in procedendo, que o juiz da causa prejudicada suste o julgamento do mérito até que a decisão da questão prejudicial seja proferida, para, então, ser aproveitada como razões de decidir na causa em que ela influi (art. 265, inciso IV, a, do CPC). Essa é a razão de a "existência de uma prejudicial externa figurar como causa suspensiva do processo".
Consoante tivemos oportunidade de sugerir, nas hipóteses de prejudicialidade perante juízos que têm a mesma competência ratione materiae, as causas devem ser reunidas por conexão, aplicando-se o dispositivo apenas quando absoluta a incompetência do juízo dependente da questão prejudicial para apreciá-la principaliter.
A mesma suspensão verifica-se quando a causa sustada depende do julgamento de outra causa submetida a outro juízo, como ocorre se numa ação de cobrança de cota condominial no juízo X o julgamento depende da decisão a ser proferida no juízo Y acerca da validade da assembléia donde emerge a obrigação exigida no juízo suspenso. Ainda nesse caso, sugere-se a reunião das ações e não a suspensão, porque o conceito de conexão deve estar voltado para o objetivo maior desse instituto que é o de evitar a prolação de decisões contraditórias."

Nesse aspecto, enfatizou o Tribunal de origem:

"Trata-se de ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público contra MOACIR ZILIO, ex-prefeito do Município de Planalto.
É de ser decretada a suspensão da presente ação, conforme decisão proferida na Ação Civil Pública nº 70006583173, in verbis:
'Tramita perante o Supremo Tribunal Federal a Reclamação nº 2138⁄DF, Relator Min. Nelson Jobim, em que se discute a aplicação da Lei nº 8.429⁄92 aos agentes políticos. No dia 11 de setembro de 2002, o Ministro Relator, distinguindo o regime de responsabilidade político-administrativa previsto no artigo 37, § 4º, da Constituição da República, e regulado pela Lei 8.429⁄92, do regime de crime de responsabilidade fixado no artigo 102, inciso I, letra c, da Constituição da Repúblic, e disciplinado pela Lei 7.079⁄50, deferiu a medida liminar (I) suspendendo a eficácia de sentença proferida pelo Juiz da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal que condenou, em sede de ação de improbidade administrativa, ex-Ministro de Estado 1ª Classe do Ministério das Relações Exteriores, aplicando-lhe as sanções de suspensão de seus direitos políticos por 8 anos e de perda da função pública, e (II) sustando a tramitação do processo até posterior deliberação. Na sessão do dia 20 de novembro de 2002, o Ministro Relator, esposando o entendimento de que 'os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429⁄92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF', votou no sentido de julgar procedente a reclamação para assentar a competência do STF e declarar extinto o processo em curso na 14ª VAra da Seção Judiciária do Distrito Federal que gerou a reclamação, no que foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Ferreira Mendes, Ellen Gracie Northleet, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão. O julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Ministro Carlos Velloso.
Diante dessa circunstância é de ser suspensa a presente ação de improbidade administrativa, forte no artigo 265, inciso IV, letra a, do Código de Processo Civil, no que diz respeito ao demandado ORTIZ IBOTI SCHRÖER, ex-prefeito do Município de Ijuí, até o desfecho da aludida reclamação, sob pena de possível nulidade desse julgamento. É que, ainda que a decisão em sede de reclamação não possua efeitos erga omnes, no presente caso, pela peculiaridade da matéria discutida e pela autoridade do Supremo Tribunal Federal no sistema judiciário brasileiro, a decisão da Corte acabará irradiando seus efeitos para todos os Tribunais do País, acabando por definir o cabimento ou não da presente ação contra os agentes políticos.
Considerando que a presente ação foi ajuizada por outros demandados além do ex-prefeito, deve ser cindida a ação para que prossiga, na Comarca de origem, contra os demais requeridos."

Outro não foi o entendimento adotado pela jurisprudência da Primeira Turma do STJ:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR. PRETENSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL ADMITIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AÇÃO DE IMPROBIDADE CONTRA PREFEITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. RECLAMAÇÃO PROCESSADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR E NEGATIVA DE SEGUIMENTO À MEDIDA CAUTELAR. DECISÃO MANTIDA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.
1. A ausência de qualquer dos requisitos autorizadores da medida cautelar impõe o seu indeferimento.
2. Agravo Regimental desprovido." (AGRMC 8395⁄RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 30⁄08⁄2004)

"PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DAR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. RISCO NA DEMORA NO PROVIMENTO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADO. INDEFERIMENTO.
1. O cabimento de medida cautelar para sustar os efeitos de recurso especial requer a comprovação de manifesto risco de dano irreparável e inquestionável relevância do direito, tornando indispensável a concessão da providência pleiteada para assegurar a eficácia do resultado do recurso a ser apreciado por este Tribunal, o que não é o caso dos autos.
2. A suspensão da ação de improbidade administrativa contra prefeito não causa, por si só, dano irreparável, pois ela não é o único meio para coibir o dano que se afirma presente. Existem outras formas, inclusive administrativas e judiciais, para controlar e punir a prática de atividades que possam ocasionar danos ao meio ambiente e à saúde da população.
3. Agravo regimental desprovido." (AGRMC 8175⁄RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 21⁄06⁄2004)


"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. QUESTIONAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA JULGAR EX-AGENTE POLÍTICO. DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE CONJUGAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR.
I - O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em face de decisões do STF e, prevendo possível usurpação de competência, com esteio no artigo 265, IV, do CPC, determinou a suspensão da ação civil pública instaurada contra ex-prefeito municipal por improbidade administrativa.
II - O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul afirma que o sobrestamento da ação civil pública, até que o Supremo Tribunal Federal profira decisão definitiva na Reclamação nº 2.138-6, traria prejuízos irreparáveis para o Município.
III - A decisão impugnada que indeferiu o pedido de liminar para o prosseguimento da ação civil pública referida não está adstrita ao deslinde final dos processos ajuizados perante o Supremo Tribunal Federal, podendo ser reexaminada, a qualquer tempo ou após a instrução da presente cautelar. Insubsistente a alegada urgência no deferimento da liminar pretendida.
IV - Agravo regimental improvido." (AGRMC 8174⁄RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 28⁄06⁄2004)

Assim, tanto mais que os atos decisórios, tratando-se de incompetência absoluta, são inexoravelmente nulificados, não merece acolhida a pretensão do recorrente.
Melhor sorte assiste ao recorrente no que pertine à multa imposta pela Corte de origem quando do julgamento dos embargos de declaração.
Com efeito, dispõe a Súmula 98 do STJ:

"Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório".

Portanto, apresenta-se descabida, no caso dos autos, a imposição da multa prevista no parágrafo único, do art. 538, do CPC, já que na petição de interposição dos embargos declaratórios do recorrente está expressa a finalidade de prequestionar a matéria discutida no apelo especial manejado, o que afasta a natureza protelatória daquele recurso.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao presente recurso especial, tão-somente para excluir a multa imposta quando do julgamento dos embargos de declaração pela instância de origem.
É como voto.








CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2004⁄0122803-0 RESP 680774 ⁄ RS

Números Origem: 10300000087 70006005045

PAUTA: 12⁄04⁄2005 JULGADO: 12⁄04⁄2005

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. CÉLIA REGINA SOUZA DELGADO

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
RECORRIDO : MOACIR ZILIO
ADVOGADO : OTACILIO VANZIN E OUTROS

ASSUNTO: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa - Prefeito ⁄ Ex-Prefeito

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.


Brasília, 12 de abril de 2005

MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

Documento: 540328 Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 02/05/2005

Voto (condutor) da ADIN sobre o Código Florestal

MP ambiental
Leia voto de Celso de Mello sobre Código Florestal
O Supremo Tribunal Federal manteve, na semana passada, por sete votos a dois, o artigo 1º da Medida Provisória 2166/01, que alterou o Código Florestal — Lei 4.771/65. Na prática, a alteração regulamentou a retirada de vegetação de área de preservação permanente com simples autorização administrativa do órgão ambiental do Executivo.
O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria-Geral da República, foi o ministro Celso de Mello. Os votos contrários foram dos ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Brito.
Em julho, o presidente do STF, Nelson Jobim, havia concedido liminar para suspender o dispositivo, mas, ao analisar o voto do ministro Celso de Mello, mudou de posicionamento.
Leia aqui a íntegra do voto do relator Celso de Mello
1º/09/200 — TRIBUNAL PLENO
MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.540-1 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
REQUERENTE(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REQUERIDO(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTERESSADO(A/S): ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO(A/S): PGE-SP - JOSE DO CARMO MENDES JUNIOR
INTERESSADO(A/S): ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO(A/S): JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA E OUTROS
INTERESSADO(A/S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
ADVOGADO(A/S): MARIA LUIZA WERNECK DOS SANTOS
INTERESSADO(A/S): ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
ADVOGADO(A/S): PGE - ES MARIA CHRISTINA DE MORAES
INTERESSADO(A/S): ESTADO DA BAHIA
ADVOGADO(A/S): PGE - BA CÂNDICE LUDWIG ROMANO
INTERESSADO(A/S): INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO - IBRAM
ADVOGADO(A/S): MARCELO LAVOCAT GALVÃO
INTERESSADO(A/S): ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
ADVOGADO(A/S): PGE-MS ULISSES SCHWARZ VIANA
INTERESSADO(A/S): ESTADO DO AMAZONAS
ADVOGADO(A/S): PGE-AM PATRÍCIA CUNHA E SILVA PETRUCCELLI E OUTRA
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): O eminente Senhor Procurador-Geral da República, ao ajuizar a presente ação direta, argüiu a inconstitucionalidade do art. 4º, “caput” e §§ 1º a 7º, da Lei nº 4.771, de 15/09/1965 (Código Florestal), na redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001.
As normas legais ora impugnadas possuem o seguinte conteúdo material (fls. 09/16):
“Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1º A supressão de que trata o ‘caput’ deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.
§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.
§ 3° O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.
§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.
§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas ‘c’ e ‘f’ do art. 2° deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.
§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.
§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.” (grifei)
O eminente Senhor Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, durante o período de férias forenses (julho de 2005), ao suspender, cautelarmente, a eficácia e aplicabilidade do art. 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que alterou o art. 4º, “caput” e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que instituiu o Código Florestal, proferiu decisão que tem o seguinte conteúdo (fls. 23/27):
“O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ajuíza ADI contra o art. 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 agosto de 2001, na parte em que alterou o art. 4º, caput e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
Aponta a inconstitucionalidade formal dos referidos dispositivos por violação ao art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal.
Está na inicial:
‘..............................
[os dispositivos ora atacados] tornam possível a supressão de área de preservação permanente mediante mera autorização administrativa do órgão ambiental, quando, em verdade, o legislador constituinte determinou que tal supressão somente poderá ocorrer por meio de lei formal.
................................. somente a lei em sentido formal e específica, entendida esta como o ato normativo emanado do Poder Legislativo e elaborada segundo os preceitos do devido processo legislativo constitucional, poderá autorizar a alteração e/ou supressão dos espaços territoriais especialmente protegidos.................................’
Alega que o CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, com fundamento na Medida Provisória atacada
‘..............................
...está prestes a autorizar, por meio de resolução, que o gestor ambiental local apure a 'utilidade pública' de um empreendimento de mineração e autorize, sem lei, a supressão da vegetação em área de preservação permanente.
..............................’ (fl. 7)
E que
‘..............................
Tal fato... poderá acarretar prejuízos irreparáveis ao bem ambiental, uma vez que fundado unicamente na discricionariedade do gestor ambiental de dizer o que é utilidade pública, quando essa avaliação evidentemente extrapola a questão ambiental. [via de conseqüência] Abre-se a porta, por exclusivos interesses econômicos, especialmente minerários, para a extinção de espaços territoriais protegidos e essenciais à proteção e defesa dos ecossistemas.
..............................’ (fl. 7)
E ainda que
‘..............................
A 78ª Reunião do CONAMA será realizada nos próximos dias 27 e 28 de julho de 2005..., o que comprova a necessidade de concessão de medida cautelar com base no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.868/99, 'sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado'.
..............................’ (fl. 7)
Requer a concessão de medida cautelar com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/99 e no art. 170 do Regimento Interno.
Decido.
Em exame prévio, verificam-se presentes os pressupostos necessários para o deferimento da medida cautelar.
A inicial anuncia a proximidade da 78ª Reunião Ordinária do CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA - SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, que será realizada nos dias 27 e 28 de julho de 2005 (fls. 17/20).
Ocorre que, com fundamento no art. 4º da Medida Provisória ora impugnada, o CONAMA, por meio de Resolução, pode vir a autorizar o gestor ambiental local a suprimir a vegetação de uma área de preservação permanente, para fins de ‘empreendimento de mineração’ (fl. 7).
A Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de defender e proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225, ‘caput’, da CF).
Ora, a extração de minério causa danos irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado anterior, presente por este motivo o ‘periculum in mora’.
O ‘fumus boni iuris’ encontra-se na norma constitucional (art. 225, § 3º, III, da CF) que autoriza a supressão de área de preservação permanente somente por lei.
Daí que a concessão da medida permitirá uma análise mais aprofundada sobre o tema e, ao mesmo tempo, não impedirá o perecimento do direito de eventuais interessados na exploração ambiental.
Assim, defiro o pedido de medida cautelar para suspender, ‘ad referendum’ do Plenário, até o julgamento final desta ação, a eficácia do art. 4º, ‘caput’, e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao Diretor do CONAMA e ao Procurador-Geral da República.
Solicitem-se informações.” (grifei)
O Senhor Presidente da República prestou as informações que lhe foram solicitadas (fls. 48/133) e, nelas, defendeu a legitimidade constitucional da Medida Provisória n. 2.166-67/2001, editada por seu antecessor, assinalando que o diploma legislativo em causa não transgrediu a norma constitucional de parâmetro (CF, art. 225, § 1º, n. III).
Em conseqüência de tal posição, o Chefe do Poder Executivo da União pediu a reconsideração do ato decisório ora submetido ao referendo desta Suprema Corte (fls. 178/195), destacando, com apoio em parecer do ilustre Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO TRINDADE, as seguintes conclusões:
“I - as áreas de preservação permanente incluem-se no conceito de ‘espaços especialmente protegidos’, nos termos do art. 225, § 1°, inciso III da Constituição Federal, juntamente com as Unidades de Conservação e a Reserva Legal;
II - a interpretação/aplicação dos preceitos constitucionais em debate não podem desbordar da lógica do razoável. Com efeito, o preceito constitucional em foco não poderá conduzir à conclusão de que qualquer atividade humana, em ‘espaços territoriais especialmente protegidos’, dependa, diretamente, de autorização legislativa. A interpretação do enunciado em tais termos esvaziaria a ação administrativa, concentrando-a no Parlamento;
III - o texto constitucional em análise expressa a necessidade de lei especifica para a alteração e a supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, jamais para a supressão de vegetação nestas áreas. O corte de vegetação em área de preservação permanente não acarreta a supressão da APP, tanto que o Código Florestal Federal reconhece, textualmente (art. 1°, § 2°, inciso II), a existência de área de preservação permanente, mesmo em espaços desprovidos de vegetação;
IV - não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina referido espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividade;
V – o art. 225, § 1°, inciso III da Constituição Federal determina uma dupla condição para que se promovam alterações ou supressões de espaços territoriais especialmente protegidos: a) existência de prévia lei autorizativa e b) vedação de qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
VI - a lei autorizativa para uma eventual supressão de vegetação em área de preservação permanente estabelecida pelo artigo 4° é o próprio Código Florestal (art. 3°, § 1° e art. 4°). Portanto, não há necessidade de uma lei específica que autorize a supressão de vegetação em área de preservação permanente;
VII - a segunda condição constitucional, para que se possa alterar ou suprimir um espaço territorial especialmente protegido, é que tal alteração ou supressão não implique qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Tal dispositivo só pode ser compreendido em consonância com a exigência constitucional do licenciamento ambiental para obras ou atividades potencialmente poluidoras ou causadoras de degradação do meio ambiente;
VIII - entender que não é possível aos órgãos ambientais autorizar a supressão de vegetação em APP, cabendo tal possibilidade, exclusivamente, ao Poder Legislativo é subverter o sistema constitucional das competências dos três poderes, atribuindo ao Legislativo o que é de competência do Executivo. Não depende de lei o simples ato administrativo, que, vinculado à norma geral legal que disciplina o uso de determinado espaço territorial especialmente protegido, decide sobre obras ou atividades a serem nele executadas;
IX - com as modificações introduzidas na legislação ambiental, as áreas de preservação permanente se consolidaram como espaços em regra insuscetíveis de utilização, ressalvados os casos em que, constatada a presença dos requisitos previstos em lei, o órgão ambiental competente possa, com fulcro no interesse público, devidamente caracterizado e motivado em procedimento administrativo próprio, autorizar a retirada da vegetação e a conseqüente intervenção nesses locais;
X - assim sendo, as disposições do art. 4º do Código Florestal Federal encontram-se em perfeita harmonia com a Constituição Federal, em especial o seu art. 225, § 1°, inciso III.” (grifei)
Os Estados de Minas Gerais (fls. 139/150), de São Paulo (fls. 153/154), do Espírito Santo (fls. 268/274), da Bahia (fls. 280/285), de Mato Grosso do Sul (fls. 328/341) e do Amazonas (fls. 364/377), bem assim a Confederação Nacional da Indústria – CNI (fls. 205/239) e o Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM (fls. 294/295), foram por mim admitidos na presente relação processual (fls. 201, 203, 264, 277, 287, 326, 343 e 379), na condição formal de “amici curiae” (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), cabendo assinalar que esses intervenientes, ao sustentarem a plena validade constitucional da Medida Provisória em referência, u>postulam não seja referendada a r. decisão proferida pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte.
Para os fins a que se refere o art. 21, inciso V, do RISTF, submeto a decisão em causa ao exame do Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal.
É o relatório.
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se de ação direta, que, ajuizada pelo eminente Procurador-Geral da República, objetiva o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que alterou o art. 4º, “caput” e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15/09/1965, que instituiu o Código Florestal.
O eminente Chefe do Ministério Público da União, ao deduzir a pretensão de inconstitucionalidade que motivou a decisão ora objeto de apreciação por esta Suprema Corte, sustenta que a referida Medida Provisória teria ofendido a norma inscrita no art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição Federal, que assim dispõe:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
...............................................
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.’ (...).”(grifei)
O autor da presente ação direta, para sustentar a pretendida declaração de inconstitucionalidade, apóia-se na alegação de que, em face da norma de parâmetro supostamente transgredida pela Medida Provisória em causa, os atos de modificação e/ou de supressão dos espaços territoriais especialmente protegidos submetem-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal (fls. 04/07):
“Depreende-se desta norma constitucional que somente a lei em sentido formal e específica, entendida esta como o ato normativo emanado do Poder Legislativo e elaborada segundo os preceitos do devido processo legislativo constitucional, poderá autorizar a alteração e/ou supressão dos espaços territoriais especialmente protegidos, condicionada à integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Nesta esteira de raciocínio, tem-se, portanto, que a competência para autorizar qualquer supressão de área de preservação permanente é exclusiva do Poder Legislativo, não sendo tal competência objeto de delegação a autoridade administrativa, ‘in casu’, órgão ambiental.
Não obstante o citado mandamento constitucional, a Medida Provisória 2.166-67/2001, nos dispositivos supra transcritos, transgredindo a ordem vigente, tornou possível que o gestor de um órgão ambiental, portanto, de natureza administrativa, subtraia uma competência que o Poder Constituinte atribui expressamente ao Legislativo.
Deste modo, a Medida Provisória, ineludivelmente, viola o Princípio da Reserva Legal consubstanciado no art. 225, § 1°, inciso III, da Carta Política, eis que a expressão contida no dispositivo – ‘sendo a alteração ou supressão permitidas somente através de lei’ - abriga uma manifestação absoluta do Princípio da Reserva Legal, implicando dizer que a Constituição excluiu qualquer outra fonte infralegal para disciplinar a matéria.
...................................................
Ressai, assim, que as áreas de preservação permanente são espécies do gênero espaço territorialmente protegido, recaindo sobre elas a vedação imposta pelo dispositivo constitucional que não permite a sua alteração ou supressão, exceto quando prevista em lei.
Portanto, é evidente a inconstitucionalidade dos dispositivos citados, pois somente a lei em sentido estrito e específica poderá dispor das áreas de preservação permanente e, ainda assim, desde que cuidando de não comprometer a ‘integridade dos atributos que justifiquem sua proteção’ (art. 225, § 1°, III). A lei em hipótese alguma pode delegar ao administrador ou a ato normativo infralegal o poder de determinar as hipóteses, em tese, ou os pressupostos para a supressão de APP, ainda que criadas por ato administrativo.” (grifei)
O exame da pretensão cautelar deduzida pelo eminente Procurador-Geral da República – que veio a ser acolhida, no período de férias forenses, pelo Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, em decisão ora submetida ao referendo desta Corte – impõe algumas considerações preliminares em torno da relevantíssima questão constitucional pertinente à proteção do meio ambiente.
Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas.
Essa prerrogativa, que se qualifica pelo seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO), com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (“A reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras), de um típico direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação - que incumbe ao Estado e à própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social.
Vale referir, Senhor Presidente, neste ponto, até mesmo em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de compreensão e abordagem, que permitem distingui-los em ordens sucessivas resultantes de sua evolução histórica.
Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema Corte (RTJ 164/158-161), impende destacar, na linha desse processo evolutivo, os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, e que realçam o princípio da liberdade.
Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), de outro lado, identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal perspectiva, o princípio da igualdade.
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado magistério doutrinário (CELSO LAFER, “Desafios: ética e política”, p. 239, 1995, Siciliano).
Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES ( “Curso de Direito Constitucional”, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993, Malheiros), que confere particular ênfase, dentre os direitos de terceira geração, ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado:
“Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (grifei)
A preocupação com a preservação do meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras - tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.
A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, “Direito Ambiental Internacional”, 2ª ed., 2002, Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu, ao gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar.
Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito Ambiental Constitucional”, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros):
“A ‘Declaração de Estocolmo’ abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um ‘direito fundamental’ entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de ‘direitos a serem realizados’ e ‘direitos a não serem perturbados.
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O que é importante (...) é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: ‘a qualidade da vida’.” (grifei)
Dentro desse contexto, Senhor Presidente, emerge, com nitidez, a idéia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se como encargo irrenunciável que se impõe - sempre em benefício das presentes e das futuras gerações - tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Polícia do Meio Ambiente”, “in” Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO BARROSO, “A proteção do meio ambiente na Constituição brasileira”, “in” Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).
Na realidade, Senhor Presidente, o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social.
O reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitui, portanto, uma realidade a que não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional, como enfatizado por autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito Internacional Público”, p. 223/224, item n. 132, 1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros).
Dentro desse contexto, e com absoluta fidelidade aos valores constitucionais suscetíveis de tutela estatal e de proteção social, editou-se a Medida Provisória em questão, e de cuja prática, ao longo destes últimos quatro (04) anos – tal como atestam as informações prestadas pelo Senhor Presidente da República (fls. 48/132) e acentuam as diversas manifestações produzidas pelos “amici curiae” (fls. 139/150, 153/176, 268/275, 280/285, 328/341, 205/262, 294/324 e 364/377) – não resultou o alegado efeito lesivo e predatório ao patrimônio ambiental, como temido pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República.
É por essa razão, salvo melhor juízo, e não obstante o justo receio divisado pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte, cuja decisão reflete o alto espírito público que a norteou, que entendo não deva subsistir, na espécie, a medida que implicou a suspensão cautelar da eficácia do ato estatal impugnado, especialmente se se considerarem os elementos referidos pelo ilustre Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO TRINDADE, em sua excelente análise do sentido, do alcance e da finalidade das normas ora impugnadas:
“Importante analisar, pontualmente, alguns dos dispositivos do art. 4° do Código Florestal Federal que restam suspensos, bem como avaliar os efeitos de tal decisão cautelar.
a) ‘Art. 4° - A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto’.
- A suspensão do caput do art. 4° retira a garantia de que a supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderia ser permitida em caso de utilidade pública ou de interesse social.
(...).
- o caput do art. 4° prevê a possibilidade de supressão de vegetação em área de preservação permanente somente nos casos de utilidade pública e interesse social e quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. A possibilidade de permissão de supressão de vegetação em área de preservação permanente, quando tal intervenção for possível ou viável noutra área, fere diretamente o regime jurídico em questão.
b) ‘§ 1° - A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo’.
- a decisão cautelar retirou a possibilidade de órgão ambiental, no estrito cumprimento da legislação ambiental, autorizar a supressão de vegetação em APP. Ou seja, aos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, com longa tradição e competência técnica na avaliação de estudos de impactos ambientais, não mais compete praticar atos administrativos que envolvam autorização para a supressão de vegetação em APP. Como efeito da decisão cautelar, cabe ao Poder Legislativo autorizar a supressão de vegetação, invertendo-se o sistema constitucional de competências, atribuindo-se ao Legislativo o que é competência do Poder Executivo.
c) ‘§ 3° - O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente’.
- a suspensão de tal dispositivo impede que o órgão ambiental possa autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental de vegetação em área de preservação permanente. A implantação de um pontilhão para a travessia de um curso d’água, a implantação de instalações para captação e condução de água para abastecimento doméstico, a construção de cerca de divisas de propriedades, a realização de trilhas de ecoturismo, a pesquisa científica, dentre outras atividades usuais e de pequeno impacto ambiental, estão vedadas de serem realizadas. Somente lei específica poderá autorizar tais tipos de intervenções.
d) ‘§ 4° - O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor’.
- não há mais a exigência legal de que a supressão de vegetação em área de preservação permanente seja condicionada à realização de medidas mitigadoras e compensatórias pelo empreendedor.
e) ‘§ 7º - É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa’.
- (...)a decisão cautelar que suspendeu a eficácia do art. 4° do Código Florestal impede o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água. O acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, por ilegal, submete seus infratores às penalidades da Lei 9.605, de 12.02.1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.” (grifei)
Os motivos que me levam a assim compreender a questão, ao menos em juízo de estrita delibação, prendem-se a essas razões e, ainda, aos fundamentos que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com igual consistência, bem expôs em sua manifestação, na qual sustentou a plena validade jurídico-constitucional da Medida Provisória editada por seu antecessor (fls. 180/190):
“Primeiramente, cumpre esclarecer que é equivocada a interpretação conferida pelo requerente ao dispositivo constitucional utilizado como parâmetro de controle (artigo 225, § 1°, inciso III).
Isso, porque o que a Constituição da República prevê como sendo de definição exclusivamente através de lei é a alteração e supressão de espaços territoriais especialmente protegidos. Em contrapartida, o texto normativo impugnado autoriza, mediante procedimento administrativo próprio, a supressão de vegetação em área de preservação permanente. Vale transcrever os dispositivos concernentes, ‘litteris’:
Constituição da República:
‘Art. 225. (...)
§ 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.’ (Grifou-se);
Lei n° 4.771, de 15.09.65, com a redação dada pela MP n° 2.166-67, de 24.08.2001:
‘Art. 4°. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.’ (Grifou-se).
Da leitura dos citados artigos, percebe-se que a nova redação conferida ao Código Florestal não interfere na exigência constitucional de que os espaços territoriais especialmente protegidos sejam alterados ou suprimidos somente através de lei, pois o que se disciplinou foi a supressão da vegetação em área de preservação permanente.
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No mesmo sentido, ensina ÉDIS MILARÉ:
‘Pensamos que a alteração e a supressão sujeitas à lei são as do próprio regime jurídico que rege o espaço protegido. Vale dizer, depende de lei a alteração ou revogação da legislação (...)que institui, delimita e disciplina esse espaço protegido. Não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina referido espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividade’ (Grifou-se).
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Ressalte-se, por fim, que, mesmo PAULO AFFONSO LEME MACHADO, que defende que a ‘área de preservação permanente’ é espécie do gênero ‘espaço territorial especialmente protegido’, não vislumbra inconstitucionalidade na norma impugnada na presente ação direta, considerando que as alterações ao Código Florestal, realizadas pela MP n° 2.166-67, de 2001, embora insuficientes, foram benéficas e trouxeram certo avanço ao Direito Ambiental Brasileiro. Assim preleciona o mencionado doutrinador:
‘O art. 4° do Código Florestal não usou a terminologia ‘Estudo Prévio de Impacto Ambiental', mas utilizou ‘procedimento administrativo próprio', que deverá compreender: a) as alternativas técnicas e locacionais (art. 4°, ‘caput’) b) análise do impacto ambiental (art. 4°, § 2°), para poder classificar o grau de importância desse impacto; e c) estudo de medidas mitigadoras e compensatórias a serem adotadas se houver a supressão da vegetação. Ao requerente da eliminação da APP caberá provar a não-existência de outras alternativas para o projeto, pois, sem essa prova, o pedido obrigatoriamente será indeferido (art. 4°, ‘caput’).
Merece aplausos esta parte da legislação florestal (...).’ (destacou-se).
Com base em tal afirmação, vale evidenciar que a Medida Provisória n° 2.166-67, de 2001, trouxe mudanças benéficas à disciplina da supressão de vegetação em área de preservação permanente, pois, no regime anterior, não se garantia que tal supressão apenas fosse autorizada quando existisse interesse social ou utilidade pública. Também não era previsto que somente diante de inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento é que se permitiria a supressão. (...).
...............................................
Cumpre, então, ressaltar que o desígnio do legislador constituinte não foi exigir lei específica para cada hipótese de supressão de vegetação em áreas de preservação permanente. Exigiu-se, na verdade, uma lei autorizativa genérica, disciplinando a forma pela qual tal supressão pode ser feita sem prejuízos para o meio ambiente. E tal lei - genérica e abstrata como todas devem ser - já existe, pelo menos em relação às APP's, consubstanciando-se justamente no Código Florestal.
Outro aspecto a ser considerado é que, ao prevalecer a tese defendida pelo ilustre Procurador-Geral da República, de que haveria necessidade de lei em sentido formal para qualquer caso de supressão de vegetação em espaço territorial especialmente protegido, está-se conferindo elevado grau de casuísmo à edição de normas que, por sua natureza, devem prever situações abstratas.
Com efeito, além de se impedir os órgãos públicos ambientais de autorizar ou licenciar qualquer tipo de intervenção em espaços protegidos, ter-se-á a necessidade de lei específica para cada caso de supressão de vegetação em tais áreas, desde a implantação de um pequeno corredor de acesso de pessoas para obtenção de água, por exemplo, até a construção de portos, gasodutos, hidrelétricas, dentre inúmeras outras atividades de suma relevância para o desenvolvimento nacional. Da mesma forma, com a concessão da medida cautelar, para que se possa derrubar uma árvore em área protegida, é necessário que se edite uma lei.
Para que se possa vislumbrar a inviabilidade deste entendimento, vale transcrever trecho da Informação n° 460/2005/CONJUR/MMA (em anexo), ‘in verbis’:
‘24. Da mesma forma, haverá necessidade de lei específica, em sentido estrito, para que possa ocorrer a supressão de uma árvore em área de Reserva Legal. Cada autorização de corte deve, no entendimento exposto pelo Procurador- -Geral da República e acolhido, cautelarmente, pelo Presidente do STF, ser objeto de aprovação de uma lei em sentido formal. Importante referir que a Reserva Legal abrange 80% da área das propriedades rurais situadas na Amazônia Legal, 35% da área das propriedades rurais localizadas nas zonas de cerrado da Amazônia Legal e 20% da área das propriedades rurais localizadas nas demais regiões do país.
25. Destaca-se, também, que supressão de qualquer vegetação em unidade de conservação dependerá de autorização legislativa, caso a caso. Vejamos o seguinte exemplo: a cidade de Brasília e sua região de entorno estão localizados no interior de uma Área de Proteção Ambiental (APA do Planalto Central), uma unidade de conservação de uso sustentável, criada nos termos do art. 15 da Lei n° 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Vingando o entendimento exposto na peça inicial, toda e qualquer intervenção nos recursos naturais, como o simples corte de uma árvore exótica, somente será possível após lei autorizativa específica.’
Diante desse panorama, resta clara a improcedência da alegação no sentido de se exigir lei específica para cada supressão de vegetação em área especialmente protegida. Esvazia-se o Poder Executivo, através dos órgãos competentes, de suas atribuições, abarrotando-se o Poder Legislativo - Federal, Estadual e Municipal - de projetos de leis desnecessárias.
Observe-se, ainda, que aquele que pretender a supressão de vegetação em área protegida terá de se submeter à realização de ‘lobbies’ junto ao Congresso Nacional, à Assembléia Legislativa ou à Câmara dos Vereadores, conforme o ente federativo ao qual esteja sujeita a área que se pretende desmatar. (...).
Outro aspecto de relevo é a alegação do requerente de que a autorização, pelo gestor ambiental local, de supressão de vegetação em área de preservação permanente, por ser fundada ‘unicamente na discricionariedade (...) de dizer o que é utilidade pública’, poderia viabilizar a extinção destes espaços ‘por exclusivos interesses econômicos, especialmente minerários’. Ora, é evidente que a discricionariedade de que se revestem os atos administrativos não permite que se possa realizá-los em desconformidade com as restrições legais e constitucionais. Assim, para que o gestor ambiental confira a autorização para a supressão de vegetação em APP, ele deverá observar também a legalidade, a moralidade e todos os demais princípios que regem o Direito Administrativo.
Diante de todo o exposto, conclui-se que não se faz presente o requisito do ‘fumus boni iuris’ para a concessão da medida cautelar.” (grifei)
Sem prejuízo do reconhecimento da procedência de todos esses elementos expostos pelo Senhor Presidente da República, em defesa da plena validade constitucional do diploma normativo ora questionado, não constitui demasia destacar, na linha desse mesmo entendimento, a precisa observação expendida por ÉDIS MILARÉ (“Direito do Ambiente”, p. 220/222, item n. 8.4, 2000, RT), em magistério no qual ressalta, tendo presente o que dispõe o art. 225, § 1º, III, da Constituição, que não depende de lei o ato da Pública Administração que autoriza, licencia ou permite a execução de obras ou de atividades nos espaços territoriais especialmente protegidos.
Eis, no ponto, Senhor Presidente, a lição desse eminente autor:
“Os ‘espaços territoriais especialmente protegidos’ a que alude a Constituição figuram hoje no rol dos Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (...).Vale dizer, o espaço territorial especialmente protegido é um dos instrumentos jurídicos para a implementação do direito constitucional ao ambiente hígido e equilibrado, em particular no que se refere à estrutura e funções dos ecossistemas.
Na prática, confundem-se eles com as conhecidas ‘unidades de conservação’, ou seja, aquelas áreas de interesse ecológico que, por características naturais relevantes, recebem tratamento legal próprio, de molde a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao meio ambiente.
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Os espaços territoriais especialmente protegidos têm sido criados ora por lei, ora por decreto, definindo-se seus limites e estabelecendo-se a disciplina do uso, conservação ou preservação de seu território e dos recursos nele existentes.
É nesse contexto que se deve entender a Constituição.
O Poder Público deve definir espaços territoriais a serem protegidos. Pode fazê-lo por lei ou por decreto. Porém, a alteração ou supressão desses espaços só pode ser feita por lei, mesmo se criados, delimitados e disciplinados por decreto.
Questão que tem suscitado controvérsia diz com a necessidade de ‘lei’ para executar qualquer obra ou serviço nesses espaços territoriais, mesmo quando admissíveis nos termos da lei ou do decreto que instituiu e disciplinou qualquer desses territórios protegidos.
Pensamos que a alteração e a supressão sujeitas à lei são as do próprio regime jurídico que rege o espaço protegido. Vale dizer, depende de lei a alteração ou revogação da legislação - portanto também do decreto - que institui, delimita e disciplina esse espaço protegido. Não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina esse espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividades.
Com efeito, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si (art. 2.° da Constituição). Ao Poder Legislativo cabe fazer as leis (normas impessoais e gerais) que disciplinam determinada matéria, no caso o espaço territorial protegido. Ao Poder Executivo cabe executar as leis e praticar os atos administrativos (atos específicos e determinados) que, à luz da lei, decidem as pretensões dos administrados.
Entender que ato administrativo, no caso, depende de lei é subverter o sistema constitucional das competências dos três poderes, atribuindo ao Legislativo o que é de competência do Executivo. Para que isso fosse possível seria necessária expressa previsão constitucional, como é o caso do § 6.° do art. 225 da Constituição, que sujeita à lei a localização de usinas nucleares.
À míngua dessa exceção, conclui-se, portanto: não depende de lei o simples ato administrativo que, vinculado à norma legal que disciplina determinado espaço territorial protegido, decide sobre obras ou atividades a serem nele executadas.” (grifei)
Esse entendimento é também exposto por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito Ambiental Constitucional” , p. 174/176, item n. 6, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros), cujo magistério vale reproduzir, “in extenso”:
“O art. 4º, com redação da Medida Provisória 2.166-67, de 2001, estatui que a ‘supressão de vegetação’ em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. A autorização há de ser dada pelo órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente; mas se a área estiver situada em área urbana, a autorização do órgão ambiental competente só poderá ocorrer se o Município possuir Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo e Plano Diretor, e ainda dependerá de anuência prévia do órgão ambiental estadual competente e deverá ser fundamentada em parecer técnico. Em qualquer caso, o órgão ambiental competente, antes de emitir a autorização, terá que indicar as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. Aqui (...) expressamente está admitida a supressão de vegetação em área de preservação permanente por força da lei; é o que se autoriza no § 5º do art. 4º, com cautela e rígida limitação, em relação à vegetação nativa protetora de nascente ou de dunas e mangues, apenas em caso de utilidade pública.
Veja-se que aqui não se admite a supressão de áreas de preservação permanente em si, mas apenas a ‘supressão de vegetação’. A diferença de redação em relação ao art. 3º, § 1º (supressão total ou parcial), orienta a compreensão do art. 4º, que não autoriza o corte raso. Além de todas as cautelas e limitações formais indicadas acima com base nos parágrafos do art. 4º, a supressão de vegetação só será admissível no caso de utilidade pública e interesse social. Para tal efeito, a própria lei define esses institutos. Têm-se como ‘utilidade pública’ (a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária, (b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e (c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (art. 1º, § 2º, IV); e como ‘interesse social’ (a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasores e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA, (b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área e (c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.
Vê-se que a ‘utilidade pública’ inclui obras, atividades e serviços públicos ainda quando o empreendimento seja realizado por particulares, tais como concessionários de serviços públicos. Daí a razão do disposto no § 6º do art. 4º quando declara que na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA. Já no caso de ‘interesse social’, a supressão de vegetação em área de preservação permanente só é admitida no interesse da proteção da própria área. Tanto no caso da utilidade pública como no de interesse social se dá uma faculdade ao CONAMA para, mediante resolução, definir demais obras, planos, atividades ou projetos que possam gerar a possibilidade de supressão da vegetação na área de preservação permanente. É preciso que se esclareça que a faculdade que assim se confere ao CONAMA não é um cheque em branco que o autorize a aplicar os ditames legais: tais obras, planos, atividades e projetos hão que se enquadrar na mesma natureza dos que foram enumerados, respectivamente, como de utilidade pública e de interesse social.” (grifei)
Vê-se, portanto, que somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos, tanto quanto a própria alteração e supressão desses mesmos espaços territoriais, é que se qualificam, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei formal.
Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Estado – qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no âmbito do espaço territorial submetido a regime jurídico de proteção especial.
Todas essas razões, associadas aos pronunciamentos emanados das entidades intervenientes, convencem-me, ao menos em juízo de estrita delibação, de que a pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República não se reveste da necessária plausibilidade jurídica.
Cabe referir, também, por necessário, que não me parece devidamente caracterizada a situação configuradora de “periculum in mora”.
Tenho para mim, sob tal perspectiva, que a descaracterização desse pressuposto essencial à concessão do provimento cautelar deriva de uma relevante circunstância de ordem temporal, eis que o diploma normativo em questão, embora reeditado em 24/08/2001 (há mais de quatro anos, portanto – fls. 16), só veio a ser impugnado, nesta sede de fiscalização abstrata, em 18/07/2005 (fls. 02).
Vale registrar, neste ponto, não obstante a presente impugnação tenha por objeto a MP nº 2.166-67/2001, que as alterações introduzidas no art. 4º do Código Florestal resultaram de diploma normativo anterior consubstanciado na MP nº 1.956-50, de 26/05/2000.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico aspecto concernente à questão do “periculum in mora”, já advertiu que “O tardio ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, quando já decorrido lapso temporal considerável desde a edição do ato normativo impugnado, desautoriza - não obstante o relevo jurídico da tese deduzida - o reconhecimento da situação configuradora do periculum in mora, o que inviabiliza a concessão da medida cautelar postulada” (RTJ 152/692-693, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Há, ainda, um outro aspecto que assume relevo na espécie ora em exame, considerada a preocupação revelada pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte, quando, em sua decisão, ssinalou que “a extração de minério causa danos irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado anterior, presente por este motivo o ‘periculum in mora’” (fls. 26).
Refiro-me ao fato de que, tal como bem observou o Senhor Presidente da República, a própria Constituição Federal, ao autorizar a interferência humana no meio ambiente, com propósitos empresariais voltados à exploração econômica de recursos minerais, impôs medida destinada a permitir a restauração das áreas afetadas por tal atividade, prescrevendo, em seu art. 225, § 2º, que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.
É por tal motivo que o Chefe do Poder Executivo da União fez consignar, nestes autos, a seguinte observação (fls. 191): “(...) é evidente que as resoluções que autorizem a exploração de recursos minerais observarão este ditame constitucional, não existindo, portanto, o risco apontado na inicial e na decisão concessiva de medida cautelar”.
Cumpre também destacar, neste ponto, as conseqüências, que, erivadas da decisão ora em exame, já começam a se verificar, gerando, na espécie, verdadeiro “periculum in mora” em sentido inverso, cuja ocorrência recomenda a pronta restauração da eficácia da Medida Provisória em causa.
Esse articular aspecto da questão assume especial gravidade, quando se tem presente a ponderação feita pelo Senhor Presidente da República, fundada, não em um receio puramente abstrato, mas apoiada em fatos efetivamente ocorrentes (fls. 191/193):
“Na verdade, há a ocorrência de ‘periculum in mora’ inverso, pois o deferimento da liminar, ao impor que qualquer supressão de vegetação se dê apenas mediante lei em sentido estrito, além de gerar interferência indevida do Poder Legislativo em seara que sempre pertenceu ao Poder Executivo, atingindo o princípio federativo, implicará na paralisação de atividades econômicas, obras de saneamento básico e outros serviços. (...).
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Todavia, esta situação já está se verificando. A Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, através do MEMO n° 165/05/SPG, em anexo, lista os processos de emissão de licença ambiental para a construção de gasodutos que estão suspensos em virtude da concessão da medida liminar: são investimentos que variam de US$ 172 milhões (cento e setenta e dois milhões de dólares) a US$ 1.300 milhões (um bilhão e trezentos milhões de dólares). Ressalte-se que a paralisação desses empreendimentos poderá comprometer o abastecimento de energia elétrica da Região Nordeste em 2007, uma vez que as usinas termelétricas representam cerca de 30% (trinta por cento) da energia elétrica ali consumida. Com relação à Região Norte, a implantação do gasoduto Urucu-Porto Velho permitirá a utilização de gás natural em substituição ao óleo diesel e ao óleo combustível no abastecimento das usinas termelétricas do Estado de Rondônia, o que reduzirá custos e trará benefícios ao meio ambiente, através da menor emissão de gases poluentes.
Esses são apenas alguns exemplos dos impactos da medida deferida na presente ação direta. São inúmeros os empreendimentos de pequeno, médio e grande porte que foram interrompidos à espera do devido equacionamento dessa questão, que, mantida nos termos atuais, gerará prejuízos incalculáveis ao país.” (grifei)
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que igual preocupação foi também externada tanto pelos Estados-membros da Federação que ingressaram, como “amici curiae”, na presente relação processual, quanto pelas demais entidades intervenientes, consideradas as razões que produziram nestes autos e que renovaram, nesta sessão plenária, em suas sustentações orais.
Concluo o meu voto: atento à circunstância de que existe um permanente estado de tensão entre o imperativo de desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II), de um lado, e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225), de outro, torna-se essencial reconhecer que a superação desse antagonismo, que opõe valores constitucionais relevantes, dependerá da ponderação concreta, em cada caso ocorrente, dos interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a harmonizá-los e a impedir que se aniquilem reciprocamente.
Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que a superação dos antagonismos existentes entre princípios e valores constitucionais há de resultar da utilização de critérios que permitam, ao Poder Público (e, portanto, aos magistrados e Tribunais), ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto - tal como adverte o magistério da doutrina na análise da delicadíssima questão pertinente ao tema da colisão de direitos (DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203, “Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito Constitucional”, p. 363/366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica, v.g.) - a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentre os quais avulta, por sua significativa importância, o direito à preservação do meio ambiente.
Essa asserção torna certo, portanto, que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar subordinada a motivações de índole meramente econômica.
Daí os instrumentos jurídicos – de caráter legal e de natureza constitucional – que, previstos no ordenamento positivo, objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se lhe alterem as propriedades físicas, químicas e biológicas, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança e bem-estar da população, além de afetar, com sérias conseqüências, a qualidade dos recursos ambientais e de causar graves danos ecológicos ao meio ambiente.
Como precedentemente assinalado neste voto, o diploma normativo em causa, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pela MP nº 2.166-67/2001, no ponto em que introduziu significativas alterações no art. 4º do Código Florestal.
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para propor, a este Egrégio Plenário, não seja referendada a r. decisão que deferiu o pedido de medida cautelar, restaurando-se, desse modo, em plenitude, a eficácia e a aplicabilidade do diploma legislativo ora impugnado nesta sede de fiscalização abstrata.
É o meu voto.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2005